25 DE FEVEREIRO DE 1944 97
tonal, onde as famílias dos doentes vivam em suas essas sob a vigilância médica (Manteigas é típica e para esse modelo tendem Parede1, Belas, Caneças, Lousa, Malveira ...), ou pavilhões de construção simples e barata, sem nenhum luxo, com o conforto suficiente e onde se assegure - mudança de ar, repouso, alimentação e o melhor estado moral que for possível.
e) O sanatório é para o tuberculoso curável, em via de cura; o incurável tem de ser internado em hospitais próprios ou enfermarias especiais dos hospitais distritais. O hospital, de resto, pode funcionar como centro de recolha, classificação e distribuição de todos os tuberculosos.
Mais uma vez, como se vê, a maior importância nesta luta pertence à profilaxia e aos seus instrumentos (centros de saúde ou dispensários), com o respectivo serviço social activo. Esta profilaxia começa logo na protecção ao lactante: o primeiro órgão da prevenção contra a tuberculose é o dispensário de puericultura.
Os sanatórios e hospitais desempenham função capital quanto à separação dos doentes do contacto com os sãos. Infelizmente em Portugal o número de lugares disponíveis nesses estabelecimentos está longe de remediar sequer as necessidades existentes. E o contágio agrava, por isso, cada vez mais a extensão do mal.
Mas há ainda uma importante missão a cumprir pela assistência: é a de adaptar ou readaptar os doentes curados à vida normal.
As crianças tuberculosas atrasam-se na aprendizagem dos conhecimentos necessários à vida em relação às outras da sua idade; os adultos desabituam-se do trabalho e da sociedade por longa inacção num ambiente artificial como é o do sanatório; umas e outros ficam por vezes, em consequência da doença, incapazes para certas actividades profissionais.
O sanatório não pode mandá-los embora, quando clinicamente curados, sem eles terem meio de ganhar a vida - e isto é sobretudo grave nos casos de lesões osteoarticulares tuberculosas.
Impõe-se a criação de escolas para doentes e essas de convalescença tendo anexos centros de recuperação onde se faça a orientação ou reorientação profissional dos curados.
Luta contra o sezonismo
28. Não é o sezonismo das doenças de maior letalidade no nosso País, mas é das que fazem perder mais dias de trabalho à população rural e atingem mais fundo o organismo, depauperando os indivíduos e definhando a raça.
O inquérito realizado em 1933 pelos Drs. Fausto Landeiro e F. Cambournae, sob os auspícios da Fundação Rockefeller1, revelou a extraordinária extensão da doença quer pela existência de zonas infestadas por anofeles quer pela difusão devida aos grandes ranchos de trabalhadores, que vão em épocas de maior carência de mão de obra, sobretudo na cultura orizícola, para as regiões infestadas, onde vivem em péssimas condições higiénicas, impaludando-se e levando consigo a doença para as regiões sãs. Há ainda a contar com muitos impaludados regressados da África e do Brasil e exercendo a mesma acção propagadora.
A campanha anti-sezonátiea é, pois, da maior importância e merece tanto mais atenção quanto é certo que num país como o nosso pode ser um instrumento precioso de saneamento do meio rural e de actuação sobre a grande massa da população agrícola.
Adoptou-se no nosso País, em princípio, a fórmula, com tanto êxito experimentada na Itália, da bonifica integral, produto da fecunda colaboração dos médicos, dos veterinários, dos engenheiros e dos agrónomos. Como lembra o Sr. Dr. Fausto Landeiro (Sezonismo. A luta contra a endemia no ano de 1941, p. 8), a fórmula da bonifica integral corresponde à adição de bonifica humana + bonifica hidráulica + bonifica agrária:
"Bonifica humana. - Protecção aos sãos e tratamento dos doentes até à esterilização parasitária dos seus organismos.
Bonifica hidráulica. - Supressão de charcos inúteis, limpeza e regularização de valas abandonadas de todo e qualquer tratamento, enxugo de pântanos e tratamento por métodos químicos (óleos e verde de Paris) e biológicos (peixes larvívoras, as gambuzias) dos restantes focos anofelígenos impossíveis de eliminar.
Bonifica agrária. - Ensaiada pelos conselhos sobre culturas regadas, de preferência às encharcadas - o arroz -, e estabulação de gados em substituição do regime de pastagem".
O armamento desta campanha compreende:
a) Os dispensários para pesquisa da doença (recolha de amostras de sangue a enviar para análise) e acção profilática e terapêutica (distribuição do quinino), a cargo de visitadoras sanitárias que eduquem a população na protecção antimalárica (por exemplo, generalizando o uso dos meios mecânicos de protecção, como as redes, ensinando os processos da luta antimosquito o antilarva, etc.);
b) Os postos de consulta, onde em dias certos comparece o médico especializado, que percorre uma vasta área a seu cargo numa "ambulancia-laboratório" automóvel - inovação dos serviços anti-sezonáticos em Portugal, de cuja generalização haveria a esperar excelentes resultados para a assistência às populações rurais;
c) As estações, uma em cada zona de luta (correspondendo a extensão das zonas em que se divide o País à intensidade e difusão do sezonismo), onde pessoal médico e auxiliar competente proceda às análises de sangue provenientes dos dispensários e oriente a actividade em toda a região a seu cargo;
d) Um instituto de malariologia para investigação científica e preparação do pessoal necessário à campanha.
Os serviços desta actividade sanitária encontram-se em pleno funcionamento e desenvolvimento, graças à colaboração da Direeção Geral de Saúde, dos Serviços Agrícolas, da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz e da Fundação Rockefeller.
Do relatório dos serviços vê-se que de 1931 a 1941 foram tratados 94:450 indivíduos que seguramente so-
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1 Segundo um inquérito feito em Fevereiro de 1942, pela assistente social D. Maria Carlota Lobato Guerra, aos doentes em tratamento hélio-marítimo na Parede, viviam 68 com suas famílias em casas próprias e estavam 124 internados no Sanatório de Sant'Ana.
Dos 68 que habitavam casa própria eram:
Crianças e jovens ................ 44
Adultos .......................... 24
Note-se que o mês de Fevereiro é um dos de menor afluência de famílias à estância. A partir de Março e Abril o número é muito mais elevado.
Repare-se que a companhia da família nem sempre é factor de bem estar moral, pomo se nota no referido inquérito: "...O doente, ao mesmo tempo que é alvo dos cuidados constantes e das atenções de todos e que se vê tratado com uma condescendência por vezes excessiva, factos estes que desenvolvem nele o capricho e o egoísmo ... ouve em volta de si as constantes lamentações que a sua doença e o subsequente transtorno da vinda para a Parede sugerem à família...".
1 O sezonismo em Portugal, por F. Landeiro e F. Cambournae. Direcção e orientação do Dr. B. B. Hill. Edição da Agência Geral das Colónias, s/d.