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1 DE MARÇO DE 1985

2125-(51)

2 — Embora o Tribunal Constitucional já se tivesse pronunciado pela não declaração de inconstitucionalidade desse diploma, no âmbito da fiscalização preventiva (Acórdão n.° 25/84, de 19 de Março, publicado no Diário da República, 2.a série, de 4 de Abril seguinte), o Provedor considerou, de acordo com entendimento que antes sustentara, a propósito da legislação sobre criação do chamado «imposto extraordinário» que isso não obstaria à possibilidade de invocação da inconstitucionalidade em sede de fiscalização superveniente.

3 — Assim, e uma vez analisado o fundo da questão, o Provedor, em 18 de Junho de 1984, pediu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 140.° e 141.° do Código Penal, na redacção dada pelo artigo 1.° da Lei n.° 6/84, bem como a dos artigos 2.° e 3.° deste último diploma, nos moldes seguintes:

I) Questão prévia

1.° Solicitado a pronunciar-se, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, sobre o Decreto n.° 41/III da Assembleia da República, que originou a Lei n.° 6/84, de 11 de Maio, esse Venerando Tribunal Constitucional pronunciou-se, por Acórdão n.° 25/84, (publicado no Diário da República, 2." série, de 4 de Abril de 1984), no sentido da não inconstitucionalidade das normas em causa.

2.° O facto de o Tribunal Constitucional se haver pronunciado preventivamente sobre o projecto não obsta, no entanto, a que, uma vez promulgada e publicada a lei, possa vir a ser solicitada a fiscalização concreta da constitucionalidade dessa mesma lei.

Na verdade, afigura-se, com efeito, que o acórdão inicialmente emitido tem a natureza de mero parecer, nos termos do n.° 1 do artigo 278.° da Constituição da República Portuguesa, nada obstando a que o Tribunal Constitucional, então em termos de fiscalização superveniente, possa de novo apreciar e declarar a inconstitucionalidade com forca obrigatória geral de uma ou mais normas da lei publicada.

II) Constitucionalidade material

1.° Analisando a questão de fundo, conclui-se que o artigo 140." do Código Penal, na forma constante do artigo 1.° da Lei n.° 6/84, de 11 de Maio, viola vários dispositivos da Constituição da República Portuguesa.

2.° Ao despenalizar o aborto terapêutico, o aborto eugénico e o criminológico, o preceito em causa viola, antes de mais, o artigo 24.° da Contituição, porque exclui e ilicitude de uma conduta que se traduz na destruição de uma vida humana, que aquela disposição qualifica como inviolável.

Na verdade, no próprio relatório do acórdão se reconhece que esta disposição constitucional protege toda a vida humana, incluindo a intra--uterina. Cito: «Cremos, porém, que se pode e deve concluir que também essa vida humana intra-uterina está abrangida nesses preceitos e

princípios que lhe subjazem» (n.° vu do acórdão).

3.° Ofende também o preceituado na alínea b) do artigo 9.°, pois, ao invés de garantir um direito fundamental (consignado no artigo 24.°), desrespeita-o.

4.° Também se tem de considerar violado o n.° 2 do artigo 18.°, na medida em que se restringe um direito —o direito à vida—, o qual só poderia ser restringido «nos casos expressamente previstos na Constituição».

5° Ê certo que o mencionado n.° 2 do artigo 18.° permite a restrição de direitos desde que se limite «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou intereses constitucionaJmente protegidos»; mas só no caso do aborto terapêutico, isto é, quando estão em causa a vida da grávida ou a do feto, se enfrenta uma situação de conflito de interesses equiparados.

Nesta hipótese, porém, deverá levantar-se o problema da natureza e da função do direito penal e dos meios que deve utilizar para alcançar os fins que lhe cabe realizar.

Como pertinentemente se põe em evidência no voto de vencido do Ex.1™ Conselheiro Fernandes Afonso (Diário da República, 2.° série, de 4 de Abril de 1984, p. 2993):

[...] o legislador não podia subsumir a interrupção voluntária da gravidez a causa de justificação do facto. Na verdade, tal interrupção, na medida em que representa a eliminação de uma vida humana, a que, obviamente, não pode imputar-se qualquer culpa no surgir do conflito, deve considerar-se ilícita, podendo eventualmente verificar-se apenas, isso sim, a existência de estado de necessidade desculpante, de previsão do artigo 35.° do Código Penai.

Acresce, como se refere ainda, no mesmo voto, «que, considerando que o compromisso deontológico dos médicos lhes confere o direito de praticarem o aborto terapêutico nas condições estabelecidas no seu código deontológico, não se vislumbra a mínima razão de necessidade de es-tatuição de tal causa de exclusão da licitude do aborto».

6.° Faltando por completo no conflito de direitos — quando exista — os requisitos de proporcionalidade, necessidade e adequação que justifiquem a primazia que foi dada à mulher grávida, situação relativamente à qual o douto parecer não deixa de expressar dúvidas «cruciantes», não se vê como possa reconhecer-se como constitucionais as normas em apreciação, visando a protecção de situações meramente eventuais em troca do sacrifício da vida de quem vai nascer.

7.° Nestes termos, tendo em conta os fundamentos doutamente expressos em todos os votos de vencido, e ainda a que Portugal é um Estado de direito democrático, que respeita como valor supremo a dignidade da pessoa humana» (artigo 1.° da Constituição) e se baseia na «garantia dos direitos e liberdades fundamentais» (artigo 2.°), requeiro que esse Venerando Tribunal declare, com força obrigatória geral, a inconstitu-