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II SÉRIE — NÚMERO 31

de assistência judiciária e patrocínio oficioso, em que se registam clamorosas e muito chocantes carências). Ütil e bastante para provar a possibilidade de agir (começando pelo começo), tal acção não dispensa, como é bom de ver, um adequado enquadramento legal, não para espartilhar os esforços necessários, fechando a natural evolução, mas antes para mobilizar, clarificar, alargar e estabelecer o mais amplo consenso possível em tomo de uma política de acesso ao direito que dê cumprimento ao disposto no artigo 20.° da Constituição.

Cabendo à Assembleia da República um papel fulcral na definição dessa política, estranho seria, e certamente redutor, adiar por mais tempo o início do processo tendente à delimitação de um adequado quadro legal, de cuja criação a AR não poderia, de resto, ser arredada, dadas as suas insubstituíveis competências.

Acresce, porém, que a elaboração de tal legislação foi considerada condição fundamental para a aplicação do novo Código de Processo Penal, devendo a entrada em vigor dos dois instrumentos ter lugar simultaneamente, consoante prevê o artigo 6.°, alínea e), da Lei n.° 43/86, de 26 de Setembro.

Mas, ainda que assim não fosse, sempre seria indispensável proceder à alteração do regime em vigor, de tal forma se agravaram nos últimos meses os factores de bloqueamento do sistema de nomeação de advogados para o exercício do patrocínio oficioso. Nas comarcas mais atingidas pelas repercussões judiciais da crise económica o vendaval das «oficiosas» assola os escritórios dos advogados; perante cada vez mais incomportáveis exigências, aumenta o número de profissionais do foro que exercem o direito de escusa; sucessivamente rejeitados e forçados a infernais peregrinações, os candidatos à assistência quando acabam por obter apoio é cada vez mais com carácter tardio e demasiadas vezes superficial e ineficaz.

Tudo isto sucede quando grassa o desemprego e o subemprego entre os jovens licenciados e os jovens advogados, convertidos, pela força das coisas e défice de concorrência, em depositários por excelência das «oficiosas» enviadas pelos tribunais, sem que disponham, todavia, de justa remuneração, enquadramento, condições de trabalho e incentivos. Transformados em servidores do Estado, dir-se-ia que prestam trabalhos forçados, e a verdade é que, carregando às costas obrigações que são, afinal, do Estado, acabam por ser eles a pagar indebitamente uma (justa) promessa constitucional, cujo cumprimento deve ser assegurado pelos órgãos de soberania.

Não pode ignorar-se, por outro lado, que a instituição de gabinetes de consulta jurídica, gratuita para os cidadãos, remunerada (como é justo) para os advogados intervenientes, veio tornar ainda mais absurdo que se exija dos demais advogados a prestação gratuita de patrocínio oficioso. A existência de tabelas de honorários para a consulta jurídica (facto que sucede pela primeira vez na história das profissões jurídicas) vem realçar a injustiça da verdadeira tabela de custos sem contrapartida, que nada legitima continue a ser imposta à generalidade dos advogados.

A expansão do sistema e o alargamento das suas prestações são, pois, imprescindíveis, tanto mais que o acréscimo de informação proporcionado pela instituição de gabinetes de consulta tenderá a provocar — o que é saudável — o aumento do recurso ao patrocínio. Seria grave que (bem) informados sobre os

seus direitos os cidadãos se vissem impossibilitados de os fazer valer na sede própria por défice de apoio qualificado.

A verdade é que, mais de doze anos decorridos sobre o 25 de Abril, o direito de acesso ao direito é ainda para milhões de portugueses um dos direitos mais ignorados, sinal inequívoco do fosso entre a ampla consagração constitucional dos direitos fundamentais e a sua realização prática.

Num país em que a fome é realidade para demasiados cidadãos e o salário falta impunemente a milhares de homens e mulheres que por ele trabalham haver ainda direitos por descobrir quase surpreende quem se defronta com uma dramática falta de meios quando quer defender os poucos direitos que conhece. É, porém, o que decorre do actual quadro legal. Todos reconhecem que o sistema de assistência judiciária e defesa oficiosa em processo penal ainda vigente é insofismavelmente lacunoso, incompleto e substancialmente ineficaz, assente todo ele na retrógrada concepção segundo a qual os advogados devem prestar, a título gratuito ou com muito problemática remuneração, os serviços jurídicos de que carecem os cidadãos que não os possam pagar. Sendo impensável levar à prática a imposição ficcionada pela lei, poupa-se a certos advogados o peso de uma injustiça ao preço enorme de a suportarem cada vez mais os cidadãos que a lei manda proteger. Ê uma situação abertamente contrária à Constituição, cujo agravamento importa, a todo o custo, evitar.

Com efeito, na sua redacção actual, o artigo 20.° da Constituição da República estabelece, sob a epígrafe «Acesso ao direito e aos tribunais»:

1 — Todos têm o direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei.

2 — A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Ao consagrar inequivocamente o direito à informação e protecção jurídicas, a Lei Constitucional n.° 1/ 82, de 30 de Setembro, veio colmatar, por votação unânime, uma das lacunas mais importantes da Constituição no tocante ao elenco dos direitos fundamentais.

O artigo 20.° da Constituição representa, simultaneamente, uma importante garantia da igualdade dos cidadãos e uma expressão basilar do princípio democrático, a tal ponto que bem pode dizer-se que o Estado de direito democrático estará por realizar enquanto existirem direitos definidos na lei sem que a maior parte dos cidadãos possa exercê-los ou ter sequer consciência deles.

Ê o que hoje sucede e é esta situação que há que alterar, garantindo a informação, a consulta jurídica e o patrocínio. A actual situação resulta, porém, de múltiplas causas da mais variada natureza. Muitas delas decorrem de situações imediatamente transformáveis, outras de realidades económicas, sociais e culturais, e exigem mudanças e curas profundas, que nenhuma lei pode, só por si, facultar. Outras ainda prendem-se directamente com a organização e funcionamento da Administração Pública e, em particular, do sistema da justiça, cuja situação de quase ruptura exige que não se adie por mais tempo a tão adiada