2396 II SÉRIE - NÚMERO 81-RC
esconde a ninguém e que constam do seu Programa e que, ainda por cima, vai aplicando contra a Constituição, no dia-a-dia. É da contraposição entre estas duas coisas que, suponho, resulta a principal perplexidade emergente deste debate.
Realmente, quem ler o debate que aqui fizemos na primeira leitura e quem ler as propostas do PSD nesta matéria poderá desde logo, honesta e objectivamente, concluir uma coisa: a proposta do PSD tendente à supressão do n.° 2 do artigo 64.° e à sua substituição por uma norma que dissesse "o Estado promoverá a criação de um sistema nacional de saúde, a que todos os cidadãos possam ter acesso, nos termos definidos por lei" não obtém consagração neste texto comum PS/PSD. Essa proposta do PSD é rejeitada, enjeitada por este texto. A substituição da noção de SNS não tem acolhimento. A proposta formalizadora da actual prática do PSD não tem acolhimento. E a sua prática que enquadramento é que passará a ter? E a sua maioria legislativa monopartidária que balizas é que passará a ter? E o seu Governo que balizas é que passará a ter? É aqui que a inquietação surge. Na leitura que nós, com os eiementos de que dispomos, temos feito deste preceito trata-se de uma cedência - e grave - em relação a uma conquista social importante do povo português. Os Srs. Deputados do PS dizem que não. A forma como o fazem deixa-nos, apesar de tudo, surpreendidos. Reparem: nós conhecemos a prática do Governo e também conhecemos o passado. Conhecemos no passado o Decreto-Lei n.° 46 301, com as suas classes de cidadãos, com os seus escalões, com a sua separação, com a sua diferenciação de pagamentos e de tratamentos em relação às várias classes. Esse passado conhecemos. Também conhecemos despachos, como o despacho n.° 5/84, de 27 de Fevereiro, ou o despacho do Ministro dos Assuntos Sociais de 18 de Janeiro de 1982, que foram declarados inconstitucionais pelo Acórdão n.° 92/85, de 18 de Junho de 1985. Esses eram diplomas que estabeleciam diferenciações e distinções entre os cidadãos em função dos seus rendimentos, que impunham taxas moderadoras para tudo e mais alguma coisa, para os internamentos, para as urgências, para toda a espécie de actos médicos. Esse passado também conhecemos. E também conhecemos o presente das privatizações, conhecemos o presente da tendência para impulsionar seguros para pagar serviços recebidos em estabelecimentos públicos, privados, etc.. Tudo isso conhecemos!
Falta saber qual a implicação disto em relação ao futuro e como é que se cruza o que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves agora mesmo referia como sendo a acção governativa e aquilo a que chamou "a abstracção da Constituição". Como é que essas duas coisas se cruzam - o texto constitucional (na sua "abstracção") e a realidade governamental (na sua plenitude, de resto violadora da Constituição em diversos pontos)? É que aqui o acordo é enigmático e é aqui que as duas prestações, a do PSD e a do PS, surgem sobrepostas apenas aparentemente em palavras ou então não em palavras. Alguém está equivocado no meio disso tudo? Poderíamos ser nós. Se assim fosse, era bom para os Portugueses. Só que receamos que não! Já foram adiantadas pelo seu camarada Vidigal Amaro algumas das razões dessa nossa dúvida, dessa nossa prevenção e" dessa nossa reserva e crítica. Há Srs. Deputados que dizem: "Não, não se trata nada de admitir ou readmitir escalões, não se trata nada de termos aqui o estandarte para o regresso da velha senhora, as taxas moderadoras. Trata-se até do contrário, que aquilo tudo que já é gratuito para quem é gratuito continue gratuito e que aquilo que ainda não é gratuito venha a ser gratuito gradativamente." Então o PSD, nesta óptica, além de não ver consagrado aquilo que consta do seu projecto de revisão constitucional, até veria consagrado o contrário, coisa que nos daria razão para muito nos congratularmos. Só que o problema é que nestas matérias a hermenêutica tem regras e essas regras não podem ser subvertidas. Portanto, aquilo que o PSD introduz para a acta nesta matéria tem que ser cuidadosamente ponderado para avaliarmos qual é o resultado, qual é o saldo hermenêutico. Devo dizer, Srs. Deputados, que para quem deseje reforçar o caminho para a extinção de taxas moderadoras, de oneração dos utentes, etc.., esta é a mais bizarra forma de escrever em português esse desiderato. Para quem deseje avançar e aprofundar esta forma mais parecida com a da marcha de um caranguejo. Para quem deseje ser claro esta é a forma mais opaca e obscura de ser claro. Das duas uma: ou aquilo que a Sra. Ministra da Saúde todos os dias diz por toda a parte acerca do financiamento da saúde pára aqui à porta da CERC, o PSD ao entrar aqui calça a luva cirúrgica, despe a sua bata ministerial, a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves caracteriza-se por dizer exactamente o contrário do que diz a Sra. Ministra da Saúde. Ou então o que V. Exa. aqui diz não tem o mínimo significado, é um travesti, é uma peça de roupa que se veste e que se despe e que, em termos hermenêuticos, é diáfana, transparente, revela o que estiver atrás dela. Se o que estiver atrás dela for V. Exa., é uma coisa, se o que estiver atrás dela for a política do Governo, é a política do Governo. Se a Sra. Deputada Assunção Esteves é uma leitura, se a Sra. Ministra é outra leitura. Cada corpo político dá corpo à realidade diáfana desta proposta. Mas se é isso, então o significado desta proposta é da maior gravidade. A proposta é uma proposta "pronta a vestir" e o seu significado é vestível ou despível consoante o utente, o envergante, o agente, o Governo. Isto quer dizer, portanto, que os Srs. Deputados do Partido Socialista estarão pondo nas mãos do Governo um instrumento no qual ele, Governo, tenderá a ler aquilo que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes num belo dia do ano passado dizia num debate no Plenário da Assembleia da República quando carpia a "insuportabilidade" do welfare síate, que ele cuidadosamente tratava de descrever e de zurzir para concluir que era preciso aquilo a que ele chamou "o lançamento de reformas de fundo imprescindíveis para condicionar a saúde que vamos ter à entrada no próximo século", que S. Exa. vê, obviamente, como o Governo vê: com subversão do SNS, com oneração crescente dos utentes, com privatização, com redução das prestações oferecidas pelo Estado, com incremento crescente do papel atribuído ao sector privado, etc. Tudo isto se passou no mês de Julho de 1988, tudo isto foi dito e tudo isso continua a ser dito pelo Governo. Como, obviamente, o Partido Socialista tem o privilégio de ser oposição ao Governo e de negociar com o Governo os acordos de revisão constitucional, talvez tenha nesta matéria alguma informação que nós não temos e talvez isso seja a chave da leitura, a estrela que falta, a luz que não