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11 DE JUNHO DE 1988

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adequação constitucional dos seus limites próprios, sejam eles substanciais, formais, subjectivos e temporais [...], outro tanto não poderá já dizer-se no que respeita ao aferimento constitucional de preceitos que não têm, por via de regra, a função de produzir efeitos externos imediatos.

Concordei plenamente com a impostação, em tais termos, deste problema. Na realidade, e a uma primeira análise, bem se poderia pensar que o confronto com a Constituição dos preceitos das leis de autorização legislativa sem imediata acção na ordem jurídica substantiva envolveria como que uma simples inconstitucionalidade virtual e, por isso mesmo, insusceptível de controle por parte do T. Const.

No entanto, no seu desenvolvimento posterior, o acórdão não se debruça especificamente sobre este problema, mas sobre um outro, qual seja o de saber se «as normas de uma lei de autorização legislativa detêm a natureza e a qualidade de normas, nomeadamente para os fins previstos no artigo 278.° da Constituição. Assim, e na minha perspectiva, o T. Const. «saltou» sobre um problema que ele próprio colocara.

Cheguei a propor que tal questão fosse directamente abordada e resolvida, mas a minha proposta não mereceu acolhimento. Por isso, e na sequência desse posicionamento, não posso deixar agora, e em breves palavras, de dizer qual deveria ser, em minha opinião, a solução para ela.

2 — É exacto que as normas das leis de autorização legislativa não interferem imediatamente com a ordem jurídica material. Essa interferência processa-se apenas imediatamente, isto é, através dos decretos-leis autorizados.

No entanto, não menos exacto é que a lei de autorização legislativa, estando obrigada — artigo 168.°, n.° 2 , da Constituição — a definir o objecto, o sentido e a extensão da autorização, necessariamente acaba por ser a imagem radicalmente simplificada do decreto--lei autorizado, que, por isso mesmo, e nas suas linhas essenciais, logo prefigura. Em tal medida, as normas da lei de autorização legislativa contêm em si princípios, regras e parâmetros que vão consequenciar, e em termos decisivos, a legislação dela derivada.

Nestas circunstâncias, e considerando muito em particular a evidente eficácia material, ainda que condicionada, das normas da lei de autorização em que se contenha, embora em escala reduzida, o modelo do futuro decreto-lei, entendi, ainda, que o T. Const., nos termos da Constituição (artigos 277.°, 278.° e 281.°), não podia deixar de ser competente para conhecer da constitucionalidade de tais normas. É que, tudo isto considerado, o seu confronto com a CRP não será nunca meramente virtual. Seria, aliás, absurdo dar outra solução ao caso: por um lado, porque a Constituição não estabelece quaisquer limitações neste domínio à competência do Tribunal e, por outro lado, porque só assim será possível travar de imediato o passo a uma lei de autorização legislativa que não respeite, àquele nível, a lei fundamental e evitar, deste modo, que o vicio de inconstitucionalidade se propague da lei autorizante ao decreto-lei autorizado.

Segundo ponto

3 — Divergindo aqui do acórdão, seja ao nível argumentativo, seja ao nível conclusivo, entendi — e nesse sentido votei — que a norma do artigo 2.°, alínea a),

do Decreto n.° 81/V da Assembleia da República não violava o artigo 53.° da Constituição.

E entendi também que tal norma não infringia ainda o artigo 59.°, n.° 1, da Constituição, preceito igualmente referido pelo Presidente da República como violado (no acórdão, note-se, não se considerou, ao menos declaradamente, esta eventual situação infraccional).

Em tal aresto, saliente-se este aspecto antes de qualquer outro, julgou-se inconstitucional a norma do artigo 2.°, alínea a), do diploma em análise fundamentalmente por se haver considerado que os motivos de despedimento nela elencados, todos de ordem objectiva, não eram susceptíveis de preencher, na moldura do artigo 53.° da Constituição, o conceito constitucional de justa causa de despedimento.

Por razões históricas, partiu-se do princípio de que para o artigo 53.°, a justa causa, do mesmo passo que pressupunha um comportamento culposo e censurável do trabalhador (critério subjectivo de justa causa), repudiava abertamente quaisquer outros motivos atendíveis baseados em razões puramente externas (critério objectivo de justa causa). No entanto, esclareça-se desde já este lado da questão, tive por inaceitável a linha dedutiva que, arrancando de dados da nossa história jurídica mais recente, acabou por chegar a tal conclusão. A meu ver, a inferência a tirar de tal análise histórica deveria ter sido outra, de sentido, aliás, diametralmente oposto. É o que de seguida se vai procurar demonstrar.

4 — Na Lei n.° 1952, de 10 de Março de 1937, diploma que regulamentou, de forma autónoma e sistemática, e pela primeira vez em Portugal, o contrato de trabalho, adoptou-se um conceito amplo de justa causa (cf. artigos 11.° e 12.°): tanto eram justa causa de despedimento motivos subjectivos (ligados a condutas culposas do trabalhador) como motivos objectivos (radicados em circunstâncias alheias à vontade do trabalhador). Ponto era que, num caso como noutro, o facto invocado pelo empregador para a rescisão unilateral do contrato de trabalho fosse de tal modo grave que tornasse impossível a subsistência da relação laboral.

Esta noção ampla de justa causa, que conjugava um duplo critério (subjectivo e objectivo), manteve-se quer no Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Março de 1966 (cf. artigos 98.° e 99.°), quer no Decreto-Lei n.° 49 408, de 21 de Novembro de 1969 (cf. artigos 101.° e 102.°), diplomas que sucessivamente implementaram novos regimes jurídicos do contrato individual de trabalho.

Note-se, de certo modo entre parêntesis, que no acórdão — e essa é apenas uma das várias incorrecções históricas de que padece — se assinala, a propósito da definição de justa causa por parte do Decreto-Lei n.° 49 408, o seguinte:

Simplesmente, e apesar de a noção de justa causa da Lei n.° 1952 haver sido mantida, o certo é que se excluíram do seu âmbito as causas objectivas, reduzindo-se assim a justa causa de despedimento a factos ou circunstâncias graves da esfera do trabalhador (cf. artigos 102.°, 111.0 e 114.°) e, de entre estas, apenas restando uma como susceptível de se considerar sem natureza disciplinar [a manifesta inaptidão do trabalhador para as funções ajustadas, referida na alínea a) do artigo 102.°].