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20 DE OUTUBRO DE 1988 1475

O próprio Sr. Deputado António Vitorino na sua exposição, que, repito, reputo de muito completa e brilhante, acentuou bem um ponto, que é o da marginalidade da moção de censura construtiva em relação ao problema do funcionamento do sistema político, porque disse várias vezes, e com toda a razão, que este é um dos instrumentos da panóplia do parlamentarismo racionalizado, já numa fase relativamente elaborada, diria mesmo bastante rebuscada, desse mesmo parlamentarismo para situações de crise, que habitualmente não serão as situações sadias que se vivem no funcionamento normal do sistema democrático. O que quero dizer com isto, preliminarmente, é que esta questão, a meu ver, foi demasiado empolada, na proposta do PS, face à sua real importância, a considerarmos aquilo que o próprio Sr. Deputado António Vitorino referiu ao situar o problema dentro da estrutura global do funcionamento do sistema político. E julgo que essa nota é muito importante para darmos ao problema o seu devido valor, que é algum, mas não é tão grande, nem é tão importante como aquele que parece por vezes deduzir-se das intervenções, sobretudo, dos responsáveis socialistas, quando têm falado nesta matéria. Mas admitamos que a questão tem alguma relevância.

O Sr. Deputado António Vitorino teve o cuidado de, justamente porque a sua análise foi aprofundada, referir, meticulosamente, que este problema tinha apenas nascido da maneira como a Constituição de Weimar e o sistema político em Weimar funcionaram e das dificuldades que se registaram nessa altura, e teve até oportunidade de citar, entre vários, Cari Schmitt, referindo que esses autores, que de algum modo influíram profundamente na elaboração do direito público na Alemanha, entre as duas guerras, tiveram oportunidade de escalpelizar as deficiências do sistema e, na ânsia desesperada de encontrarem fórmulas que salvassem aquilo que a história verificou ser insalvável, apresentaram determinadas soluções. Diria que esta origem histórica é muito significativa, porque quem conhece a maneira como o sistema de Weimar evoluiu, as tentativas desesperadas que grandes cultores da ciência política e do direito público fizeram para encontrarem soluções, compreende que certos aspectos do racionalismo parlamentar, ou do parlamentarismo racionalizado que aí nasceram, justamente foram marcados por essa procura ansiosa de encontrar soluções e também pelo falhanço dessas mesmas soluções. É que, como também o Sr. Deputado António Vitorino referiu, não houve nunca, na vigência da lei fundamental de Bona, da Grundgesetz, na história constitucional recente alemã, lugar à aplicação da moção de censura construtiva, isto é, quando se consignou na lei fundamental a moção de censura construtiva, a verdade é que nenhuma das crises importantes que a República Federal da Alemanha viveu, do ponto de vista político, foi resolvida, como V. Exa. muito correctamente reconheceu, pela via da moção de censura construtiva. E já agora, seja-me permitido acrescentar que, tanto quanto é do meu conhecimento, também a sua consagração na Constituição espanhola não permitiu, até agora, resolver nenhuma das dificuldades políticas pelas quais a jovem democracia espanhola passou.

Isto para dizer que não deixa de ser um pouco singular que, em função do seu nascimento e da sua não aplicação, se tenha um tão grande entusiasmo em experimentar, em Portugal, esta medida. Mas, dir-se-á, há uma razão, e V. Exa. de resto apontou-a, para explicar isso: é que Weimar tinha um sistema de partidos políticos muito diferente daquele que hoje existe na República Federal da Alemanha, estou como é evidente a pensar nos partidos democráticos, e um pouco próximo daquele que existirá em Portugal e provavelmente virá a ser o sistema a estabilizar-se no nosso país. Dado que nada disso sucedeu na República Federal da Alemanha, não há comparação possível. Acrescentar-se-á que também as coisas não se passaram assim em Espanha e também não há possibilidades de comparação. Em comentário, direi que, em primeiro lugar, não tenho essa segurança quanto à evolução do sistema partidário português que parece perfilhar o Sr. Deputado António Vitorino e os nossos amigos socialistas que compartem essa mesma ideia e que naturalmente sufragam a proposta de revisão constitucional apresentada pelo PS. Em segundo lugar, e mais importante do que isso, a questão base é que VV. Exas. reconhecem plenamente que esta moção de censura construtiva se trata de um remédio bom e desejável para uma situação de crise e que um sistema político deve gerar governos maioritários, que é, no fundo, para encontrar uma solução em condições muito difíceis, que preconizam essa ideia da moção de censura construtiva. Mas, então, porventura a resposta correcta é de tentar encontrar uma solução não na panóplia, não no armazém instrumental do parlamentarismo racionalizado, mas noutra zona. É em matéria de direito eleitoral, no domínio da forma de representação, que porventura se podem encontrar fórmulas, muito mais eficazes, muito mais aprofundadas, de resolver os problemas que V. Exa. põe. Isto é, não teria sentido pôr o problema da moção de censura construtiva, por exemplo, na Grã-Bretanha. E mesmo em relação a um sistema semipresidencial, e foi aí que V. Exa. pôs a questão, não deixa de ser interessante apontar que o sistema que mais se pode aproximar, de algum modo, desse sistema semipresidencial, e aliás foi um dos inspiradores de Duverger, que também citou, foi a França e aí, que eu saiba, as tentativas do estabelecimento, sequer, da ideia da moção de censura construtiva não passam de um artigo do Lê Monde.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Por enquanto.

O Sr. Presidente: - Por enquanto é o que existe.

Portanto, é neste quadro geral que o problema se põe e permito-me insistir que para nós é um pouco difícil atribuir-lhe uma demasiada importância face a que, para o mal que pretende resolver, parece um remédio de pequena dimensão. Se esse mal, realmente, existe em Portugal, e pode duvidar-se, pois neste momento a experiência histórica recente não abunda nesse sentido, visto ter sido possível gerar, apesar do sistema proporcional, e apesar do esquema eleitoral que temos, um governo maioritário, apoiado num partido com uma representação maioritária na Assembleia da República, que apoia um governo que tem essa estabilidade, resultante dessa maioria. Diria que nem sequer a experiência histórica, neste momento, apresenta esse aspecto como extremamente premente. Claro que V. Exa. dirá: "Mas é que a evolução futura próxima será diferente." Percebo que isso possa ser um wishfull thinking parti-