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20 DE OUTUBRO DE 1988 1461

O preceito do PCP apenas esclarece uma situação que é hoje a que resulta da ausência de disposição constitucional sobre a matéria, excepto porventura em relação a um ponto que é o único que pretendo referir neste momento: a possibilidade de fixação dos efeitos, no que respeita designadamente à utilização para a fiscalização abstracta de ilegalidades de uma norma do tipo da do n.° 4 do artigo 282.° Aí é que já posso admitir que a cobertura constitucional possa ser, talvez não indispensável, mas particularmente útil, pelo menos em relação a certos casos de ilegalidade.

O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 208.°, há apenas duas propostas apresentadas: uma do CDS e outra do PSD. A proposta do PSD acrescenta à referência à lei, como valor a que estão sujeitos os tribunais, uma referência ao direito. Gostaria que o PSD justificasse esta proposta, que me parece portadora de alguma perplexidade.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - O PSD propõe, em sede do artigo 208.°, o aditamento do inciso "e ao direito". Pretende-se que, para além da lei positiva, sejam considerados os chamados valores materiais do direito. Trata-se, portanto, de um apelo a um princípio ético-jurídico.

Para nós o termo "lei" parece envolver tão-só um certo positivismo, isto é, a norma parece ter uma feição normativista, ou mesmo literalista, e pretendemos clarificar o seu sentido. Assim, tomamos a expressão "direito" num sentido objectivo, levando em conta os valores que decorrem da chamada consciência ético-jurídica da comunidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, estou à vontade para falar neste tema porque nunca me considerei um positivista, embora admita que haja pessoas que me possam considerar como tal. Só que a minha visão do direito é efectivamente bastante mais ampla do que a do restrito âmbito da lei, no seu sentido positivado.

No entanto, não posso deixar de chamar a atenção do PSD, autor desta proposta, para os riscos que comportaria a sua inserção em sede de Constituição. Na verdade, se todos nos podemos entender, tant bien que mal, sobre o conteúdo, o sentido, o âmbito de um normativo positivado, pergunto: onde iríamos parar se, a propósito de cada decisão ou de cada thema decidendi, tivéssemos de recorrer a esse "direito"? O que seria tal "direito"? Os princípios gerais de direito? A natureza das coisas? O direito natural clássico? Quem diz o que é isso? Como o diz? Como é que se encontra esse "direito"?

O facto de colocar estas questões não significa que cada um de nós, na sua visão do jurídico, não possa englobar esse "direito" que está para além da lei, ou que é superior à lei, ou no qual a lei se banha - como dizia o filósofo. Isto não invalida, porém, que a posição do intérprete não possa, nesta matéria, ser imposta a outros intérpretes, com a mesma legitimidade com que podem interpretar esse tal "direito", mesmo à luz dos princípios gerais de direito ou da tal natureza das

coisas. Consoante a teoria que defendêssemos para encontrar esse "direito", tudo isso daria lugar a uma extrema situação de instabilidade, que não é compaginável sobretudo com sistemas jurídicos como o nosso, em que a jurisprudência não tem de modo nenhum a segurança e a tradição que tem noutros sistemas, como é o caso do sistema alemão, para já não falar do sistema inglês. Correríamos efectivamente o perigo de lançar a instabilidade máxima no sistema jurídico português se consagrássemos na Constituição aquilo com que eu, a título pessoal (mas não o reivindico para a Constituição), me identifico plenamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, se bem me recordo, isto é retirado da Grundgesetz.

O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na primeira revisão constitucional a questão foi veementemente discutida, culminando numa feliz rejeição.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não posso deixar de dizer que, pessoalmente, até não serei hostil a isto, embora não seja jusnaturalista.

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Continuo a crer, se quiserem pôr isto em termos muito simples, que na prática do direito há certos postulados que ultrapassam sempre as fontes de direito existentes; há certos postulados que o julgador adopta -porventura a própria questão da submissão do julgador ao direito é uma questão dessa natureza- e sobre os quais, normalmente, não se interroga. Não há possibilidade, no quadro de um sistema jurídico, de definir as relações, por exemplo, entre costume e lei, porque sempre se poderá questionar o que quer que a Constituição diga sobre, por hipótese, o costume, no caso, por exemplo, de se entender o actual artigo 208.° da Constituição no sentido de que é uma exclusão da relevância do costume como fonte de direito. É a velha questão que se põe no 1.° ano de Direito. Obviamente pode perguntar-se se isto não é apenas a perspectiva da Constituição sobre outra fonte.

Nesse aspecto, embora eu não seja jusnaturalista - que não sou -, reconheço que existem de facto problemas metajurídicos, que têm de ser resolvidos pelo julgador ou por quem decide (designadamente, outro problema, o da opção entre o direito pré-revolucionário ou o direito revolucionário, nos dias da Revolução), que se ligam com problemas últimos de fidelidade - e é por isso que as Constituições são juradas. Consequentemente, não deixo de ter alguma simpatia por fórmulas desta natureza, embora apenas no sentido de que um tipo de fonte, que é a Constituição, está a admitir a fórmula indefinida de que outros tipos de fonte funcionam.