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1 DE MARÇO DE 1985

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II) Questão de fundo — Inconstitucionalidade material

A) Inadmissibilidade constitucional da retroactividade da lei fiscal

14.° Considero, antes de mais, que o artigo 1.° da Lei n.° 37/83, de 21 de Outubro, se revela inconstitucional, por criar um imposto extraordinário incidente, retroactivamente, sobre rendimentos percebidos antes da sua publicação — e relativamente aos quais, aliás já haviam sido liquidados e cobrados, na maioria dos casos, os correspondentes impostos normais.

15." Ê certo que a Constituição não contém, mesmo após a revisão de 1982, uma norma que expressamente proíba a retroactividade das leis fiscais.

16.° Mas, em meu entender, nem precisaria de o ter feito, precisamente e sobretudo na medida em que, através da referida revisão, a Constituição passou a consagrar e assumir, no seu conteúdo preceptivo, os princípios do Estado de direito democrático [artigos 2° e 4.°, alínea 6)].

17.° É que entre os princípios materiais confi-guradores do Estado de direito democrático encontram-se, decerto, em sede de fiscalidade, os do respeito pela confiança e capacidade • contributiva dos cidadãos.

18.° E viola esses princípios um preceito que, como o artigo 1.° da Lei n.° 37/83, cria um novo imposto de aplicação retroactiva (intencionalmente retroactiva, como o próprio Tribunal Constitucional o reconhece), em termos de os particulares não terem podido prevê-lo nem tomá-lo em conta na orientação da sua actividade produtora de rendimentos no período atingido.

19.° De resto, estes princípios, arredando a legitimidade constitucional das disposições que estabeleçam impostos em moldes retroactivos, encontram até directa expressão no âmbito das normas da lei fundamental que estruturam o sistema fiscal.

20.° Na verdade, quando o n.° 2 do artigo 106.° prescreve que «os impostos são criados por lei», ele não está senão a explicitar que as leis fiscais devem ter apenas eficácia para o futuro.

O termo «criado» implica, lógica e etimologicamente, o facto de, em dado momento, se gerar algo, que passa então a existir, mais ou menos duradouramente, para o futuro — e não para o passado.

B) Violação, de qualquer modo, dos princípios do Estado de direito democrático

21.° Mas mesmo que se entenda que a Constituição não contém uma proibição absoluta da retroactividade da lei fiscal, ainda assim haverá que concluir, no caso da Lei n.° 37/83, que o modo por que a retroactividade desta se concretiza ofende, efectivamente, os princípios norteadores de um Estado de direito democrático.

22.° De facto, num Estado de direito democrático, a lei deve dispor, em regra, para o futuro — e isto por consideração dos valores da confiança dos seus destinatários e da necessidade de estes pautarem a sua conduta de acordo com regras de que possam previamente ter conhecimento.

23.° A retroactividade da lei, num Estado de direito democrático, sempre será uma excepção.

24.° Este princípio manifesta-se, designadamente, no artigo 12.° do Código Civil — preceito que, embora contido em lei ordinária de Direito Privado Comum, assume relevância de princípio geral de Direito e reflectem uma característica da própria configuração constitucional do Estado Português.

25.° Tendo carácter excepcional, as leis retroactivas terão, para não violar os princípios constitucionais próprios de um Estado de direito democrático, de satisfazer pelo, menos dois requisitos:

a) O desvio, neles materializado, à regra geral da irretroactividade, deverá ser fundamentado, e não arbitrário;

b) Os efeitos dessa aplicação retroactiva sobre os direitos e interesses dos particulares deverão ser razoáveis, respeitando a exigência da proporcionalidade.

26." Ora, por um lado, a Lei n.° 37/83 não apresenta, no seu conteúdo, preambular ou preceptivo — nem tão-pouco isso transparece nos seus trabalhos preparatórios — qualquer fundamentação plausível da rectroactividade nela imposta.

Independentemente da discussão da necessidade, ou não, para o Estado, de poder dispor da receita assim gerada, a verdade é que o legislador não forneceu quaisquer motivos para a opção feita no sentido da retroactividade da incidência do imposto extraordinário — designadamente, em confronto com outras eventuais formas de arrecadação do mesmo montante de receitas, sem desvio à regra da irretroactividade.

27.° Por outro lado, o artigo 1.° da Lei n.° 37/ 83 não respeita o princípio da proporcionalidade, antes produzindo sobre os sujeitos ao imposto extraordinário assim criado efeitos inadmissíveis e intoleráveis.

28.° Na realidade, para a maior parte dos atingidos pela Lei n.° 37/83 já se haviam esgotado, pelo pagamento, quando ela foi publicada, as relações jurídicas tributárias respeitantes aos rendimentos sobre os quais tal imposição fiscal incidiu (rendimentos concernentes à contribuição predial, ao imposto de capitais de 1982 e ao imposto profissional de Janeiro a Setembro de 1983).

29.° A este propósito, não se afigura que ponha em causa a afirmação constante do artigo anterior a alegação de que o imposto extraordinário é um tributo diferente de cada um dos impostos «normais» aí referidos.

30.° É que, antes de mais, a verdade é que o imposto extraordinário não apresenta uma estrutura unitária, antes se desdobrando, afinal, em vários impostos parcelares, consoante a natureza dos rendimentos sobre que incidiram.

Tanto assim é, de resto, que o artigo 7.° da Lei n.° 37/83 manda aplicar, supletivamente, nesta matéria, consoante a natureza dos rendimentos afectados, as regras constantes de cada um dos diplomas relativos aos impostos «normais» a estes correspondentes.

31.° Além disso —e sobretudo— o que revela é que os contribuintes que já haviam pago tais