O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

25 DE MARÇO DE 1947 1043

Há, no entanto, alguns pontos que não podem deixar de ser focados e que carecem de resolução urgente. Assim, pensem V. Ex.ªs na pletora de doentes que acorrem aos hospitais e imaginem a tragédia que em cada dia se desenrola à hora da admissão. É um quadro horrível que a miséria pinta com tintas de negras cores, e bem tristes.
Em geral não há camas. Os doentes voltam para casa, sabe Deus com que dificuldade e à custa de sacrifícios de toda a espécie; em geral voltam revoltados, e com razão, falando mal de tudo e de todos, e, o que é pior, vendo agravar-se os seus padecimentos nos dias, horas e meses de expectativa que medeiam entre o seu primeiro contacto com o hospital e o internamento, às vezes até entre aqueles e o simples resultado de um exame ou de uma análise que lhes é necessária.
Esta situação não pode manter-se.
Sacrifique-se o que for preciso, mas resolva-se.
É a saúde do País que o exige, e quem diz a saúde diz o bem-estar e a vida da própria sociedade, que passa a estar em perigo.
Há uma grande catástrofe; tenham V. Ex.ªs a certeza, e felizmente, que aparecem sempre medidas de emergência para socorrer os atingidos. Então por que não hão-de aparecer também para suprir as deficiências dos estabelecimentos hospitalares, que, por não serem tão espectaculosas, não deixam de ser menos graves e até mais extensas é profundas?
Os hospitais não chegam, estão mal distribuídos e vão constituir-se outros novos. Ë um facto, e por ele há que louvar o Governo, que assim irá proceder e nesse sentido já publicou recentes e importantíssimos diplomas, mas entretanto há doentes que necessitam de tratamento e é preciso que não morram ou piorem por este lhes ter faltado a tempo.
Ao meu espírito simplista o problema apresenta-se com uma solução relativamente fácil, e que seria a assistência domiciliária (àqueles doentes cuja vida não perigasse por serem tratados no seio da própria família. A maior parte das vezes os doentes (e nisto refiro-me em especial aos do foro médico) recorrem aos serviços hospitalares por não poderem custear os honorários clínicos, os cuidados de enfermagem e as despesas de farmácia. Se o hospital lhes garantisse a assistência médica è a enfermagem especializada que transcende aqueles cuidados de enfermagem caseira que as famílias estão sempre prontas a prestar e que ninguém como elas é capaz de exercer, muitos prefeririam ficar em casa e sentir-se-iam felizes, por não serem obrigados a deixar os seus e a perderem os carinhos e a vigilância constante dos que lhes são queridos.
Com a facilidade de deslocação que os serviços motorizados permitem não seria difícil que o mesmo médico de clínica geral - ou especialista, quando fosse necessário -, uma enfermeira, com uma ajudante ou simples criada, pudessem ter a seu cargo apreciável número de doentes dentro da zona onde fosse fixado o seu trabalho.
O hospital lá estaria sempre para fiscalizar o serviço efectuado, para receber os casos difíceis ou insusceptíveis, pelo menos temporariamente, de ser tratados em casa, para as doenças infectocontagiosas e para acolher todos aqueles que não tivessem domicílio ou que, apesar de todas as facilidades concedidas, por outros factores não enumerados, não pudessem ou não quisessem ser tratados no seu lar.
Os doentes assistidos em casa estariam em igualdade de circunstâncias com os hospitalizados no que respeita ao direito de beneficiarem dos serviços laboratoriais, radiológicos, de agentes físicos, de farmácia, etc., é, em casos extremos, poderiam até receber do hospital a competente dieta.
Nos meios rurais, ainda tão desprovidos de qualquer modalidade de assistência, quantos benefícios não poderiam colher-se com a organização de um serviço semelhante!
Quando há anos se realizou, no Porto, o Congresso das Ciências da População, tive ocasião de apresentar idêntica sugestão. Nada se fez, e é pena que à Misericórdia de Lisboa também não tivesse sido possível realizar o que a tal respeito se contém no decreto que reformou os seus serviços.
Por ocasião desse Congresso já estavam em curso e continuaram algumas experiências sobre o socorro domiciliário por ocasião do (parto e os seus resultados levam-nos a poder afirmar que esta forma de assistência, além de menos onerosa para o Tesouro, é grandemente apreciada e querida pelo público.
Se se generalizasse ao tratamento de doentes, não deixaria de o ser menos. Os hospitais passariam a ter maior número de camas livres, para os casos em que se impõe o internamento, e não assistiríamos ao espectáculo verdadeiramente anti-humano de negar a possibilidade de recuperar a saúde àqueles que, por riqueza, só possuem esse único bem.
A despesa dos estabelecimentos hospitalares, apesar de a sua capacidade ser insuficiente, como insuficiente é a assistência neles prestada aos doentes, por falta de apetrechamento devido, de 1942 para 1945 tem aumentado consideràvelmente, e a comparticipação nos encargos para sustentar os Hospitais Civis de Lisboa, o Hospital da Universidade de Coimbra, os hospitais das Caldas da Bainha, subsídio de cooperação à Santa Casa da Misericórdia do Porto (para sustentação do Hospital Geral de Santo António) e a outras instituições que mantêm estabelecimentos deste tipo passou de 45:158 contos em 1942 a 69:375 contos em 1945, ou seja, sofreu um acréscimo de 24:217 contos.
É de notar que os médicos que prestam serviço nestes hospitais, nomeadamente nos Hospitais Civis de Lisboa, em pouco ou nada oneram os serviços, pois trabalham em regime de puro voluntariado ou com honorários irrisórios, o que não é justo, pois, embora a medicina deva ser encarada como um sacerdócio, o médico tem de viver e, não podendo fazê-lo penas com o que o hospital lhe dá em troca dos seus serviços, pela força das circunstâncias é obrigado a compensar essa falta procurando ou aceitando outros trabalhos, com manifesto prejuízo daqueles que lhe estiverem confiados e, talvez mesmo, da economia hospitalar, que poderia exigir mais trabalho a um inferior número de médicos se lhes pagasse melhor.
Este problema carece da atenção das entidades superiores, e, se as suas consequências ainda não se fizeram sentir mais duramente, tem sido devido ao grande somatório de trabalho dos médicos voluntários.
Se, por hipótese, os voluntários fossem bruscamente obrigados a suspender os seus estágios nos serviços hospitalares, muitos desses serviços quase ficariam inibidos de atender o público e o primeiro a ressentir-se - podem V. Ex.ªs estar certos - seria o próprio banco de S. José, onde o trabalho duro, pesado, extenuante e excessivo exigido aos médicos do quadro escalonados para a urgência só se torna possível com o auxílio dos voluntários que, em número muito mais avultado que o desses, ali prestam serviço todos os dias.
Espero que a nova reforma hospitalar ponha cobro a esta deficiência e a muitas outras que se registam nos hospitais existentes e que atenda não só a uma distribuição mais racional dos serviços como ao seu apetrechamento. Não me canso de repetir que este apetrechamento requer mais cuidados que propriamente o arranjo das instalações, e quando me refiro ao apetrechamento