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1938 II SÉRIE - NÚMERO 62-RC

ponto de vista técnico-jurídico, é possível considerar algumas alíneas do artigo 290.° como preceito caducados - as explicações técnicas podem ser várias - e que, nessas circunstâncias, estas normas podem ver declarada a sua caducidade, não pelo legislador ordinário, não pelos tribunais comuns, mas antes pelo legislador constituinte, e, por consequência, serem retiradas desta disposição. Foi o que fizemos no nosso projecto de revisão constitucional.

Penso que é importante dize-lo com toda a clareza e abertura, porque esta matéria é, infelizmente, uma das que tem registado um divórcio importante entre aquilo que é o sentir e o agir não só do eleitorado quando vota e quando aprecia os actos quotidianos da vida política, mas também dos órgãos do Poder político e, por outro lado, o sentir dos juristas. Estes clamam, numa certa orientação que não sufragamos, que a única via positivista é a da dupla revisão, pressupondo algo que não subscrevemos, ou seja, a identidade entre o poder de revisão e o constituinte. Porém, a verdade é que, na prática, as coisas vão seguindo um caminho diferente e, de uma maneira certamente involuntária, acaba-se por ter uma Constituição nominal que as pessoas não respeitam naquilo que já caducou mas também têm, eventualmente, a tentação de não respeitar noutras zonas bastante mais importantes. Não nos parece, de facto, que essa seja a via mais adequada para termos uma Constituição que desempenhe o papel que lhe cabe de lei fundamental numa democracia pluralista e numa sociedade aberta como vai sendo a pouco e pouco a nossa.

Compreendemos que o PCP esteja naturalmente arreigado àquilo que foi o sonho de 1975 e veja dorido que as coisas tomem este caminho. Já percebemos menos bem que o PS tenha tantas dificuldades em se orientar por um caminho que de uma maneira mais clara conduza aos mesmos resultados. No entanto, não estamos nesta sede para fazer uma discussão de carácter jurídico-constitucional, nem para confrontar teses em matéria de poder constituinte, nomeadamente sobre os limites materiais implícitos e explícitos de revisão da Constituição. Chega-nos que convenhamos naquilo que são os resultados essenciais, sem prescindir, porém, daquilo que é a nossa filosofia política e a nossa orientação jurídico-política fundamental em matéria constitucional, a qual, aliás, enformou todo o nosso projecto de revisão.

Comecei por dizer a VV. Exas. que este artigo reflecte e consubstancia naturalmente a visão que da Constituição e da sua revisão têm os diversos partidos e, por isso mesmo, resume o essencial dos respectivos projectos.

Nestes termos, propusemos um artigo sobre os limites materiais de revisão em que se salvaguarda, urna vez que já se seguiu a técnica de explicitar os limites materiais, aquilo que nos parece verdadeiramente essencial e sem o que esta Constituição e o Estado democrático e pluralista, e a sociedade que lhe subjaz, sairiam desfigurados. Portanto, é aquilo que reputamos verdadeiramente essencial e que deve ser objecto do consenso de todos os portugueses. Foi nesse sentido que redigimos a proposta, tal como ela se apresenta, e que deixa cair, como ramos que já estão caducados ou apodrecidos, aqueles aspectos ligados ao princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção, solos, bem como os recursos naturais e a eliminação dos monopólios e latifúndios, a reforma agrária e a planificação democrática da economia e ainda os aspectos ligados à participação das organizações populares de base no exercício do poder local.

Entretanto, se me permitem, devo dizer que não temos nenhuma sanha em relação às organizações populares de base se elas significarem organizações reais e espontâneas que, de algum modo, sejam descentralizações das freguesias, se e quando existirem. No entanto, sentimos desagrado quando são uma explicitação de um plano de organização de raiz marxista ou constituem uma célula de uma certa democracia de base, proposta num célebre plano apresentado em 1975 em Portugal, até aos órgãos de cúpula numa espécie de Constituição convencional similar a um modelo adoptado em tempos na União Soviética, e que está evidentemente nos antípodas daquilo que pensamos ser adequado para a lei fundamental portuguesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, já sabia que V. Exa. defendia a tese de que é possível invocar a caducidade de algumas das alíneas do artigo 290.° Isso faz-me muita confusão e mais ainda do que aquela que lhe faz a circunstância de termos tido algumas dificuldades em ir além do que fomos.

Perguntaria o seguinte: se a caducidade se aplica a estes preceitos, por que é que não acontece o mesmo em relação a qualquer outro artigo da Constituição? De facto, este artigo 290.° foi aprovado com os mesmos dois terços que qualquer outro preceito. Repito, pois, a questão: por que vão invocar a mesma caducidade em relação a qualquer outro artigo?

Imagine V. Exa. amanhã um ditador a fazer esta interpretação: "O Dr. Rui Machete, ilustre professor e jurista da Universidade, defendeu que os artigos que não têm uso há um certo tempo caducam. Embora ele não tenha dito quanto tempo era necessário, julgo que três meses é suficiente." Entretanto, o ditador dirá também que não é ele que defende essa tese, mas, sim, um democrata com o prestígio do Prof. Rui Machete, para além de outros ilustres autores. Isto é perigosíssimo!

Julgo, pois, que a forma nas constituições merece algum respeito. Aliás, todo!... Assim, por que é que temos de respeitar todos os artigos da Constituição menos este? Se admitirmos que ele está errado, consideraremos que merece ser corrigido. Porém, por que é que isolamos este preceito de todos os outros, no sentido de estes merecerem todo o respeito e aquele não? Isto é, o artigo 290.° nasceu com defeito e, portanto, isolamo-lo? Que defeito?

A nossa posição é que aquilo que entendemos essencial deve manter-se; o que, ao invés, não entendermos fulcral não deve constar do articulado. No fundo, só o essencial nos vincula, o resto não. Portanto, qual o critério para distinguir o que é essencial do que não é essencial? E qual é o critério formal com o mínimo de rigor para saber que tempo de desuso é preciso para um dado preceito cair em caducidade? Julgo, pois, que essa é uma tese arrojada, que poderia introduzir na interpretação e aplicação da Constituição uma margem de arbítrio para lá de tudo o que é consentível. Perguntaria ainda ao Sr. Presidente o seguinte: quem julga em primeiro lugar da caducidade? Será cada um de nós ad libitum? Qual a autoridade? Qual o tribunal? Qual a pessoa? Qual o político? Quem interpreta a Consti-