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11 DE ABRIL DE 1989 2531

porta dar um sinal de que componente fundamental do estatuto tutelar dos cargos políticos é a de que obedeçam a todos, mas todos, os requisitos que garantam que a coisa pública é pública e que a coisa privada é privada. Esta é a separação básica e essencial: a coisa pública não serve para benefício privado e, obviamente, o exercício de funções pública implica um conjunto de obrigações absolutamente inarredáveis, sendo uma delas a da transparência.

Portanto, se V. Exa. entende que, por exemplo, numa norma que se traduzisse em aditar ao actual n.° 2 num segmento normativo como, por exemplo: "A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos bem como os seus respectivos direitos, regalias e imunidades, estabelecendo garantias da transparência do respectivo património e rendimentos", daria cabal satisfação à preocupação que o Sr. Deputado Rui Manchete anunciou, e por nós retiraríamos, de imediato, a redacção originária, com todas as consequências.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. compreende que a transparência não é, apenas, uma transparência patrimonial, não é verdade? Isso é o aspecto mais materialista e, porventura, num ou noutro caso, mais soez das coisas. Mas a transparência é uma transparência resultante da dignidade moral com que os cargos devem ser exercidos. Quer dizer, se V. Exa. encontrasse uma fórmula qualquer - e estaremos a tempo, não vamos atardar-nos, neste momento, nisso - de traduzir a ideia do dever e acrescentar-lhe alguma especificação em termos de transparência como uma forma do dever ou do aprumo moral, eu não estaria contra. Agora, a ideia de traduzir na Constituição a regulamentação em matéria patrimonial, penso, como digo, que é um ponto importante, mas devo dizer-lhe, com toda a honestidade que não conheço - pode ser que haja - nenhum preceito constitucional dos países da CEE que o consagre. E porquê? Porque não há transparência ou porque a transparência não é um valor reconhecido? Não. Mas porque, na verdade, se entende que isso não é uma matéria que deva ter uma consignação constitucional, e o mesmo acontece com muitas outras.

Estas discussões têm de ser feitas com a delicadeza suficiente para que se não menoscabem esses princípios. Quer dizer: seria de todo uma conclusão errada retirar a ideia de que nós teríamos algum incómodo, do ponto de vista do comportamento político, em consignarmos isto na Constituição. Não, não é isso. Acho que do ponto de vista do direito positivo, em termos de legislação ordinária, as coisas devem ser clarificadas e devem ser melhoradas. Porém, o que nós julgamos é que a Constituição tem significado como um conjunto de normas abertas com conexões de sentido que, realmente, não justifica dar-lhes natureza regulamentar. É isto, com toda a franqueza.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me que o interrompa, Sr. Presidente, só para lhe sugerir um patamar de reflexão que, suponho, não foi atingido nesse raciocínio.

Temos posições diametralmente opostas, provavelmente, em relação à questão do que seja o carácter "regulamentar" ou não de uma lei fundamental. Portanto, não é a discussão geral sobre esses parâmetros que introduzo. A discussão que aqui vale a pena travar é sobre o que deva ter-se por "regulamentar" e o que "não deva ter-se por regulamentar" em relação aos artigos da Constituição que desenham integradamente, aquilo a que podemos chamar o "estatuto constitucional dos cargos políticos".

Analisando tal estudo, a primeira leitura, possibilitou uma medição rigorosa das lacunas ou dificuldades desse estatuto tal qual se encontra, presentemente, redigido. Com efeito, detectamos todos alguns dos aspectos em que esse regime é, por exemplo, lacunar, ou é despojado de garantias de efectivação ou em que sofre outros inconvenientes.

A questão que aqui se coloca é eminentemente política; não é, sem dúvida nenhuma, uma questão técnica e, por isso, deixo inteiramente de lado a questão da formalização. A tentativa de redacção que fiz, há pouco, não passa disso. É, de resto, uma tentativa que teve em conta um conjunto de sugestões do PSD, mas que, evidentemente, só é relevante a título exploratório e, portanto, o trabalho ulterior pode permitir a construção de um preceito com o tamanho e o conteúdo adequado.

A questão que se coloca, sendo eminentemente política, quanto a nós, deve ser encarada tendo em conta uma série de factores. Um deles, fulcral, foi enunciado há pouco pelo Sr. Deputado Almeida Santos. E esse factor não é só a questão da honestidade da "mulher de César" em geral. A questão é esta: no actual estatuto constitucional dos titulares de cargos políticos, essa componente falta. É óbvio que a lei pode, em execução do n.° 2 do artigo 120.° da Constituição, estabelecer uma "pletora" de deveres, incluindo nessa esfera. Mas a explicitação desse padrão e dessa preocupação é um sinal de lhaneza e de virtude num domínio em que ela é bastante precisa. A sua não consagração, no presente quadro político, em particular, parece-me extremamente imprudente e muito susceptível de introduzir uma distorção viciosa do debate sobre a própria questão.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. Sr. Deputado José Magalhães, me der licença que o interrompa, gostaria de lhe dizer o seguinte: em primeiro lugar, penso que temos de legislar e eu gostaria, em particular e por maioria de razão, em matéria de revisão constitucional, que o fizéssemos sem olharmos a aspectos conjunturais de uma conjuntura imediata de quinze dias ou de um mês ou de dois meses. Penso que isso obnubilaria a nossa discussão. Não é nesse sentido que me estou a colocar, e mais: isso acabaria por fazer redundar a questão num problema de política imediata, algo que não deve acontecer quando estamos a rever a Constituição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não, Sr. Presidente, até porque esse problema a que V. Exa. está a aludir - se bem o percebo - é um problema que já está contemplado legalmente e mesmo criminalmente, sendo, numa parte, um crime de peculato de uso e, noutra parte, outra coisa que eu, agora, não qualifico.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, em primeiro lugar considero que não é por razões de conjuntura que nos devemos nortear e, em segundo lugar, estou inteiramente...