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II SÉRIE — NÚMERO 31

ser alcançado com uma clara efectivação das responsabilidades do Estado neste domínio, como acaba de demonstrar-se exuberantemente com a assinatura e entrada em vigor do convénio a que já se fez referência.

b) Constituem, por outro lado, importantes contributos para o labor a realizar pela Assembleia da República os documentos resultantes do trabalho da 1." Comissão, que em 1977 foi incumbida de apresentar um esboço de diploma reestruturador da assistência judiciária, e da Comissão de Acesso ao Direito, constituída pelo Despacho n.° 22/78 do Ministro da Justiça (Diário da República, 2.a série, de 14 de Outubro de 1978), que viria a apresentar em Junho de 1980 o seu relatório e um anteprojecto de articulado tendente a regulamentar, «no tocante ao patrocínio e à assistência judiciária e extrajudiciária, a intervenção dos advogados e dos solicitadores, prevendo as alterações reputadas necessárias à legislação em vigor».

Reconhecendo como «defeituoso» o sistema de assistência judiciária e de defesa oficiosa em processo penal, por assentar «exclusivamente na actividade raramente remunerada do advogado ou do solicitador, em escalas que são deficientemetne organizadas, em nomeações feitas no próprio acto em que vai exercer-se a defesa penal nos processos de menos formalismo [...]», a Comissão de Acesso ao Direito concebeu um sistema baseado na inscrição voluntária dos profissionais do foro, que acudiriam às necessidades dos cidadãos em matéria de consulta e patrocínio, mediante uma justa remuneração, constante de tabelas de honorários contendo valores máximos e mínimos para os diversos tipos de serviço prestados (excepto os de consulta jurídica, remunerados sempre por verbas fixas, dentro de certos limites). O anteprojecto atribuía ao Ministério Público papel de relevo na concessão e controle dos serviços instituídos. O esquema proposto exprimia, nos seus traços fundamentais, a preocupação fulcral de não estabelecer vínculos remuneratórios directos com os profissionais do foro chamados a exercer tarefas de protecção jurídica. Não se punha em dúvida, porém, a necessidade de financiamento, direcção e controle públicos do sistema, considerando-se, «além de injusto, altamente desmobilizador» o sistema ainda vigente «de fazer recair sobre o advogado —e também sobre o solicitador— o encargo de prestar gratuitamente aos cidadãos da comunidade em que estão inseridos os serviços jurídicos de que eles carecem, sejam de assistência judiciária, de consulta jurídica ou de patrocínio oficioso ero processo penal [...] que envolve dispêndio de tempo, de energia e até de dinheiro.

Não está certo — concluía-se — que tudo isto repouse sobre os ombros de uma só classe profissional. Bastará pensar no que hoje representa, em termos de encargos salariais, previdência, imposto profissional, transportes, equipamento, etc, ter um escritório aberto a clientes.»

?ór isso mesmo, embora prevendo a criação de «gabinetes de consulta jurídica nos aglomerados urbanos em que tal se mostre conveniente», o anteprojecto excluía a remuneração directa pelo Estado dos advogados que cumprissem funções forenses no sistema proposto e não previa que, pelo menos, alguns o fizessem a tempo inteiro e em regime de dedicação exclusiva. Afastando expressamente «a ideia do advogado funcionário público», a Comissão pretendia expressa-

mente conjurar riscos de «massificação ou burocratização da actividade forense».

c) A questão foi amplamente debatida no quadro da revisão constitucional, por iniciativa do PCP —que propôs a consagração inequívoca do direito à informação e protecção jurídica — e também dos partidos da então FRS, cujo projecto de revisão constitucional remetia para a lei a instituição e generalização progressiva da figura do patrono público. Resumindo de algum modo as conclusões do debate então travado, pôde sublinhar-se na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional:

Penso que todos nós reconhecemos que a afirmação generalizada de que a ignorância da lei a ninguém aproveita é um princípio necessário, mas brutal, sobretudo porque desfavorece os mais humildes, os mais ignorantes, aqueles que têm a mais difícil percepção das leis e dos princípios a que devem obediência.

Ora, a nossa ideia é a de que o direito se deve tornar acessível a todas as pessoas e que a informação jurídica deve ser uma obrigação do Estado, e penso que sobre isto estamos todos de acordo. Não há aqui nenhuma má intenção, a ideia é esta: vamos transformar o direito acessível a todos aqueles que estão obrigados a ele para que cada um saiba aquilo a que deve obediência e aquilo a que não a deve e, essencialmente, para que o direito não seja um privilégio de alguns, que se defendem, conhecendo-o, enquanto outros caem nas esparrelas, ignorando-o [...].

A ideia do patrono é mais discutível, e eu reconheço isso, mas peço-lhes desde já que admitam que na base desta expressão não está nenhum propósito de fazer um serviço nacional de justiça, porque, se assim fosse, eu diria então que o serviço nacional de justiça já existia ao nível do Ministério Público.

O que nunca percebi é por que é que o Estado chama a si com tanto empenho o problema da acusação pública e com tão pouco empenho o problema da defesa daqueles que não têm possibilidades de se defender. Todos nós sabemos a vergonha que é o defensor oficioso. Muitos de nós fomos advogados e sabemos que mesmo os mais honestos de nós punham um empenho e uma seriedade muito relativa nas defesas oficiosas.

Devo dizer que não tenho um grande peso na consciência sobre isso porque durante muito tempo fiz defesas oficiosas. Lá mandava copiar o pro-cessinho, lia-o na véspera e fazia a minha contestação. Mas, se é verdade que, relativamente a muitos outros colegas que não ligavam importância nenhuma às defesas oficiosas, eu posso ter o mérito de ter ligado alguma, tenho também de reconhecer que não lhes liguei a mesma importância que aos processos em que era pago. Reconheço isso publicamente, não tenho a menor dúvida em fazê-lo, mas doeu-me sempre que aqueles que'não têm dinheiro para pagar um bom defensor não tivessem sequer um mau, porque, na realidade, aquilo não era um defensor, mas uma fantochada, uma vergonha. Aliás, uma das nódoas dos nossos tribunais é o chamado «defensor oficioso».