O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

10 DE ABRIL DE 1985

2593

Recurso da decisão de admissão da proposta de lei n.° 102/M (estabelece o quadro normativo em que empresas publicais, ainda que nacionalizadas, podem dispor de elementos autónomos do seu património e ser transformadas em empresas de economia mista).

Ex."10 Sr. Presidente da Assembleia da República:

Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 134.° do Regimento, interpor recurso da admissão pela Mesa da proposta de lei n.° 102/m.

1 — Culminando uma longa série de atentados, directos e indirectos, contra a garantía constitucional das nacionalizações, a proposta de lei em apreço viola directamente e por várias formas o disposto no artigo 83.° da Constituição, bem como a regra da vedação dos sectores básicos da economia ao capital privado (artigo 85.°, n.° 3), particularmente quando tomados à luz dos princípios fundamentais da organização económica consagrados no artigo 80.° da Constituição da República, nomeadamente os principios da subordinação do poder económico ao poder político e o da apropriação colectiva dos principais meios de produção. A proposta distorce, e inverte mesmo, o sentido próprio da constituição económica, viabilizando antes a reconstituição de grupos financeiros oligárquicos e a sujeição de meios de produção fundamentais (e da própria economia) ao comando e interesses de tais grupos — tudo em infracção dos mais básicos valores da Constituição da República.

2 — Com efeito, a proposta visa:

a) Permitir a reprivatização directa de todos e quaisquer elementos do património de todas-e quaisquer empresas públicas, ainda que nacionalizadas.

A título meramente exemplificativo, a proposta refere concretamente como ficando autorizados toda a espécie de actos de disposição de elementos que, embora objecto de nacionalização, venham a ser considerados:

«Sem relação directa com o seu objecto social», «sem utilidade significativa para o prosseguimento do respectivo objecto social», «de utilidade inferior à dos bens que, por venda ou por troca, venham em sua substituição a integrar o património da empresa» [artigo 1.°, alínea a)];

Substituíveis por outros com «a mesma ou equivalente utilidade», mas passando a ser usufruídos «a título menos oneroso do que o de proprietário» [artigo 1.°, alínea b)].

Assim se viabiliza a selectiva alienação (que pode ser completa, desde que parcela a parcela) do património directamente objecto de nacionalização!

b) Autorizar a propriedade e gestão privadas de empresas directamente nacionalizadas, mesmo em sectores básicos da economia, através da

sua transformação em empresas mistas (denominadas «de maioria de capitais públicos»), com estatuto similar ao das sociedades privadas.

3 — Sendo evidente que as empresas públicas não são insusceptíveis de reestruturação (sendo esta desejável e necessária para a sua preservação, adaptação e realização das finalidades que a Constituição reserva ao sector público); sabendo-se por outro lado que a Constituição admite, a título excepcional e em termos estritos, a própria desnacionalização de pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas, fora dos sectores básicos da economia e desde que os trabalhadores não optem pelo regime de autogestão ou de cooperativa (artigo 83.°, n.° 2); sendo certo que a disposição constitucional relativa à garantia das nacionalizações não foi objecto de qualquer alteração no quadro da revisão constitucional, tendo sido intensamente discutidas, ponderadas e rejeitadas todas as propostas nesse sentido apresentadas, a 'proposta de lei n.° 102/ni infringe por duas vias a garantia constitucional das nacionalizações:

1.° Autorizando a indiscriminada reprivatização, pelas mais diversas formas, de toda a espécie de bens de quaiquer empresas directamente nacionalizadas, de qualquer sector;

2.° Permitindo, nas empresas não alienadas, no todo ou em parte, participação do capita! privado e a sua intervenção na respectiva gestão e fiscalização, qualquer que seja o sector em que actuem (mesmo que vedado ao capital privado). Surge desprovida de qualquer alcance útil (salvo a ironia!) a referência do artigo 2°, n.° 1, alínea a), ao facto de a transformação não poder implicar «a reprivatização do património directamente nacionalizado»...

Acresce que se visa, de forma revanchista, que sejam os próprios ex-monopolistas a assumir a propriedade, gestão e fiscalização das empresas cuja nacionalização visou precisamente subtraí-las à lógica da intervenção e direcção pelos ex-grupos monopolistas.

A proposta prevê que venha a ser conferido, caso a caso, de forma selectiva, variável, arbitrária (artigo 5.°), direito de preferência na substituição do capital nas empresas públicas aos ex-titulares de capital de empresas objecto de nacionalização «até à concorrência do respectivo valor nominal» (artigo 5.°, n.° 1), bem como a «aceitação de títulos de indemnização emergente de actos de nacionalização em pagamento de elementos patrimoniais nacionalizados» (irreprivativáveis!) a alienar inconstitucionalmente nos termos do artigo 2° da proposta (artigo 5.°, n.° 2).

4 — A proposta governamental, além de implícita e expressamente rever a lei de bases das empresas públicas em violação do quadro constitucional aplicável, consagra uma nova alteração inconstitucional da chamada lei de delimitação de sectores, escassos meses após a sua revisão. Pretende-se assim viabilizar a frustração completa da proibição de acesso do do capital privado às actividades ainda vedadas pelos artigos 4.° e 5.° da legislação aplicável, esvaziando de conteúdo o disposto no artigo 85.°, n.° 3, da Constituição.