O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

9 DE MARÇO DE 1989 2397

nos ilumina. Talvez o Partido Socialista tenha alguma chave interpretativa que nós outros, que não temos o privilégio de negociar com o Governo o acordo de revisão constitucional ou o que quer que seja, não temos! Talvez seja isso!

É nesse sentido, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que gostaríamos de manifestar não só a nossa perplexidade como também o facto de nos parecer que há aqui qualquer coisa que não joga. Não é possível sustentar coisas totalmente contrapostas com base no mesmo suporte literal e há limites para as hermenêuticas hábeis. Sobretudo há limites para admitir que hermenêuticas hábeis, que, de resto, teriam pouca vigência, possam disfarçar e minorar aquilo a que se arrisca a ser um profundo golpe em conquistas sociais tão relevantes como estas. Portanto, Sr. Presidente, apelaria a que o Partido Socialista pudesse, em termos de fundamentação jurídica - e, de resto, combinando esta alteração com a que o Partido Socialista propõe e que vem adiantada em relação ao artigo 64.°, n.° 3, alínea c) -, articular todas essas alterações, por forma que nós consigamos finalmente distinguir entre a Sra. Ministra Leonor Beleza e os felizes subscritores do acordo da parte do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Isso foi discutido na primeira parte porque a proposta coincide rigorosamente com a alínea c) proposta pelo PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. O problema está exactamente aí. É que V. Exa. durante a primeira leitura, designadamente em 7 de Julho de 1988, subordinou toda a defesa da alteração em relação à alínea c) do n.° 3 da proclamação e enfati-zação da importância da gratuitidade. A partir do momento em que se fragilize a hermenêutica respeitante à gratuitidade, obviamente V. Exa. há-de admitir que o outro pilar ao menos há-de ser colocado sob interrogação e isso carece de clarificação. Aí está uma importante questão.

O Sr. Presidente: - Não fui eu, mas talvez alguém por mim.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, compreendo o esforço do Sr. Deputado José Magalhães, que, se acreditasse em Deus, teria dali apelado: "Por amor de Deus, Srs. Deputados do PSD, discordem lá na interpretação que o PS faz deste artigo porque senão o debate não faz sentido." É um esforço hercúleo para tentar provocar fissuras políticas entre o PS e o PSD na interpretação do que seja o conteúdo das alterações propostas para o artigo 64.° e designadamente para tentar trazer à colação do debate o que são as políticas de saúde que estão a ser praticadas pelo Ministério da Saúde e em relação às quais o Partido Socialista já manifestou, quanto a aspectos fundamentais, a sua oposição e discordância. Compreendemos o esforço de transpor para este debate uma espécie de interpelação ao Governo sobre política de saúde, dado que o conteúdo das alterações ao artigo 64.°, por si só, não chega para os Srs. Deputados do PCP retirarem as conclusões condenatórias que quereriam retirar acerca da posição do Partido Socialista nesta matéria. Portanto gostaria de começar por tranquilizar o Sr. Deputado José Magalhães, dizendo que não faremos do debate sobre este artigo 64.° nem um "contrato de adesão" à política da Ministra Beleza para dar razões às suas suspeitas sobre o conteúdo do artigo, nem uma interpelação ao Governo em matéria de política de saúde porque, por diversas vezes e nas sedes próprias, já tivemos ocasião de exprimir inequivocamente as nossas críticas e as nossas diferenças em relação à política de saúde deste Governo. O que uma hermenêutica saudável nos diz do artigo 64.° após a revisão é que continua a ser consagrado o direito à saúde em termos inequívocos e que a garantia desse direito à saúde incumbe ao Estado através de um Serviço Nacional de Saúde e que o papel do Estado na garantia e na efectivação desse direito é um papel preponderante e predominante e só um serviço público de prestação de cuidados de saúde financiado pelo Estado pode naturalmente responder a esse critério constitucional de efectivação do direito à saúde.

O que se pretende, como consta da lei de bases do SNS, é que se trate de um Serviço eficaz, um Serviço prestador de cuidados de saúde de qualidade e um Serviço financiado pelo Estado. O critério de interpretação da Constituição e o critério de interpretação das políticas de saúde não é nem pode, obviamente, ser o da concretização de direitos fundamentais na dependência de metas macroeconómicas, de percentagens fetiches dos gastos na saúde sobre o produto nacional bruto ou da força específica do Ministro da Saúde face ao Ministro das Finanças em cada momento. Nesse sentido, o Serviço Nacional de Saúde, que está consagrado no artigo 64.°, é um serviço de saúde de âmbito nacional e universal.

Foi o próprio Sr. Deputado José Magalhães que no debate da primeira leitura, a p. 668 do Diário da Assembleia da República, n.° 23, de 7 de Julho de 1988, correspondente à acta n.° 21 de 26 de Maio de 1988, reconheceu que a realidade hoje é que o Serviço Nacional de Saúde não é gratuito. Logo a questão que nos deve ocupar consiste em saber se, de facto, há ou não espaço no texto da Constituição para consagrar esta realidade, que é uma realidade de não estarmos perante um serviço gratuito mas sim perante um serviço que já hoje, na prática, é apenas tendencialmente gratuito, na medida em que existem taxas moderadoras em vigor, designadamente aquelas que não foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Se é verdade que a declaração de inconstitucionalidade não decorreu de um juízo de substância sobre a matéria, mas, sim, de um julgamento quanto ao instrumento jurídico adoptado para pôr em vigor essas taxas, gostaria que os Srs. Deputados do PCP me explicassem juridicamente que, dizendo a Constituição que o Serviço Nacional de Saúde é universal, geral e gratuito, as taxas moderadoras são constitucionais sob o ponto de vista material, isto é, que a existência de taxas moderadoras não enferma quanto à substância - e não apenas quanto à forma - de nenhuma inconstitucionalidade material.

O Sr. Deputado Ferraz de Abreu já explicou qual é o nosso entendimento da alteração agora preconizada pelo artigo 64.° Inclusivamente, os Srs. Deputados do PCP podem esforçar-se por tentar encontrar contradições entre as posições que defendemos neste momento e as que defendemos na primeira leitura, mas se virem a intervenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu nesse