25 DE FEVEREIRO DE 1944 93
Emfim, a profilaxia geral dá os primeiros passos, ordenada nos centros de saúde, faz-se a profilaxia especial de algumas doenças por iniciativa pública ou particular e melhoram-se por acção constante dos municípios as condições gerais de salubridade (esgotos, águas, habitação ...).
Se as realidades não são ainda o que se deseja, as possibilidades são pois consideráveis: com vontade, energia, dinheiro e espírito organizador a campanha nos meios urbanos pode fazer-se depressa.
A assistência módica às populações rurais
22. A situação é diferente nos campos, nos casais dispersos, nas aldeias e até em muitas vilas.
Por muito extraordinário que padeça o facto, a verdade é que (como aliás já tem sido notado) em Portugal há poucos médicos para as necessidades de uma eficaz assistência na doença a todos os portugueses.
Estão presentemente inscritos na Ordem dos Médicos e no exercício da profissão médica no continente e ilhas 4:916 clínicos. Os resultados provisórios do censo da população de 1940 dão para esse território 7.709:425 habitantes.
Há, pois, 1 médico por 1:068 habitantes.
Mas se subtrairmos à população total a das cidades de Lisboa e Pôrto e ao número de médicos os 2:105 que exercem nessas cidades (núcleos exclusivamente urbanos, sem distrito rural), ficamos com 2:811 médicos para 6.745:200 habitantes.
A média corrigida pela eliminação de Lisboa e do Porto dá 1 médico por 2:399 habitantes.
Ora nas Recomendações da Conferência Europeia sobre Higiene rural de 1931, promovida pela S. D. N., foi por unanimidade votado «que o número de pessoas susceptíveis de estar utilmente a cargo de um clínico é, o máximo, de 2:000, entendendo-se que com o desenvolvimento da organização sanitária e as necessidades das populações esse número pode descer até 1:000» (S. 1). N., Organisation d'Hygiène - Recommandations sur les príncipes directeurs de l'assistance médicale, des services d'hygiène et de l'Assainissement dans les districts ruraux, 1931, vol. I, p. 15).
Parece à primeira vista, pois, muito satisfatória a assistência médica em Portugal -; e todavia como as realidades são diferentes! Os médios queixam-se de não ter que fazer e de não ganhar o suficiente, morre gente sem tratamento e o charlatanismo e o curandeirismo grassam em larga escala.
A higiene nas vilas e aldeias é, em geral, tam deplorável que só por milagre da natureza se resiste. Desde 1926 para cá melhoraram-se muitíssimo as condições de salubridade rural, especialmente no que respeita, a esgotos (nas vilas) e a águas.
Mas raro se exerce mais larga acção educativa e profilática.
Vem a doença, e é preciso chamar o médico. De há séculos existem nos concelhos os médicos pagos para assistir os munícipes em geral e os pobres gratuitamente: são os médicos de partido, hoje médicos municipais. Aconteceu, porém, que a incomodidade da vida na aldeia e a exiguidade do rendimento da clínica levou-os, em alguns casos abusivamente, a estabelecer residência na sede do concelho; e que a condição económica modesta da população rural dificulta a distinção entre pobres e remediados para evitai1 que só se faça clínica gratuita de resto, mesmo os que podem fazê-lo sem sacrifício fogem de pagar ao médico: era mais fácil no tempo das avenças em géneros do que agora, em que o dinheiro na aldeia tanto custa a conseguir.
Embora hoje em dia já haja telefone a ligar muitas aldeias às vilas, ainda na maior parte dos casos, quando é preciso chamar o médico, tem de se palmilhar o caminho até à sede do concelho: uma pessoa de família, do doente ou um vizinho encarrega-se do encargo, que representa a perda de algumas horas de trabalho - perda a indemnizar quando de vizinho se trata.
Mas o médico como há-de ir, por êsses difíceis caminhos, de muitos quilómetros às vezes, até à morada modestíssima do doente: Põe-se o problema do meio de transporte, que o doente tem de fornecer ou pagar - ; tudo despesas a acrescer aos honorários da consulta, na qual o médico tem do gastar também muitas horas do seu dia!
Receitados os medicamentos, há que comprá-los na farmácia, geralmente existente também na sede do concelho, e cujo custo elevado é agravado pelo serviço do recoveiro. E Deus sabe como tais remédios são tomados e como o doente é tratado nos intervalos espaçadissimo das visitas médicas, em que a família fica entregue à sua aflição, com fé na Providência e em todos os adjuvantes terrenos que a superstição e a tradição aconselham para suprir a falibilidade da medicina.
Quere isto dizer que antes de mais nada, é necessário facilitar aos médicos o ir ao encontro dos doentes de modo que vivam nu meio das populações rurais, estejam no seu fácil alcance e possam exercer a acção educativa, indispensável sobre as populações.
É um sacrifício para os primeiros médicos que viverem desconfortavelmente - sem convívio, sem os recursos da civilização, sem esperanças de enriquecimento fácil, reduzidos durante anos a extrema modéstia aldea -, mas a verdade é que sem essa vanguarda do exército da sanidade rural não se poderá nunca empreender a campanha. O médico não pode perder de vista o valor social da sua missão e orientar-se exclusivamente no exercício profissional pela idea de ganhar dinheiro.
23. O Código Administrativo vigente esboçou esta política de efectiva assistência médica às populações rurais ao preceituar que:
a) Na sede do concelho só poderá haver um partido médico, devendo os restantes ter por centros sedes de freguesias rurais ou povoações importantes de fácil acesso para as populações a assistir (artigo 145.º, § 1.º);
b) Em cada centro de partido médico rural devera formar-se um posto de socorros urgentes, com os indispensáveis medicamentos e material (artigo 145.º, § 2.º);
c) Os médicos municipais terão domicílio necessário e residência obrigatória permanente na povoação onde fôr fixado o centro do seu partido (artigo 149.º). sob pena de abandono de lugar (§ 1.º);
d) Os mesmos médicos devem visitar, ao menos uma vez por semana, as povoações principais existentes na área dos seus partidos, a fim de aí darem consulta (artigo 150.º, n.º 9.º);
e) Para o efeito de contagem do tempo de serviço a considerar nos concursos para outros partidos médico o período durante o qual o facultativo tenha efectivamente residido em centro de partido rural situado a mais de 15 quilómetros de distância da sede do concelho entra com o aumento de 20 por cento (artigo 638.º , § único);
f) Emfim, aos médicos municipais providos em partidos com centros distantes mais de 15 quilómetros de sede do concelho atribuiu-se um vencimento de 750$, emquanto os demais têm apenas o de 600$ (tabela A. n.º v, anexa ao Código).
Quando se disse que o Código esboçou é porque, efectivamente, estas providencias representam apenas um princípio, uma orientação a seguir e que antes de mais nada cumpre executar rigorosamente contra todos os abusos e contra todos os interesses.