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25 DE MARÇO DE 1947 1041

Até agora, como o departamento da saúde pública, mercê exclusiva das suas dotações - quero crê-lo -, não tem podido progredir na medida que seria para desejar, a assistência está cada vez mais sobrecarregada, pelo muito que propriamente lhe compete fazer, e continuará assim por largos anos, estou certa, pois, por muito que se trabalhe no campo da saúde, esse trabalho, de larga projecção futura, é daqueles que só com os anos dará frutos manifestos e compensadores.
O problema da saúde, que no seu aspecto higiénico e profiláctico já por si é muito complexo, ainda se torna mais pelo facto de se encontrar estreitamente ligado ao da assistência social, e ambos eles à educação do povo nos seus diversos graus de cultura e nível social.
Como adiante veremos, não admira, pois, que as soluções tenham de ser morosas, se quisermos que a eficiência da acção que se pretende realizar seja perfeita No campo propriamente da assistência, não regateio ao Governo o aplauso que lhe é devido pela grande e importante obra já realizada; simplesmente, em boa verdade, devo dizer à Câmara que ela está longe de ser completa. A verba consignada à assistência nas Contas Gerais do Estado, neste momento em discussão, carece de ser reforçada, a fim de que essa verba, que hoje quase se destina à manutenção dos serviços existentes, possa permitir que sejam criados outros novos, e forçosamente, Sr. Presidente, há que criá-los, pois é preciso que a assistência não se confine aos grandes centros populacionais, onde, apesar das faltas e deficiências apontadas, a densidade de obras desta categoria já hoje é maior, mas sim que progrida e caminhe até à mais recôndita aldeia de Portugal.
Dentro dos limites das verbas orçamentais de que o Estado dispõe, parece-me que talvez fosse politicamente mais útil (socialmente sê-lo-ia com certeza) fazer o balanço das necessidades do País em matéria de assistência, e acudir-lhes prontamente, gastando com elas - e, se necessário fosse, durante anos - as avultadas quantias destinadas a cobrir despesas que não se impõem por forma tão imperiosa.
Quando, ao subir a Avenida da Liberdade, deparo lá em baixo, nos Restauradores, com o Palácio Foz, inteiramente renovado e em cujas obras se gastaram milhares de contos, e mais acima contemplo a grande transformação por que está passando o antigo Parque Eduardo VII, onde se deverão gastar muitos mais, tenho sempre diante dos olhos aqueles quadros de miséria real que a cada passo se deparam a todos nós è aos quais a assistência nem sempre pode acudir por falta de recursos.
Pergunto-me, por exemplo, se não seria mais educativo, de uma melhor propaganda nacionalista, ver as ruas de Lisboa livres desses pobres aleijados e mendigos que a cada passo nos patenteiam a sua miséria; vê-las sem os cegos que a cada esquina entristecem a cidade com as notas plangentes da sua música e canto e não encontrar, até quase de madrugada, crianças andrajosas a estender a mão à caridade pública; ter sanatórios e asilos suficientes para as necessidades do País e nos seus hospitais haver onde e com que tratar os doentes?
Pergunto-me, repito, se não seria mais educativo, mais humano e de melhor política social?
Concordo que há obras que são necessárias, mas a par dessas gasta-se muito em outras que são supérfluas e é sobre elas que recai a minha crítica.
O supérfluo só pode admitir-se quando haja o necessário, e, em matéria de assistência, ainda estamos longe de o atingir. Há serviços a montar de novo e tantos outros a equipar com os meios indispensáveis para lhes garantir um funcionamento regular!
É bom que o Governo o saiba, para que em futuros orçamentos possa fazer uma equitativa distribuição das suas dotações.
Sr. Presidente: ao falar em serem criados novos serviços, desde já declaro que não sou apologista das pluralidades de obras; refiro-me apenas àquelas cuja lacuna marca uma falta, e uma falta grave, no quadro geral das actividades da assistência portuguesa.
Quando em matéria de assistência se vivem apaixonadamente os seus problemas com o desejo de lhes encontrar a melhor solução, alguma coisa há que impressiona profundamente e que, não obstante as soluções de continuidade existentes no campo das actividades assistenciais, ainda se verifica - até parece ironia dizê-lo -, a sobreposição de obras que, a paredes meias, por vezes, quase se digladiam por quererem fazer a mesma coisa.
Sr. Presidente: infelizmente este facto ainda se verifica, apesar dos estatutos e decretos que criaram institutos especializados para superintenderem em várias das modalidades de assistência a que o Estado carece de prestar o seu auxílio, quer para "valer aos males e deficiências dos indivíduos", quer para melhorar as "condições morais, económicas ou sanitárias dos seus agrupamentos naturais", e para cujo efeito se propõem organizar, coordenar e assegurar o exercício de actividades que a tal conduzam, conforme se vê na base i da lei n.° 1:993, de 15 de Maio de 1944.
Se o que acabo de referir é já grave sob o aspecto social da distribuição de actividades, não o é menos sob o ponto de vista económico e do rendimento social das mesmas obras. Que admira então que o dinheiro não produza os frutos desejados e todos se insurjam contra o Estado, que dá pouco, sem quererem concordar que são as próprias obras que, por vezes, o aplicam mal!
Mas há mais:
Com frequência se encontram grãos de areia que dificultam o andamento da máquina do poder executivo da assistência sempre que se pretende dar um passo para a frente, alargar e unificar serviços em prol do seu melhor funcionamento e proveito para o bem de todos.
Ainda compreendia que entre as instituições particulares e oficiais pudesse haver articulações mal lubrificadas e que, entre elas, entorpecendo-lhes a acção, se encontrasse certo retraimento, filho do infundado receio de que o Estado, esquecendo que a sua assistência é por princípio supletiva, pudesse e quisesse fazer convergir para si a honra de todos os postos de comando; ora, pelo contrário, é precisamente nos sectores do próprio Estado, naqueles que melhor deviam ter a compreensão da grande obra a realizar em comum, onde, com mais frequência, impera com toda a sua força o maléfico espírito de "capelinha", perdoem-me o termo, e é aí que, em regra, se encontram as maiores dificuldades para agir e o menor espírito de colaboração. Poderia apontar a V. Ex.ªs factos concretos, mas limito-me a incriminar a palavra "assistência" como sendo a causa de todos estes dissabores.
Fazer assistência é ainda para muitos, e apesar de tudo que sobre ela se tem dito e escrito, como que um sinónimo do verbo "dar".
Dar e exercer a caridade são obras de misericórdia que, de todos os tempos, sempre atraíram simpatias e reconhecimento à roda de quem as pratica. Talvez por isso todos querem dar... Aparentemente, porque são boas pessoas, bons portugueses, sempre solícitos em acudir à situação angustiosa dos menos afortunados...; na verdade, porém, porque nesta espécie de dádivas, que nunca são ocultas, como o preceitua a verdadeira caridade, se deseja fazer política pessoal, no intuito de