23 DE FEVEREIRO DE 1942 261
Nestas condições, estão em discussão as Contas Gerais do Estado relativas à gerência do ano de 1940. Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.
O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: o artigo 91., n.º 3.º, da Constituição Política declara competir à Assemblea Nacional o «tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se este as tiver julgado, e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação».
Vai esta Assemblea Nacional tomar as contas do ano de 1940, e, uma vez mais, o vai fazer sem que essas contas lhe sejam apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, elementos valiosíssimos, cuja falta não pode deixar de ser anotada, muito sendo para desejar que os serviços daquele alto organismo do Estado conjuguem os seus esforços com os dos serviços d» Direcção Geral da Contabilidade Pública, por forma a ser dado cumprimento àquele preceito constitucional.
E, em tal sentido, não deve também deixar de ser relembrada a promessa, já por mais de uma vez feita, da publicação de um novo regulamento geral da contabilidade pública, cuja necessidade de actualização há muito tempo já se verificou.
O nosso direito privado exige que a administração do certas sociedades, confiada a uma direcção, seja fiscalizada por um conselho fiscal, e é o relatório daquela, sempre acompanhado do parecer deste conselho fiscal, que é sujeito à apreciação da respectiva assemblea.
E se aí se exige, e muito bem, a existência de um órgão de fiscalização directa (e as tendências actuais o desejam até de natureza técnica), por maioria de razão muito é de desejar que um órgão idêntico, e até de mais largas funções, exista e actue não só na fiscalização mas também na decisão a tomar sobre as Contas Gerais do Estado.
Apesar, no entanto, da falta apontada, há que toma. as contas, e, deixando de considerar a parte técnica, tanto mais que nas Contas não surge qualquer indício que denote haver afastamento de preceitos legais, limite-mo-nos a apreciar alguns dos seus aspectos de natureza política e administrativa, pois, como diz o muito ilustre e douto relator do parecer, Sr. Deputado Araújo Correia, c ainda é possível louvar ou criticar o dispêndio ou a utilidade de uma ou outra verba».
E ao seu voto de ser bem de desejar que o cômputo das cobranças totais do Estado, dos corpos administrativos, do Fundo de Desemprego e dos organismos corporativos se faça de modo a poder ser fixado o total da carga tributária, venho aqui explicitamente juntar o meu voto, pois tal prática orçamental é a que ensinam os grandes mestres, e sem dúvida a que está no espírito da lei, como resulta do artigo 63." da Constituição e dos trabalhos preliminares desta.
De novo se me afigura necessário lembrar aqui a imperiosa necessidade da coordenação e consolidação das íeis fiscais, devendo o Governo, sem perda de tempo, mandar proceder à compilação e reforma de todas as disposições vigentes e reguladoras dos seus respectivos rendimentos, taxas, contribuições e impostos, no sentido de estabelecer a sua simplificação, procurando estabelecer em um só diploma todas as normas que rejam e regulem cada uma dessas fontes de receita.
E que, como já em velhos tempos se dizia, por já serem muitas as leis, pela multiplicação delas se recresciam continuamente muitas dúvidas e contendas.
Sr. Presidente: entrando a apreciar o que respeita tis receitas, e na impossibilidade de uma análise mais larga, há que anotar, desde já, o facto, assaz importante, de serem satisfeitas despesas extraordinárias, de elevados montantes, por força de receitais ordinárias.
Para o seu pagamento não lançou o Governo mão de empréstimos, como poderia fazê-lo, o que viria elevar o saldo positivo das contas a cerca de 240:000 contos.
No momento que estamos atravessando é no. entanto de apresentar, até para efeitos de deflação, a idea de obter, por meio de dívida flutuante, os suprimentos necessários que menciona e autoriza o § único .do artigo 67." da Constituição.
Merece a contribuição predial, que produziu a mais elevada verba das receitas, uma menção especial, analisando-se sobretudo a parte rústica, onde surgem certas disparidades dignas de nota, visto que demonstram ser muito desigual a carga tributária entre certas regiões do Pais.
Assim é que, arcando o distrito de Braga com o mais elevado peso, de 34$80 por hectare, o distrito de Beja apenas paga o mínimo de 7$30 por hectare.
É que no distrito de Braga o rendimento colectável, por hectare, é de 239$50, quando no distrito de Beja não passa de 49$00.
Tais números não podem deixar de levar a pensar nos problemas básicos das mais importantes contribuições e impostos, quais sejam os problemas das matrizes prediais e os problemas do cadastro.
As matrizes prediais nasceram já com manifestas insuficiências, e com injustas desigualdades e disparidades de região para região, e até de prédio para prédio.
Certas insuficiências ainda poderão ter-se remediado ulteriormente, embora seja vulgar ser tam difícil obter a identificação de alguns prédios que só à sorte lhes é dado um dos irreconhecíveis artigos inscritos.
Mas onde nada se remediou e, antes, onde tudo se foi tornando pior foi nos rendimentos colectáveis inscritos, que já .a princípio, em situações de injustas proporções de valores, viram tais injustiças sucessivamente agravadas pelos processos de correcções matriciais feitas singelamente pela aplicação de factores.
Só a inspecção directa pode pôr cobro a tais injustiças, mas inspecção directa feita em globo, metodicamente e com as demais garantias do cadastro, e não inspecções directas isoladas, que tantas e tantas vezes só têm servido pura agravar as disparidades já existentes.
Urge activar, Sr. Presidente, os serviços dos levantamentos cadastrais e tratar da conservação do cadastro dos concelhos que já o têm, e evitar também que andem ainda hoje dispersas por vários Ministérios verbas destinadas a levantamentos, cuja. centralização se impõe no Instituto Geográfico e Cadastral.
O número de prédios rústicos inscritos nas matrizes, no continente e ilhas, era em 1940 de 11.587:543.
Comparando esse número com o número de prédios rústicos que existiam no amo de 1916, de 11.358:659, vê-se ter havido um aumento, neste período, de 128:884 prédios.
^Acaso .se poderá considerar este elevado número de novos prédios rústicos como inscrições de prédios omissos?
Por forma alguma. Tais prédios foram, na sua grande maioria, (resultantes, de partilhas e divisões de outros prédios já inscritos, continuando assim a verificar-se uma extrema divisão e parcelamento da propriedade rústica, absolutamente antieconómica e anti-social.
É que o minúsculo prédio assim existente nada já interessa à produção agrícola, é parcela, encravada, língua de terra insidiosa que um mau vizinho obstinadamente mantém, e donde tantas vezes surgem os males e doenças que vão atacar as culturas dos vizinhos diligentes e cuidadosos.
É sobretudo no norte do País que a propriedade se acha mais dividida, mas não deixa de interessar ver até que ponto vai já hoje o extremo parcelamento da