20 DE FEVEREIRO DE 1944 109
funcionários, se chegou a extremos de corrupção, a que naturalmente, os educandos não ficavam alheios.
Este sombrio panorama pertence já ao passado. Mas pode-se aceitar que o germe do mal assim tam danosamente desenvolvido esteja no sistema da administração directa dos internatos pelo Estado.
É uma concessão que não envolve, porém, condenação definitiva do internato público. Porque males da mesma espécie e gravidade podem revelar-se em estabelecimentos da assistência privada administrados por pessoas pouco esclarecidas, negligentes ou sem escrúpulos, e há estabelecimentos de assistência pública que sempre se puderam apresentar como modelares.
Em última análise vai-se ter sempre ao mal primeiro e comum das nossas infelicidade: a falta de educação moral e cívica das próprias classes dirigentes.
Nos estabelecimentos de assistência privada, porém, é menos provável a produção de certos inconvenientes contra os quais o Estado tem sempre de estar em guarda: gerem-nos pessoas devotadas, que voluntariamente, por caridade, se interessam pela sorte dos outros e põem ao serviço destes a experiência e competência adquiridas na administração dos próprios bens o a nas suas actividades profissionais.
Por isso a proposta se orienta no sentido de, sempre que possível, o Estado entregar os estabelecimentos públicos a particulares juntamente com os subsídios necessários para a mantença.
É doutrina já consagrada na legislação vigente, como se vê do decreto-lei n.º 31:666, de 22 de Novembro de 1941, artigos 3.º e 11.º, que mandam converter os estabelecimentos oficiais de assistência em particulares e prevêem os subsídios de comparticipação nas despesas.
Esses subsídios todavia não podem deixar de ser proporcionados aos encargos impostos. A economia no auxílio pode reverter em enorme prejuízo, quando a tarefa cometida pelo Estado às instituições particulares seja tam grande e os recursos facultados tam pequenos que a obra sossobre debaixo do peso suportado, perdendo-se aquilo que ela tenha conseguido fazer de útil em tempo anterior à honrosa missão recebida e frustrando-se todas as intenções e todos os objectivos - com prejuízo final dos necessitados.
Se o Estado chama os particulares com a intenção reservada de gastar pouco dinheiro para fazer aquilo que já vira ser difícil e caro, corre-se o risco de essa pseudo-homenagem às virtudes da gestão privada a comprometer, desacreditando-a e fazendo esmorecer as boas vontades e iniciativas dos particulares.
É mais fácil o Estado esforçar-se por trabalhar bem do que imiscuir-se no trabalho alheio a título de o ajudar.
Em resumo a Câmara Corporativa julga que ao Estado pertence a iniciativa da assistência social em tudo o que importe ao interesse da Nação, tendo em conta as possibilidades e oportunidades; mas quanto à administração e direeção dos estabelecimentos de assistência por ele fundados é de admitir, sempre que possível, a colaboração de associações ou institutos particulares que tomem conta das obras e as sustentem com subsídio público.
Os particulares na assistência social
45. Vê-se quanta importância se dá na proposta a colaboração dos particulares no desenvolvimento do plano da assistência social - quer admitindo e respeitando as suas iniciativas e deixando-as desenvolver, quer confiando-lhes a própria administração de estabelecimentos fundados pelo Estado, quer prevendo o sen fomento por meio de subsídios.
É orientação inteiramente de aplaudir. Mas é preciso evitar que tam excelentes intenções venham a ser frustradas na prateia e estudar o modo de conciliar a animação da assistência particular com a imprescindível necessidade de coordenação e elaboração de todos os meios.
O particular em Portugal intervém na assistência por motivos muito variados: fé religiosa, consciência moral ou cívica, generosidade de índole, simpatia pessoal por certa obra ou por certas pessoas que a empreenderam, simples vaidade ou gosto de ostentação ... E se os resultados de causas tam variadas vêm, a final, a ser benéficos, preciso se torna não proceder de modo a fazer retrair os gestos que os produzem.
Depois, uma vez na gestão da obra, o particular quere ter a sua autonomia - na gerência financeira como nos critérios de orientação da assistência. E se a primeira em regra é útil, a segunda é muitas vezes prejudicial. Tem de se proceder com cautela, porventura proponde regras de intercolaboração e reservando certos benefícios legais e subsídios só àquelas obras que aceitem e pratiquem tais regras.
Na fixação dessas regras não pode proceder-se levianamente ou teoricamente no remanso de um gabinete, onde só tenham voto funcionários e um ou outro conselheiro privado: há que ouvir primeiro e com largueza a todos, e submeter depois as normas a um período de experiência, durante o qual se esteja atento às indicações da prateia e pronto a aceitá-las sem obstinação.
Em todo o caso, essas directivas devem ser suficientemente largas para, embora assegurando uma eficaz colaboração, permitir que cada obra desenvolva livremente a sua técnica (se a tiver) e afirme o seu espírito.
O respeito das actividades particulares implica sobretudo o reconhecimento do direito de guardar segredo acerca dos pormenores relativos a cada pessoa ou família assistida e, portanto, a inviolabilidade do seu ficheiro privativo.
Não só, por motivos óbvios, o inquérito familiar deve ser feito pela obra assistente, como lhe ficam pertencendo os dados colhidos em tudo aquilo em que a confidência se imponha! De resto um bom trabalho de inquérito pressupõe a divisão dos aglomerados em pequenos núcleos e a atribuição de cada sector a assistentes próprios, para se não perder o contacto humano que a centralização burocrática inevitavelmente destrói.
Isto não impede - e até impõe - a existência de ficheiros centrais em cada localidade, índices informativos, de onde apenas constam dados elementares e que se destinam a facilitar a coordenação das diversas obras, a permitir a repressão dos abusos dos assistidos (casos frequentes de a mesma pessoa beneficiar simultaneamente de duas, três e mais obras da mesma índole) e a fornecer dados para as estatísticas e estudos sociais.
Por estas razões a Câmara não julga mesmo aconselhável a fórmula excessivamente centralista do Centro de Inquérito Assistencial criado em Lisboa pelo decreto-lei n.º 31:666, de 22 de Novembro de 1941, artigo 6.º, em relação à própria assistência oficial, pois desse divórcio entre a visitação e os núcleos de acção resulta perderem-se algumas das maiores vantagens que, sobretudo na assistência sanitária, resultam do inquérito familiar.
Claro está que este inquérito concebemo-lo como visitação de serviço social, entendido como atrás se definiu - e não como indagação inquisitorial destinada a fiscalização, indispensável, mas melindrosa.
Reconhecendo em princípio o valor da iniciativa e da gestão privadas, a Câmara não vai, porém, até ao ponto de as considerar necessariamente principais no domínio da assistência social e de reduzir de facto a intervenção pública a mero papel secundário.
A obra a levar a cabo é de tal vulto que se torna patente a escassez de forças dos particulares para a reali-