108 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
tagiosas. Assim se fará também, como ficou visto, profilaxia antituberculosa e luta contra a heredo-sífilis. O grande ataque contra a tuberculose não pode iniciar-se ao mesmo tempo, não só pela regra prática de dividir os problemas para mais facilmente os resolver, mas também porque essa luta não pode travar-se com eficácia sem preventórios, sanatórios e hospitais. Assim, o plano preveria a construção destes e a manutenção de tudo o que hoje existe de assistência aos tuberculosos; e emquanto se atendia sobretudo à maternidade, à infância e ao perigo infeccioso, favorecia-se de preferência a iniciativa privada para o progresso da acção antituberculosa, na qual o Estado se empenharia também à medida que dispusesse de armamento e pudesse, sem inconveniente, sobrecarregar com novas tarefas a estrutura dos serviços sanitários existente.
Convém de facto poupar, respeitar e estimular a iniciativa privada em matéria de assistência. Embora nela se pratiquem muitos erros, por falta de orientação, sentimentalismo não esclarecido, vaidades pessoais, favoritismos..., a verdade é que a iniciativa privada é engenhosa na invenção e aplicação de novas fórmulas, tem maior liberdade de movimentos, conquista mais facilmente o coração e a bolsa dos filantropos e a generosidade do público, revela extraordinárias vocações e dedicações. Se há concorrência à sua própria acção que ao Estado convenha favorecer e desejar, é na prática do bem: e para isso a regulamentação deve ser reduzida ao estrito, a inspecção deve ser mais orientadora que fiscal e importa não embaraçar os particulares com peias e formalismos burocráticos.
Liberdade de iniciativa, sim. Mas não pode ficar dependente dos seus caprichos a resolução de grandes problemas nacionais. O Estado tem de governar - mareando os sectores da acção, empenhando-se com todas as veras na realização dos objectivos mareados e até solicitando o concurso das instituições privadas existentes e distribuindo-lhes o papel a desempenhar em cada uma das suas campanhas.
Êste problema da acção do Estado e dos particulares lia assistência social tem, porém, dois aspectos perfeitamente distintos: um, o da iniciativa; outro, o da realização das iniciativas, isto é, o da prateia da assistência. Uma cousa é começar, mandar, orientar, outra é executar por sua conta e risco em todos os aspectos e pormenores.
Serviços públicos de assistência social ou estabelecimentos privados?
44. A leitura das bases do capítulo I da proposta de lei parece levar-nos à conclusão de que o Governo não quere, por princípio, demitir-se da iniciativa em matéria de assistência social: o que pretende, sim, é reduzir ao mínimo o número dos respectivos serviços públicos. Quando se fala de «iniciativas particulares» quere-se dizer quási sempre «estabelecimentos ou obras de assistência privada».
Examinemos este aspecto da questão.
A base III exclue logo da regra de que os serviços de assistência devem de preferência ser privados - «os serviços de sanidade geral e outros cuja complexidade ou superior interesse público aconselhem a manter em regime oficial».
Efectivamente os serviços da saúde pública nos países latinos, e, portanto, no nosso, têm sempre sido (e não se vê maneira de deixarem de ser) de administração directa do Estado e das autarquias locais, embora aceitando ou permitindo o concurso dos particulares.
E além da estrutura essencial desses serviços hão-de também ser de administração directa outros relativos a aspectos especiais da sanidade ou com eles intimamente ligados.
No nosso País, se grande número de hospitais locais é administrado por particulares, só uma organização nacional importante se deve à iniciativa privada e se manteve como associação de direito privado - a Assistência Nacional aos Tuberculosos. Mas quem a fundou era rainha e, portanto, em condições de agregar muitos esforços e de remover muitos obstáculos, apesar do que a obra não pode hoje desempenhar-se pelos seus exclusivos meios da enorme tarefa que lhe cabe.
Não se esqueça, porém, que desde 1479 está assente em Portugal que a assistência hospitalar constitue dever fundamental do Estado. Foi nessa data que El-Rei D. João II, verificando não ser satisfatória, em quantidade de beneficiários e na qualidade dos serviços, a assistência prestada pelos numerosíssimos hospitais privados existentes em Lisboa, suplicou e obteve do Pontífice autorização para reunir as rendas deles (na maioria provenientes de pias fundações) e com elas construir e um amplo e solene hospital dos pobres», que veio a inaugurar-se em 1501 com o nome de Hospital Real sob a invocação de Todos-os-Santos e de onde descende o actual Hospital de S. José.
O facto de o Estado ter o dever de chamar a si - na falta de estabelecimentos privados suficientes - a instalação e o funcionamento de centros de saúde, enfermarias, maternidades e hospitais não quere dizer que os administre depois em regime de centralização. ÏJ ponto que voltará a ser versado.
Aparte os serviços de sanidade geral, ficam os serviços chamados de «assistência pública» - gestão e orientação de creches, asilos, recolhimentos, etc.
São conhecidas as críticas feitas à administração pública desses estabelecimentos.
Começa pelo seu elevado custo, pois por vezes as despesas são tam avultadas, comparadamente com as de estabelecimentos privados do mesmo tipo, que se chega a falar em delapidação.
Aqui cumpre todavia observar que nas comparações tem de haver todo o cuidado: há que ver quais as verbas mais onerosas e, se forem as respectivas à alimentação, vestuário, educação e alojamento dos internados, atender a se o estabelecimento privado que se tomou como paradigma tem um bom nível. Conhecem-se estabelecimentos privados de honrosas tradições que, por pobreza, economia ou concepção do que seja a assistência educativa, reduzem o padrão de vida dos seus pupilos ao que eles teriam no seu meio pobre e desconfortável. Ora se não devem tratar-se como ricos os filhos dos pobres, não é desperdício nem vício dar-lhes habitualmente passadio que os livre dos males comuns à infância desprotegida e os habilite a lutar na vida bem apetrechados de alma e corpo.
Mas de facto a assistência pública é, muitas vezes, demasiado cara por excesso de pessoal e má administração. Os estabelecimentos de assistência sempre foram considerados por certos políticos como destino de eleição para colocar afilhados, e com este fito alargavam-se quadros e subiam-se vencimentos. Casos houve em que se gastava mais com os funcionários do que com os internados.
E que funcionários! Recrutados sem nenhum cuidado, por simples favoritismo político, não se cuidava nem da sua idoneidade moral, nem da sua preparação profissional, e muito menos da sua vocação para tam melindroso mester. Tratava-se de uma burocracia como outra qualquer. Os funcionários consideravam-se senhores e principais beneficiários (às vezes nào sem razão) dos estabelecimentos que deviam servir. Assim se anarquizaram estabelecimentos educativos da assistência pública, onde, salvo raras e honrosas excepções de alguns