20 DE OUTUBRO DE 1988 1473
ritário é o mecanismo da censura ele próprio e não apenas o da censura construtiva ou da censura não construtiva. Demonstra-o o exemplo da República Federal da Alemanha, em que as crises nunca foram resolvidas através do sistema da moção de censura construtiva tal como, no quadrante contrário, o demonstra o caso italiano, onde as sucessivas crises governamentais nunca resultam da votação da censura a um governo no parlamento, seja ela construtiva ou não construtiva - como se sabe, na Itália, o mecanismo da censura é não construtivo.
Há quem assaque também à moção de censura construtiva o facto de ela propiciar a confusão entre duas figuras parlamentares de natureza distinta, isto é, a investidura do governo e a censura. Mas mesmo na moção de censura construtiva é forçoso reconhecer que a investidura e a censura são momentos distintos de uma mesma realidade: a relação de confiança entre o parlamento e o governo. A investidura é um acto constitutivo dessa relação e a censura um acto resolutivo dessa mesma relação. A moção de censura construtiva limita-se a sublinhar que a resolução de uma relação de confiança deve dar origem à constituição de uma nova relação de confiança em sede parlamentar, antes de se abrir a via de dissolução do parlamento, que é, naturalmente, a via última e verdadeiramente decisiva para resolução das crises governativas.
Em último lugar, critica-se a moção de censura construtiva porque, em virtude de ter ínsita a obrigatoriedade de indicação de um primeiro-ministro que disfrute de um apoio maioritário, essa obrigatoriedade poria em causa o pluralismo da oposição, característico dos sistemas democráticos. Contudo, a moção de censura construtiva não limita a expressão de diferentes razões de censura a um governo em funções; o que a moção de censura construtiva põe em relevo é a imprescindível função homogeneizadora das alternativas a constituir. E só pode opor-se a essa função homogeneizadora da censura construtiva quem assuma uma posição de exterioridade ao sistema político e entenda que a censura meramente destrutiva rende dividendos políticos e partidários fora das regras e da própria lógica do funcionamento do sistema de governo, o qual acolhe em lugar cimeiro o princípio da estatabilidade governativa, ou quem receie as influências do mecanismo da censura construtiva sobre a concreta conformação do sistema partidário e o diferente tipo de relacionamento das várias forças partidárias com os possíveis centros de poder num sistema político como o nosso.
Não pretendo esconder que, conceptualmente, as crises governativas também podem conter aspectos positivos e não apenas meramente destrutivos. Mas uma valoração realista dos aspectos positivos que as crises governativas podem encerrar, em termos de conformação da posição dos partidos políticos seus protagonistas, não deve sobrelevar do reconhecimento da justa primazia da estabilidade político-governativa, valor cimeiro da motivação do eleitorado em sucessivos actos eleitorais, sob pena de uma acelerada italianização da nossa vida política.
Sr. Presidente, em democracia parlamentar a regra é a constituição de governos maioritários - é esse o sentido do combate político-partidário e a sua própria finalidade. Mas a natureza do sistema partidário e o próprio sistema eleitoral proporcional podem, através da dispersão de votos e da pulverização de formações
partidárias, inviabilizar a existência de maiorias parlamentares e justificar a necessidade de recorrer a governos minoritários, até porque a Constitução proíbe a dissolução da Assembleia da República nos seis meses subsequentes à realização de eleições, concebendo-se este período de seis meses como um período mínimo em que um dado parlamento é chamado a provar se consegue ou não gerar governos, sejam eles governos maioritários ou minoritários, antes de conferir ao Presidente da República a faculdade de recorrer à dissolução do parlamento.
É óbvio que o PS reconhece que o recurso a governos minoritários é excepcional no modelo constitucional, mas é legítimo; e uma vez que é considerado como consentido pela Constituição, nada justifica que não se garanta a esses governos minoritários alguma protecção político-institucional que lhes poderia advir da moção de censura construtiva. Assim, face à necessidade excepcional de recorrer a governos minoritários, a moção de censura construtiva aparece como uma válvula de segurança, e apenas como uma válvula de segurança, ou, para utilizar uma nomenclatura importada do debate na República Federal da Alemanha, como uma norma de reserva constitucional para situações de crise ou de incapacidade de formação de governos maioritários, como um instrumento institucional com assento constitucional promotor ou, no mínimo, indutor da estabilidade governativa em situações excepcionais, em que o sistema tem de recorrer a governos minoritários por horror ao vazio.
Não vou alongar-me em considerações de outro jaez ou de mera inspiração conjunturalista - essas, naturalmente, decorrerão com naturalidade das críticas que os Srs. Deputados irão decerto fazer à proposta do PS. Assim, o último apontamento que gostaria de aqui deixar é o de que se torna necessário demonstrar a compatibilidade ou incompatibilidade do mecanismo da moção de censura construtiva com o sistema de governo semipresidencial. É conhecida a controvérsia, e até a dificuldade, no plano doutrinário, da definição da natureza e dos contornos essenciais de um sistema de governo semipresidencial. Detectamo-la nos próprios estudos do pai da ideia, Maurice Duverger, nas diferentes correntes doutrinárias portuguesas e nas suas oscilações ao longo do tempo quanto à caracterização do núcleo essencial do sistema de governo semipresidencial. No cerne da controvérsia situa-se, invariavelmente, o tipo de relação entre o Presidente da República e o Governo. Já assim foi quando da 1.ª revisão constitucional em 1982, altura em que a abolição do princípio da responsabilidade política do Governo perante o Presidente da República, nos artigos 193.° e 198.°, n.° 2, da Constituição, e a consagração da responsabilidade política exclusiva perante o Parlamento, nos artigos 193.° e 194.° da Constituição, levaram alguns autores a considerar que o sistema português de governo tinha, a partir daí, deixado de ser um sistema semipresidencial, em virtude da perda do poder de livre demissão do Governo pelo Presidente da República. Inclusivamente, há mesmo quem considere que nunca o sistema de governo português foi semipresidencial, nem mesmo na versão originaria da Constituição de 1976. Para quem assim o entenda e para quem naturalmente se preocupe em reconstituir o complexo de poderes presidenciais existentes na redacção originária de 1976, se encontrar na moção de censura constru-