23 DE FEVEREIRO DE 1942 265
O exame dos diferentes capítulos de receitas e despesas e a apreciação dos variados sectores da administração são orientados por espírito de crítica minuciosa, mas invariavelmente construtiva, revelando um esforço de útil colaboração desta Assemblea Nacional com o Governo, expresso na série de alvitres oportunos e inteligentes, constantes do parecer, para que a obra do Estado Novo se amolde cada vez mais às conveniências legítimas da Nação e se atendam, tanto quanto possível, todas as aspirações justas.
No parecer agora apresentado sobre as contas do ano de 1940 aparecem estudos originais, entre os quais avulta o que desenvolve o importante e fundamental tema da «propriedade rústica», que continua a ser o campo de labor de mais de metade da população portuguesa.
Foca-se, numa série de números paciente e inteligentemente colhidos, a sua distribuição irregular nas diferentes regiões, salientando-se a sua pulverização ao norte do Tejo, com excepção da Beira Baixa, e, ao sul daquele rio, no Algarve. A contrastar com aquela nota de minimifúndios aparecem os latifúndios alentejanos, onde a área média dos prédios rústicos chega a atingir, como se verifica em Alcácer do Sal, 51 ha,7.
Devo notar que na região minhota os graves inconvenientes apresentados no parecer, como resultante da grande divisão da propriedade rústica, são atenuados ou suprimidos pelo agrupamento de variados prédios com diversas aptidões em casais.
Trata-se do agrupamento económico adaptado a absorver o trabalho da família, que ali colhe o preciso para se sustentar e a renda que paga ao senhorio. Mas como o trabalho familiar não basta para certos granjeios de maior vulto, recorre-se então aos vizinhos, que nunca faltam, antes acodem em ar festivo, para que resultem eficazes todas as manifestações de solidariedade, que muito embelezam e valorizam o trabalho colectivo, tam frequentemente realizado nas aldeias.
O casal vem de muito longe, do tempo em que as terras eram emprazadas por conventos e senhores, em lotes apropriados às diferentes culturas, sem faltarem as que produziam mato para os estábulos, que depois fertilizavam os campos, e as matas que davam lenha para a lareira e madeira para as construções.
A sua área variava com a produtividade do terreno; somada a superfície dos campos de lavradio, bouças de mato e outros prédios orçava por 5 hectares a sua média, com capacidade de produção para pagar a renda de quatro carros de cereais e de feijões, a que se juntava o vinho, do qual dois terços cabiam ao senhorio, algum azeite, fruta, linho, galinhas, etc.
Geralmente o casal sustenta uma junta de bois, a que geralmente se adiciona alguma vaca, um ou dois porcos, etc.
Em certas regiões disfruta o direito à moenda da respectiva fornada, em velhos moinhos a água ou a vento, f. acontece, embora raramente, aproveitar as vantagens de alguma pesqueira.
Junto da costa, onde os matos escasseiam, é o mar que fornece grande parte dos fertilizantes, que os lavradores ali vão colher, geralmente constituídos por sargaço e pilado.
Noutras eras os casais beneficiavam das lições sobre agricultura recebidas nos mosteiros, sobretudo beneditinos, que constituíam autênticas escolas agrícolas, como geralmente os passais preenchiam as funções de escola primária, em que a missão do professor era desempenhada pelo pároco.
Havia casais de maior área, embora pouco frequentes, capazes de sustentar duas juntas de bois.
Na minha opinião esta fórmula tam antiga ainda se adapta às exigências económicas presentes.
Em muitos casos beneficiariam de uma fórmula de emparcelamento de glebas que não prejudicasse o equilíbrio das diferentes culturas e de melhor distribuição de águas de rega e de lima, para o que seria recomendável a generalização, até à propriedade média, das vantagens financeiras e técnicas da lei dos aproveitamentos hidroagrícolas, mas deixando-se sempre a iniciativa das obras e a sua administração aos povos rurais, porque não deixariam de concorrer gratuitamente para que o seu preço não resultasse incomportável, como infelizmente se tem verificado em obras recentemente realizadas pelo Estado.
Se ao que fica exposto se juntasse uma política de créditos a juro muito baixo e longa amortização para nitreiras e silos, se facilitassem calagens e outras correcções de que a terra está geralmente carecida e, ainda, se fosse intensificado o fornecimento de boas sementes e de fruteiras, tudo acompanhado da indispensável assistência técnica, os casais voltariam a constituir o tipo ideal da lavoura para fixação de famílias.
Mas importa também que a vida rural não seja perturbada com tabelamentos excessivos de géneros, que não deixam margem para um nível de vida razoável, que os roubos sejam reprimidos por eficaz policiamento rural e ainda que a burocracia deixe em sossego as actividades rurais, para que o trabalho possa prosseguir na faina dura e perseverante donde sai a alimentação pública e grande parte das receitas do erário.
Sobre a urgência da electrificação rural e a necessidade, cada vez mais instante, de se tornar possível e eficaz a instrução primária, não dissertarei, mais uma vez, Sr. Presidente, neste momento, porque muito tempo já tenho tomado à Aseemblea sobre tam importantes temas e mo meu projecto de lei sobre o Casal da Escola, publicado no Diário das Sessões, o problema da instrução rural é abordado com algum desenvolvimento.
No douto parecer da nossa comissão de contas afirma-se, logo de entrada, a conveniência de se fazer o cômputo das cobranças totais do Estado, Fundo de Desemprego, organismos corporativos e autarquias administrativas, a fim de se avaliar o total da carga tributária.
Louvo esse oportuno alvitre, porque já constitue lugar comum afirmar-se que o contribuinte português paga pouco. E se, simultaneamente, inquiríssemos do valor das ofertas para fins de assistência, para melhoramentos rurais e outras obras de alcance colectivo, ofertas expressas em dinheiro, em diversos valores e precioso e devotado trabalho, chegaríamos à conclusão de que os portugueses, ou por força das diversas leis tributárias, ou por obediência a variadíssimas e quási sempre dispensáveis exigências burocráticas e, sobretudo, mercê da sua incomensurável generosidade, continuam a contribuir com avultada cota parte dos seus rendimentos, do seu capital e do seu trabalho para as despesas do Estado e prosperidade da Nação.
Contudo, importa não esquecer, como afirmei desta tribuna, ao pronunciar-me sobre a proposta de lei relativa aos lucros extraordinários de guerra, a- mentalidade muito particular dos portugueses em matéria fiscal, pois vexa-os toda e qualquer devassa, embora não ignorem que o cálculo presumível dos lucros, sempre orientado por indicadores infalíveis, terminará por contribuí-lo com o que é devido ao Estado e, muitas vezes, com mais do que seria razoável.
Para é a página das Contas Gerais do Estado, bem como do notável parecer da nossa ilustre comissão, que não atraia a nossa atenção para nos convidar ao seu bem merecido estudo e correspondente apreciação crítica, quási sempre para aplaudir.
Reconheço, porém, que devo ser breve, razão por que terminarei com algumas apreciações sobre o que muito