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II SÉRIE-A — NÚMERO 238

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facilitem o acesso aos cuidados de saúde primários recorrendo a médicos que não são especialistas»2. Esta

possibilidade já estaria acautelada na Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, no artigo 206.º3, indicando a possibilidade

de «a título excecional, celebrar contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto, ou

contratos de trabalho a termo resolutivo incerto, consoante o caso, na proporção de um médico por cada 1900

utentes sem médico de família, incluindo os que a ele não tenham direito por sua própria opção, com médicos

habilitados ao exercício autónomo da profissão, aos quais compete assegurar consulta médica, especialmente

em caso de doença aguda, aos utentes inscritos numa lista pela qual ficam responsáveis».

Porém, vários especialistas têm referido que a possibilidade de médicos indiferenciados4 prestarem serviços

de medicina geral e familiar pode trazer uma série de problemas, nomeadamente, maior risco de diagnósticos

imprecisos, tratamentos inadequados e acompanhamento deficiente aos utentes, isto, porque a medicina geral

e familiar baseia-se sobretudo em estabelecer um relacionamento de longo prazo com os utentes, que permite,

pela sua continuidade, um conhecimento aprofundado da história clínica, dos contextos sociais e familiares, e

das necessidades específicas de cada utente. Importa também referir que a relação de confiança entre médico

e utente é essencial na prática desta especialidade.

Sem desvalorizar o exercício dos médicos sem especialidade, que, em teoria, será preferível um utente ter

uma consulta com estes profissionais do que não a ter de todo, questiona-se se a perpetuação desta

possibilidade condicionará impulsos à criação de medidas estruturais que, efetivamente, resolvam o problema

da falta de especialistas de MGF no SNS.

O parecer5 da Ordem dos Médicos relativamente à contratação de médicos sem especialidade para substituir

os especialistas de MGF no SNS é claro:

• «[…] Esta medida, que desvaloriza a especialidade de MGF, constitui um retrocesso civilizacional, um

destroçar de 40 anos de evolução na qualidade dos cuidados de saúde primários, colocando em causa um

direito fundamental que está proclamado na Constituição da República e na Carta dos Direitos Humanos.

• Existem alternativas construtivas para assegurar médico de família a todos os portugueses. Na verdade,

Portugal forma cerca de 500 especialistas de MGF por ano, e tem fora do SNS cerca de 1400 especialistas

de MGF […].

• Se o Governo estivesse a conseguir captar 80% dos jovens especialistas formados anualmente em

Portugal não tinha falta de médicos de família no SNS.

• Não queremos ter em Portugal doentes / cidadãos de primeira e segunda categoria. Uns têm direito a

médico de família especialista em MGF e outros não […]».

Esta realidade ressalta a urgência em adotarmos medidas que revertam este cenário preocupante. É

fundamental promover a formação de mais profissionais em medicina geral e familiar, incentivando o aumento

de vagas preenchidas, bem como investir em bolsas de estudo e programas de incentivos financeiros, a fim de

atrair e reter mais especialistas nesta área no SNS.

Outra estratégia importante a considerar será a expansão de programas de formação complementares para

outros profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, farmacêuticos e secretários clínicos. Ao

capacitarmos estes profissionais para auxiliarem nos cuidados e serviços de saúde primários, alivia-se a carga

de trabalho não clínico sobre médicos de MGF e melhora-se o acesso aos serviços numa abordagem

interprofissional mais eficiente.

Acresce referir que é crucial investir na utilização de tecnologias de saúde, como a telemedicina, de forma a

otimizar a prestação de cuidados de saúde primários, e assim permitir o acompanhamento remoto dos utentes,

reduzir a necessidade de deslocações desnecessárias e agilizar o processo de atendimento, aliviando assim a

pressão sobre os médicos de MGF.

Destaca-se ainda a relevância dos cuidados primários também ao nível do contexto económico, tanto para

2 Cf. Médicos indiferenciados nos Centros de Saúde não terão lista de utentes – Observador 3 Cf. Lei n.º 12/2022, de 27 de junho — DRE 4 Cf. Médicos sem especialização: o futuro da saúde em risco – Observador 5 Cf. Fórum Médico considera «inaceitável» substituir médicos de família por médicos sem especialidade – Ordem dos Médicos (ordemdosmedicos.pt)