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1472 II SÉRIE - NÚMERO 47-RC

deste mecanismo de efectivação da responsabilidade política do Governo com a característica semipresiden-cial do sistema de governo vigente, na medida em que quer na República Federal da Alemanha quer em Espanha o mecanismo vigora em sistemas de parlamentarismo racionalizado. Com efeito, há que reconhecer que não encontramos a moção de censura construtiva em nenhum outro país onde é comummente aceite pela doutrina existirem regimes de matriz semipresidencial. Se quisermos ir até mais longe, a origem histórica da moção de censura construtiva surge por antonomásia ao próprio regime semipresidencial vigente na República de Weimar.

A moção de censura construtiva participa dos condicionalismos a que se encontra sujeita qualquer fórmula de censura ao Governo, digamos para simplificar "não construtiva" nos sistemas de base parlamentar, sejam os sistemas de parlamentarismo racionalizado, sejam sistemas semipresidenciais.

A noção de responsabilidade política é característica dos regimes políticos de base parlamentar. Num modelo teórico, a efectivação da responsabilidade política visa sublinhar essencialmente a inadequação da acção do Governo face à orientação política global do Estado, expressa pela população nas eleições e plasmada numa dada composição concreta do Parlamento. Daí decorrerá, caso a crítica da acção governativa mereça vencimento em sede parlamentar, a ruptura da relação de confiança entre o Parlamento e o Governo e a demissão do Executivo.

O modelo clássico da censura votada nos parlamentos aos governos tem de ser forçosamente relativizado pela afirmação do chamado parlamentarismo maioritário. O Parlamento é, na verdade, a expressão da vontade da maioria, tendendo naturalmente a maioria que apoia o governo a desvitalizar os mecanismos de controle parlamentar da acção do governo, e só em casos-limite, designadamente em casos de ruptura das coligações de apoio a um governo, ou até de ruptura dentro de um partido de governo, poderá recorrer ao mecanismo da censura, construtiva ou não construtiva, para provocar a queda de um governo. Neste contexto, no parlamentarismo maioritário, o controle parlamentar sobre a acção do governo resulta essencialmente, por um lado, do controle exercido pela própria maioria parlamentar de apoio ao governo, que é um controle interno e que, naturalmente, não se exprime por mecanismos e institutos de controle constitucionalmente consagrados, e, por outro lado, do controle da oposição, que se socorre dos mecanismos constitucionais e regimentais que lhe são facultados, cuja finalidade essencial é a divulgação pública das críticas que a oposição faz ao governo através de interpelações, de sessões de perguntas ao governo, de comissões parlamentares de inquérito, sem que as oposições minoritárias possam, no exercício do seu direito de oposição, ter a expectativa real de conferirem à sua actuação uma sequência sancionatória que provoque o derrube do Governo. O parlamentarismo maioritário, em todos os quadrantes geopolíticos, tem, de facto, limitado substancialmente o recurso ao uso das moções de censura em geral e ainda mais raros são os casos em que a moção de censura tem vencimento, até porque, no plano dos textos constitucionais, é generalizada a exigência de maiorias absolutas para aprovação das moções de censura, o que, à partida, dificulta a vitória das intenções censurastes, que só são realmente efectiváveis perante governos minoritários ou em caso de coligações maioritárias em rotura interna. E mesmo neste último caso, frequentemente visa-se sobretudo abrir espaço em última instância para a própria dissolução do parlamento.

Face a este panorama, são dois os argumentos que, tradicionalmente, são avançados para defender a moção de censura construtiva: por um lado, o da garantia e reforço da estabilidade governativa e, por outro lado, o da desarticulação ou desautorização, em sede constitucional, de crises artificiais, fundadas em maiorias meramente negativas que põem em causa a estabilidade governativa.

Ora, o valor da estabilidade governativa é uma preocupação central das sociedades modernas, designadamente em regime de sistema plur i partidário, sem partido dominante, como é, em meu entender, o sistema partidário português. De facto, o resultado das eleições de 19 de Julho de 1987, que assenta em grande parte numa dinâmica de voto útil e na hipervalorização, pelo conjunto do eleitorado, do valor da estabilidade governativa não altera a matriz essencial do sistema de governo, que continua a ser um sistema pluripartidário sem que um só partido possa, em termos duradouros, aspirar ao usufruto de uma maioria parlamentar estável. Em qualquer sistema parlamentar a estabilidade governativa assegura-se, normalmente, através de soluções de governo com apoio parlamentar maioritário, sejam elas monopartidárias ou sejam elas de coligação interpartidária. Â flexibilidade eleitoral verificada em Outubro de 1985 e Julho de 1987 demonstra que o sistema partidário português pode encerrar em si mesmo virtualidades de garantir a alternância de maiorias monopartidárias polarizadas entre partidos que disputem o centro político (os dois maiores partidos da sociedade portuguesa), mas sempre na base da capitalização do voto útil. Esse é, naturalmente, o objectivo fundamental da luta política e, nesse sentido, não haverá descrença quanto à capacidade do eleitorado português formar maiorias monopartidárias mas sim a demonstração do efeito útil dessas eleições a que acabei de fazer referência.

No entanto, há que conceber, pelo menos no campo conceptual, que pode não ser forçosamente assim, ou seja, que a única alternância democrática possa de novo voltar a ser entre governos maioritários de coligação e governos minoritários de um só partido, o que recolocaria, inevitavelmente, na ordem do dia a questão da instabilidade governamental. Neste contexto a moção de censura construtiva é, em sede parlamentar, um instrumento de protecção de governos minoritários contra a formação de maiorias negativas na Assembleia da República, contribuindo nesse preciso contexto para a estabilidade governativa e tolhendo o passo a crises artificiais, isto é, a crises políticas baseadas em maiorias heterogéneas que não comportam em si mesmas qualquer sentido útil de construção de uma alternativa de poder.

Há quem contraponha a estas duas vantagens da moção de censura construtiva três tipos de inconvenientes. O primeiro é o da escassa incidência prática que o mecanismo tem, facto que, sublinhe-se, não é apanágio exclusivo da moção de censura construtiva. O que se encontra em decadência no parlamentarismo maio-