1474 II SÉRIE - NÚMERO 47-RC
tiva uma diminuição de poderes do Presidente da República, sempre lhe restará a consolação de o poderem invocar, como prova da tese que já anteriormente defendiam, que o sistema de governo português não seria um verdadeiro sistema semipresidencial.
Pela minha parte tenho uma opinião diferente: a natureza semipresidencial do sistema de governo manteve-se em 1982 e subsiste mesmo com a introdução da moção de censura construtiva, considerando como critério interpretativo do tipo de relacionamento entre o Presidente da República e o Governo o complexo de poderes presidenciais compaginável com a legitimidade política que advém, para o Chefe do Estado, do facto de ser eleito por sufrágio directo e universal. A Constituição, após 1982, prefigurou o Presidente da República como um órgão de soberania detentor de um verdadeiro poder moderador, expresso nas nomeações de altos cargos, no veto político simples e qualificado, na faculdade de accionar mecanismos de fiscalização da constitucionalidade, no poder de demissão do Governo, nos casos em que tal procedimento se mostre necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas e no poder de dissolução do Parlamento, ou seja, o exercício de um função arbitral no sistema político, particularmente relevante em momentos de crise e face à incapacidade do Parlamento resolver essa crise por si próprio, em termos que assegurem a estabilidade governativa. Para citar o actual Presidente da República, os governos formam-se e caem no Parlamento, a intervenção do Presidente da República é, neste contexto, excepcional e constitui o recurso final ou de última instância nos termos do artigo 198.°, n.° 2, da Constituição. Face ao Presidente da República, a moção de censura construtiva limita-se no essencial (e numa conjuntura já de si excepcional, que é a existência de um governo minoritário) a prolongar no tempo a área de intervenção da sede parlamentar para resolução das crises governativas, conferindo aos governos minoritários uma protecção adicional, que não cede perante pretensas alternativas fundadas em maiorias negativas, mas apenas perante reais alternativas maioritárias, como tal consolidadas, o que, naturalmente, se reputa como indispensável para uma salutar alternância democrática. Não há uma verdadeira diminuição dos poderes presidenciais, mas sim, quando muito, um mero descentramento quanto ao momento em que o Presidente da República pode vir a ser chamado a intervir, perante a substituição, por iniciativa e responsabilidade parlamentar, de governos minoritários. Dir-me-ão: no fundo há diminuição dos poderes presidenciais porque a censura votada por uma maioria negativa é a expressão da vontade parlamentar maioritária de transferir, do Parlamento para o Presidente da República, a decisão sobre o desfecho da crise; com a moção de censura construtiva deixa de o ser e, nesse sentido, o Presidente da República perde capacidade de intervenção. Aparentemente assim é, mas creio que não passa de uma mera aparência. Em tais circunstâncias a censura votada por uma maioria negativa é apenas e tão-só um convite para o Presidente da República dissolver o Parlamento e convocar eleições - aí sim, o verdadeiro, grande e relevante poder do Presidente da República, que por si só justifica a sua eleição por sufrágio universal. Porque se é verdade - e eu não o contesto - que o Presidente da República está confinado a nomear Primeiro-Ministro o candidato constante da moção de censura construtiva aprovada no Parlamento, não podendo nesse caso ingerir em possíveis arranjos parlamentares que propiciassem soluções alternativas, não é menos verdade que no caso de, a seguir a eleições, não haver nenhuma maioria parlamentar clara, a margem de manobra do Presidente da República resulta acrescida, porque, aí, nessa circunstância, a censura construtiva funciona, num primeiro momento, como instrumento de protecção e de benefício da própria escolha presidencial, do candidato a Primeiro-Ministro que foi escolhido pelo Presidente. Por outras palavras, hoje a escolha, pelo Presidente da República, de um governo minoritário tem de evitar que, contra o Primeiro-Ministro por ele escolhido, se forme, na Assembleia da República, uma maioria que pode ser meramente negativa ou destrutiva. Amanhã, com a moção de censura construtiva, terá maior margem de manobra o Presidente da República, porque só se verá desautorizado pela Assembleia da República por uma maioria que recuse o seu indigitado Primeiro-Ministro, em benefício de um outro Primeiro-Ministro, em benefício de uma maioria alternativa positiva. Mas se isso acontecer é porque, em juízo final, afinal existia uma maioria parlamentar possível na Assembleia da República ou em alternativa não restará outra solução senão formar-se um governo minoritário, independentemente de qualquer maioria negativa conjuntural que se lhe oponha. Nesse caso, esse governo minoritário terá sempre de contar com o apoio, o empenho e a confiança do Presidente da República, do que resulta um reforço do seu poder face ao Governo. Em qualquer circunstância o Presidente da República não perde nunca o poder de dissolução do Parlamento, mesmo perante uma maioria parlamentar decorrente da aprovação de uma moção de censura construtiva, porque o Presidente da República pode sempre rejeitar a solução de Primeiro-Ministro que o Parlamento lhe oferece e convocar eleições legislativas que é, no fundo, o poder fundamental do Presidente da República.
Eis algumas das razões que, naturalmente sem pretensão de esgotarem a temática, nem sequer de furtarem o debate à sua componente conjuntural, arrolei em defesa de uma proposta que pretende ser, em primeiro lugar, uma ocasião, interessante no mínimo, para que os partidos se possam posicionar face à dinâmica do sistema do Governo emergente da revisão de 1982 e face aos desafios da estabilidade governativa num sistema de governo como o português.
O Sr. Presidente: - Ainda não registei outras inscrições além da minha; no entanto, queria dizer quão grato e reconhecido fiquei pela circunstância de terem tido a gentileza de esperarem que ficasse ligeiramente mais liberto dos problemas da reforma fiscal, para poder assistir à introdução do debate, feita pelo Sr. Deputado António Vitorino, nesta matéria que lhe é tão cara, da moção de censura construtiva. Na verdade foi uma boa oportunidade de ouvir uma inteligente exposição e defesa desta matéria, feita com argúcia, com capacidade de argumentação e com sólidos conhecimentos da matéria de direito constitucional e ciência política em Portugal e lá fora.
Mas permita-me que, por outro lado, diga também que esta é também uma boa oportunidade para tentarmos dilucidar, com alguma clareza, uma questão que a mim me suscita alguma dificuldade de compreensão.