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1462 II SÉRIE - NÚMERO 47-RC

No entanto, receio que, colocada a questão num plano político, isto introduza em certas zonas de consenso jurídico estabelecido uma margem de instabilidade grave. E sabe-se, aliás, as dezenas de livros, as centenas de artigos que na Alemanha se têm escrito em torno desse princípio...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E cá!

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - E cá...

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Admito que a actual fórmula tenha uma expressão excessivamente legalista, no sentido de que a Constituição parece não reconhecer a possibilidade de outra qualquer fonte nem de legitimar qualquer outra fonte que não seja a lei. Contudo, temo que a referência à lei e ao direito introduza instabilidade, porque nesta coisa dos postulados práticos o que, no fundo, é necessário - embora me custe dizê-lo - é a ausência de crítica e de problematicidade, sendo de alguma sorte preciso que os agentes jurídicos não tenham bem consciência de que estão a supor postulados. Inclusivamente, receio que isto introduza alguma confusão que não adiante muito àquilo que no plano dos postulados hoje se pode dizer...

O Sr. Presidente: = Só alguma...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Alguma?... Muita... Não me repugnaria, por exemplo, que se substituísse "estão sujeitos à lei"...

O Sr. Presidente: - Isto é um pandemónio, verdadeiramente.

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - ... por "estão sujeitos às normas jurídicas".

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não me repugnaria qualquer coisa deste género, mas tenho sempre receio de mexer em artigos já formulados e relativamente aos quais não existe uma razão decisiva para lhes tocar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por um lado, não subsistem dúvidas sobre o facto de que, quando a Constituição alude, no artigo 208.°, à lei, não se está a referir à lei mas ao conjunto de normas jurídicas, qualquer que seja a sua forma de produção e revelação, e portanto, desde logo, à própria Constituição como tal.

A reiterada insistência em alterar o conjunto de disposições sobre o valor conformador da lei neste sentido, por parte do PSD (em 1982 essa proposta foi apresentada e desde então a questão tem sido debatida), revela uma preocupação que, neste momento, é para nós ainda mais merecedora de critica. Se o PSD tem

revelado nos últimos tempos, designadamente na sequência de recentes decisões jurisprudenciais, uma postura de reclamação da dissolução da Constituição, substituindo-a pela vontade dos titulares adventícios dos órgãos do poder num determinado momento, se revela em relação à própria força normativa da Constituição uma atitude cifrada na exaltação da "força normativa dos factos", numa tentativa de ultrapassagem de regras e mecanismos de controle (refiro-me naturalmente ao inesquecível discurso do Primeiro-Ministro perante as câmaras da RTP, que são, pelos vistos, o sítio mais inspirador para a teoria jurídico-normativa do Governo e do Primeiro-Ministro em particular), a inserção no artigo 208.° de uma alusão ao direito como tal seria nefastíssima. Dado o parecer seguramente ponderoso, forte e incisivo dos "eminentes juristas" que sempre acompanham o Primeiro-Ministro em corpo ou em espírito, as consequências poderiam ser verdadeiramente devastadoras, introduzindo já não apenas riscos de dissolução das leis, mas de dissolução da Constituição e das leis, e da Constiuição como lei das leis.

A explicação que o Sr. Deputado Pais de Sousa aqui nos trouxe é ela própria a corroboração mais tonitruante e completa disto mesmo, na medida em que verteu para a acta um tal conjunto de conceitos que, seguramente, nós poderemos pensar que não mediu as fontes (seguramente mediu as palavras, mas não as fontes). Porque esses apelos à difusa "consciência jurídica da comunidade", oponível à lei...

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foram essas as palavras que o Sr. Deputado Pais de Sousa utilizou: "a consciência jurídica da comunidade".

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - "Oponível à lei", não...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado, se não é "oponível à lei", para que é que serve? A Constituição estabelece a sujeição à lei e V. Exa. estabelece a sujeição à consciência jurídica da comunidade. Se a "consciência jurídica da comunidade" é idêntica à lei, a questão não se coloca, a questão só se coloca quando a "consciência jurídica da comunidade" é contrária à lei. Em caso de conflito entre a "consciência jurídica da comunidade" e a lei, diga-me V. Exa.: por onde é que se sai? Como a "consciência jurídica da comunidade" há-de ser vertida através da hermenêutica feita pelo magistrado, e como o magistrado há-de, para isso, optar entre a subordinação à lei ou a subordinação à "consciência jurídica da comunidade", é evidente que a única hipótese relevante é a hipótese de conflito. Como é que V. Exa. sai na hipótese de conflito? Se sai pela prevalência da lei, a sua proposta é inútil, se sai pela prevalência da "consciência jurídica da comunidade", a sua proposta fere a minha consciência jurídica, em termos jurídico-constitucionais! É verdadeiramente perigosa, na medida em que dissolve a lei, dissolve o Estado de direito democrático numa das suas vertentes fundamentais. Schmitt resolveu esse problema, mas V. Exa. seguramente não seguirá o caminho de Schmitt quanto à forma de resolver esse