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90 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

Procurando as causas desta diferença, acrescenta o Dr. Monteiro Pereira: e... emquanto as crianças alemãs, francesas e portuguesas de A Voz do Operário têm nas suas escolas cantinas escolares, que lhes fornecem uma refeição complexa, com boas albuminas, gorduras, hidrates de carbono e vitaminas, as crianças rurais não beneficiam desta instituição. São geralmente oriundas das classes pobres e em casa comem sobretudo pão e raríssimas vezes um pouco de albuminas se boas gorduras. Com esta falta de alimentos plásticos o seu crescimento, a sua construção, não pode deixar de ser precária e insuficiente.
No que diz respeito ao peso, os resultados comparativos são semelhantes e derivados das mesmas causas. As crianças alemãs são, no entanto, um pouco mais pesadas que as dos outros grupos e isto é que pode representar uma característica de raça, visto que as dos grupos francês e português de Lisboa têm o peso correspondente à altura e idade» (p. 96).
Resta acrescentar que nem só a Sociedade A Voz do Operário mantém cantinas nas suas escolas primárias. A Obra das Mais pela Educação Nacional tem a seu cargo cantinas em Lisboa e Porto, que em 1940 beneficiaram 1:613 alunos com perto de 100:000 refeições.
E ainda muito pouco (Desse ano matricularam-se no ensino primário oficial em todo o País 530:000 crianças). Outras cantinas, muitas de iniciativa particular, forneceram 900:000 refeições gratuitas a 7:500 crianças em todo o País (Anuário Estatístico, 1940, pp. 112 e 104).

Órfãos e abandonados

15. Até aqui tem-se tratado sempre das crianças normais com família. Vamos agora tratar das crianças normais sem família ou cujo meio familiar seja prejudicial à sua educação.
Na verdade as hipóteses a considerar são várias:
a) Criança órfã de pai e mãi;
b) Criança órfã de mãi, sem outra mulher da família que dela se incumba e cujo pai trabalhe o dia todo fora de casa;
c) Criança órfã de pai, cuja mãi seja indigente ou careça para viver de trabalhar continuamente fora de casa, sem família a quem deixar os filhos;
d) Criança abandonada pelos pais;
e) Criança abandonada por um dos pais, vivendo com o outro nas circunstâncias acima referidas para a orfandade, em termos de não poder ser educada por aquele com quem vive;
f) Criança que convive com os pais num ambiente familiar malsão (prostituição, crime, embriaguez...).
Tirando a hipótese e), em que a solução ideal será a de proporcionar à mãi trabalho razoavelmente remunerado no domicílio, de maneira a permitir-lhe ganhar a vida e tratar da casa e dos filhos (o que se não consegue com salários irrisórios), em todos as outras não se pode contar com a colaboração familiar na empresa de salvar as crianças para uma existência útil e digna.
E esse é que deve ser o pensamento dominante numa política de assistência infantil.
Havendo família, impõe-se conservar a criança no seu meio familiar, ajudando por todos os meios os parentes a cumprir o seu dever, quer por meio de subsídios, quer por assídua colaboração de visitadoras ou assistentes sociais.
Por isso, se no caso de orfandade a criança tem parentes próximos, há que procurar obter que estes a aceitem de boa vontade, subsidiando-os se tal for preciso; mas a imposição forçada da criança a pessoas que a não amam nem querem seria uma violência de que a criança viria a constituir a maior e mais infeliz vítima.
Se não há família, se esta não quere tomar conta da criança, ou é moralmente incapaz de educá-la, então não existe outra solução senão a de os organismos de assistência tomarem conta dela.
Quanto às crianças lactantes, pode adoptar-se uma de duas fórmulas: a colocação em amas no campo ou a reunião em ninhos.
A colocação em amas exige a prévia educação destas, para que não se trate apenas de uma indústria exercida sem consciência nem coração. Além disso as amas devem ser frequentemente visitadas por pessoas competentes encarregadas de vigiar a criação dos lactantes.
Há quem preconize a entrega das crianças órfãs e abandonadas, na idade pre-escolar, a famílias rurais que as desejem adoptar ou a isso se prestem mediante subsídio. A caridade da nossa gente de aldeia tem sido muitas vezes posta à prova na adopção espontânea e desinteressada dos órfãos dos vizinhos. Mas são muito raros os casos de famílias dispostas a adoptar crianças quaisquer, procuradas na assistência. E quanto às famílias subsidiadas, o problema é o mesmo das amas: têm de dar garantias de sentimentos de caridade cristã e do conhecimento daquele mínimo de preceitos de higiene infantil e educação individual e social, sem os quais seria perigoso confiar-lhes os homens de amanhã. Essas famílias encontram-se ainda com relativa facilidade nalgumas regiões mas não noutras1.
Para mais fácil orientação e vigilância destas famílias sugeriu-se a sua concentração em localidades determinadas - os centro 5 de colocação. Os perigos da industrialização, porém, aumentam muito neste caso.
Chega-se, pois, à solução do internato: ninho ou asilo. Não se negam os seus inconvenientes de vária ordem, morais (desintegração da criança do meio familiar, o que lhe dará mais tarde a sensação de uma vida diferente da das outras crianças; promiscuidade de crianças de várias origens e índoles; perigos do convívio constante...) e sanitários (grande facilidade de contágios) - sobretudo se o pessoal desses estabelecimentos não for recrutado e preparado com o máximo escrúpulo. Mas é, em muitos casos, a única solução, e os seus inconvenientes podem, senão eliminar-se totalmente, ao menos atenuar-se por via de criteriosa escolha do pessoal e do emprego de bons métodos educativos.
O internamento das crianças nunca deve fazer-se sem prévio inquérito familiar e um período de observação em estabelecimentos existentes nos próprios grandes centros, onde se examinem física e psiquicamente as crianças, pesquisando todas as infecções, doenças e anomalias de que possam ser portadoras e as taras de que sejam vítimas. A admissão ou rejeição das crianças será dependente dos resultados do inquérito e da observação quarentenária.

Crianças com defeitos físicos ou dos sentidos

16. Outro problema é o da assistência às crianças anormais. Seguindo a já clássica classificação de Decroly, vejamos primeiramente o caso dos anormais por deficiência física (marrecos, aleijados ...) ou sensorial (cegos, surdos-mudos ou só mudos).
É sabido que estes deficientes não devem ser confundidos com as crianças normais. Convém logo na infância pre-escolar reuni-los em estabelecimentos próprios, pois quanto mais cedo começar a sua educação especial, melhor: esta precoce assistência pedagógica

1 Ver a defesa desta solução e os resultados da experiência no Porto na comunicação do Sr. Prof. Almeida Garrett: A colocação familiar rural é a melhor forma de assistência à infância desvalida nas publicações do Congresso do Mundo Português, vol. XVII, tomo 1.º, p. 855.