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2398 II SÉRIE - NÚMERO 81-RC

mesmo debate, a p. 666, e a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, a p. 671, já aí encontrarão a abertura do Partido Socialista para consagrar na Constituição uma fórmula jurídica que tornasse conforme à lei fundamental o critério das taxas moderadoras. Portanto, não há nenhuma involução em relação àquilo que dissemos na primeira leitura e até tivemos em linha de conta o facto de o Sr. Deputado José Magalhães ter reconhecido "tabelionicamente" que na prática o Serviço Nacional de Saúde já hoje não é um serviço gratuito, mas apenas um serviço tendencialmente gratuito. Não é que precisemos dessa certificação para nos apercebermos da realidade, mas como nem sempre o Sr. Deputado reconhece o que é a realidade, nós, quando as duas coisas coincidem, sentimo-nos particularmente recompensados.

Não tem cabimento no debate das alterações introduzidas no artigo do Serviço Nacional de Saúde, na alínea cr) do n.° 2 segundo a proposta agora apresentada, tentar discutir o que quer que seja em matéria de onda privatizadora da saúde ou de afirmação da predominância das convenções médicas sobre o Serviço Nacional de Saúde ou sobre o seguro de saúde geral pago e obrigatório ou sobre a inevitável caducidade dos subsistemas de cuidados de saúde, sejam eles no âmbito da função pública, sejam eles subsistemas de prestação de cuidados de saúde no âmbito do privado. Não tem cabimento, na medida em que o que a alínea proposta faz é caracterizar o serviço público prestador de cuidados de saúde e não caracterizar outras formas de prestação de cuidados de saúde do foro privado, designadamente a medicina privada - são duas questões completamente distintas. Naturalmente que para retirar efeitos políticos pode tentar-se amalgamar neste debate todas estas vertentes - mas nesse domínio cada um assume as responsabilidades das questões que trouxer à colação. Seja como for, uma saudável hermenêutica jurídica de interpretação da conformidade dos actos legislativos à Constituição não pode deixar de reconhecer que, no n.° 2 do artigo 64.°, se cuida do SNS - serviço público prestador de saúde - e que todas as considerações sobre medicina privada e seguro de saúde não têm rigorosamente nada a ver com o n.° 2 do artigo 64.° da Constituição, mas podem ter a ver, quando muito, com as várias alíneas do n.° 3 do artigo 64.° da Constituição. A Constituição não proíbe o seguro de saúde; a Constituição não proíbe as convenções; a Constituição não proíbe a medicina privada, antes pelo contrário, dá garantias de efectivação de cuidados de saúde através da medicina privada e impõe formas de coordenação dessa medicina privada com o Serviço Nacional de Saúde. Os Srs. Deputados do PCP o que podem, quando muito, é querer identificar, na política do actual Governo, uma política de favor em relação ao privado e de detrimento das condições da eficácia e da prestação dos cuidados de saúde em relação ao serviço público prestador desses cuidados de saúde. Mas isso não tem rigorosamente nada a ver com o texto da Constituição; isso são opções de política legislativa que não devem ser misturadas com o conteúdo do n.° 2 do artigo 64.°

Um último apontamento, sobre a questão dos escalões. É evidente que a regra do Serviço Nacional de Saúde hoje é, e continuará a ser depois de este artigo 64.°, n.° 2, ser alterado, a da gratuitidade. E talvez não seja fácil tentar discutir esta matéria demagogicamente, dizendo que a gratuitidade é o valor em si mesmo, porque a gratuitidade cega é geradora de distorções sociais e o que está em causa é uma política de saúde que evite, previna e impeça que desigualdades sociais fácticas se repercutam no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde. Se nós encararmos a questão, até sob o ponto de vista estatístico, ou empírico, verificamos que, por exemplo, as classes sociais que, com maior intensidade, são utentes do Serviço Nacional de Saúde são as classes baixas e as classes altas. As classes médias são, talvez, aquelas que menos acedem só Serviço Nacional de Saúde. Só que há uma diferença qualitativa entre o tipo de cuidados de saúde a que as classes baixas acedem, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, e o tipo de cuidados de saúde que as classes altas parasitam no Serviço Nacional de Saúde. Portanto, creio que esse debate é um debate legítimo, interessante e extremamente importante, em termos de política de saúde; não é, contudo, um debate que tenha a ver com o artigo 64.° da Constituição, ou com a alteração que se preconiza para o artigo 64.°, n.° 2, da Constituição, que diz apenas respeito à organização do Serviço Nacional de Saúde e àquilo que é reconhecido como uma necessidade racionalizadora dos serviços e do acesso a cuidados de saúde através das taxas moderadoras, que, como nós dizemos, devem ser taxas de natureza transitória e é por isso mesmo que o artigo consagra o conceito de tendencialmente gratuito. Esta é a interpretação que nós fazemos do artigo 64.° da Constituição. Pensamos que interpretações miserabilistas do texto do artigo 64.° são, de facto, possíveis - ficam com quem as fizer, porque as acções ficam com quem as pratica -, mas o que é inequívoco é que esta é a interpretação que nós fazemos do artigo 64.° da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Gomes.

O Sr. Fernando Gomes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sinceramente, fico um pouco "pasmado" com o que ouço, e estou a acabar de ouvir aqui, não só na minha qualidade de deputado mas também na de agente e utente do Serviço Nacional de Saúde. Para além de algumas "enormidades" (desculpe a expressão) em relação a quem utilize o SNS - que são legítimas para quem esteja afastado dessa situação e que, efectivamente, daria origem a um debate extremamente interessante (estou de acordo com o Sr. Deputado António Vitorino nessa matéria) - há um aspecto que já foi salientado pelos meus camaradas e em relação ao qual não vale a pena estarmos a jogar com palavras, nem a inventar a história do "Capuchinho Vermelho", para depois dizer, no fim, que fomos enganados e que não era isso que queríamos. A minha pergunta ao Sr. Deputado é muito incisiva e rápida. Na interpretação do texto constitucional ainda em vigor (felizmente), nenhum português internado num serviço oficial do Estado - no Serviço Nacional de Saúde - pagava qualquer taxa moderadora, qualquer serviço prestado, durante o internamento. Quero perguntar ao Sr. Deputado se, na interpretação do PS, o que está aqui não permite que isso venha a acontecer. Acho que as acções ficam com quem as pratica e é bom que isso fique muito claro neste momento.