2974 II SÉRIE - NÚMERO 106-RC
e socialmente filiados na outra concepção e são países que se reclamam do socialismo. De Europa se fala com maiúscula, mas de Europa indeterminadamente se fala.
Sucede que ninguém, até agora, ousou dizer que a noção, por exemplo, de organização política -que aqui é objecto de alusão, na proposta candidata - seja a Europa unida que alguns imaginam, ou a União Europeia, ou uma outra qualquer fórmula jurírido-política para exprimir uma aproximação íntima entre Estados e um estreito relacionamento, com estatutos variáveis, entre soberanias. Dir-se-ia que o conceito comporta tudo: desde as fórmulas de cooperação até às fórmulas de associação autónoma, até às fórmulas constantes dos tratados instituintes das Comunidades na sua versão originária, até às fórmulas decorrentes do chamado Acto Único, até outras quaisquer futuras fórmulas - desde que sejam fórmulas de organização política. O conceito é, por inteiro, indeterminado e o seu alcance é de calibre vasto.
O PSD teve mesmo o cuidado de dizer o que o preceito não é e que fórmulas de aproximação, nos planos que aqui estão aludidos, é que o PSD considera reprováveis, ou menos aceitáveis, ou menos subscritíveis - o que como regra; não é boa opção; não é boa aproximação, quando se está a tratar de uma norma constitucional cujo sentido deve ser, pelo menos, claro, reconhecível e facilmente perceptível.
Por outro lado, o próprio conceito de empenhamento não deixa de suscitar algumas perplexidades. A norma, ao referir que Portugal se empenha nas diversas formas de organização da Europa, apenas alude a um empenhamento cujo grau é, de resto, não especificado e não especificável. Portugal empenhar-se-á no que se empenhar, sendo os processos de produção das decisões políticas em Portugal aqueles que a Constituição prevê e, em última análise, os que resultem da vontade popular expressa por todas as formas constitucionalmente aptas e possíveis. Não há, nesta matéria, segundo a norma, qualquer que seja a sua sorte e o seu norte, nenhuma directriz constitucional quanto ao modelo de organização política europeia que Portugal deve empenhadamente defender - salvo, evidentemente, quanto à sua democraticidade e respeito pelas prerrogativas soberanas e inalienáveis, sem as quais Portugal (que é o sujeito desta norma candidata) deixaria, de o ser por ter deixado de existir como Estado soberano. Sem o respeito pelas nossas prerrogativas soberanas deixaríamos, em bom rigor, de poder falar de Portugal. E sucede que Portugal é o princípio e o fim desta norma e é também a única coisa determinada e precisa, como sublinhei há pouco, que nesta norma existe. Tudo o mais é uma nebulosa de indeterminação complacente, filha de um filoeuropeísmo susceptível de mil interpretações, todas legítimas.
Não é, portanto, da dissolução de Portugal como pátria que esta norma trata, nem da dissolução de Portugal num mosaico contextuai europeu alargado, com uma largueza que, de resto, não somos capazes de futurar. A reunião a que aludi há pouco da Conferência de Segurança e Cooperação Europeias, que encerrou com assinalável êxito há dias em Viena, teve ocasião de, como é público, propiciar acordos que se traduziram em desenvolvimentos bastante extensos e significativos de muitos aspectos da Acta Final de Helsínquia - abrangendo desde questões de desarmamento até compromissos de cooperação económica, científica técnica e, mesmo, o desenvolvimento dos direitos do homem. Curiosamente, tudo isso foi debatido e aprovado, tendo em atenção que a área a ser objecto de futuras negociações em matéria de desarmamento é uma área que vai do Atlântico aos Urais, incluindo os territórios insulares, precisamente.
É nessa óptica alargada e é dessa Europa alargada que os europeus que todos somos, e que estivemos na Conferência de Segurança e Cooperação Europeias, falamos neste preciso momento. E é positivo que assim falemos neste momento e que o façamos num contexto em que a União Soviética decidiu reduzir unilateralmente os seus efectivos militares, tanto na Europa como na Ásia, dando assim expressão à construção da casa comum europeia, na expressão de Gorbatchov. São gestos de paz, de significado inequívoco e generalizadamente reconhecido. De tudo isto se fala neste preceito, em termos que são susceptíveis de muitas leituras.
Em suma, Sr. Presidente, que é este preceito? Aparentemente é uma janela para um futuro cujos contornos não são definidos e para uma Europa que não está desenhada. Essa Europa constará de um mapa imaginado e imaginário, que constitucionalmente não terá recortadas rigorosamente as fronteiras que se desejam captar, por fidelidade ao real ou ao sonho.
Teremos, pois, na Constituição um padrão com o nome Europa perfeitamente legível, mas legível diferentemente, consoante as visões do mundo e dos sistemas que cada um tenha, variável consoante os tempos e os resultados das mudanças que neste limiar do próximo século poderão transformar a Europa, desejavelmente, em casa comum, ou, se prevalecessem outras concepções, a manterão dividida em matérias em que deveria estar unida.
Aguardamos com uma certa curiosidade que surjam outros textos - se é a vossa ideia -, porque nos parece que esta malha, de tão larga, de tão indefinida, de tão nebulosa, contrasta um pouco com as vossas teorias e com as vossas concepções sobre o que deve ser uma norma constitucional, tal qual aqui foram expressas.
O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães não trouxe verdadeiramente nada de novo ao debate que já tinha sido travado na primeira leitura e onde revelou uma certa alergia do PCP a uma norma deste género, tentando encontrar, em tudo, conceitos vagos e indeterminados e tentando talvez determinar conceitos que não podem ser determinados com a extensão e o âmbito com que o Sr. Deputado José Magalhães o fez.
Na realidade, explicitámos que o sentido da nossa proposta era o de a Constituição, no seu artigo 7.° - relações internacionais -, conter uma nota distintiva da projecção europeia de Portugal, a par com valores, igualmente estimáveis para nós, no plano das relações internacionais, como os valores da independência nacional, do direito à autodeterminação, da segurança e da cooperação, da reafirmação dos compromissos internacionais e até tradicionais quanto às formas de resolução dos conflitos e das especiais relações com os países africanos. Entendemos que este conspecto de enquadramento de Portugal no mundo ficaria insuficientemente contemplado pelo artigo 7.° da Constituição se não houvesse uma referência à Europa. E não quisemos, propositadamente, espartilhar essa projecção europeia de Portugal numa referência concreta a nenhuma organização internacional ou supranacional no âmbito europeu, porque entendemos que a vantagem do preceito é exactamente a sua polissemia, é exactamente o seu carácter aberto e o facto de recobrir, nessa nota