1036 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 112
A dispersão dos consignatários, o grande número de casas recebedoras dos produtos açorianos, a falta de conhecimentos especiais por parte de muitas dessas casas, a escassez de capitais de que se ressentem bastantes consignatários, são outros tantos motivos de insucesso e da instabilidade das vendas. Mas é justo dizer que o bom senso, a consciência comercial e o zelo, tantas vezes postos em evidência por muitas dessas casas consignatárias, conseguem por vezes atenuar em grande escala os prejuízos resultantes da má orientação seguida pelos industriais dos Açores.
Mas as deficiências não se notam apenas nos sectores industrial e comercial. São tanto ou mais graves junto da lavoura, nas pequenas ilhas, completamente desacompanhada de qualquer assistência técnica.
O Sr. Teotónio Pires: - Não esqueça acentuar que isso está sendo pedido, ou, melhor, essa coordenação tem sido podida ao Estado, que até agora ainda não a deu.
O Orador: - Segundo a opinião de um autorizado médico veterinário que há anos foi aos Açores em missão oficial estudar as necessidades da indústria dos lacticínios, "a desorientação na criação bovina é absoluta. Vestígios de várias raças se observam nos animais existentes. Não há uma acção persistente com o fim de seleccionar o gado indígena por absorção por qualquer raça estrangeira ou de melhorar por simples selecção o gado da terra".
Estreitamente ligada com estes problemas zootécnicos está a tão importante questão do melhoramento das pastagens.
Os terrenos do arquipélago dos Açores, no dizer de um engenheiro agrónomo que proficientemente os estudou, oferecem todos os requisitos indispensáveis às culturas forraginosas e as pastagens apresentam uma composição herbácea que não tem confronto com os bons enrelvamentos doutras regiões afamadas.
Já o visconde de Castilho, num trecho da sua prosa erudita, nos falou com admiração e entusiasmo da excelência dos pastos açorianos: "Estou persuadido de que se Floriau ou Fontenelle tivessem conhecido a ilha de S. Jorge, aí é que teriam colocado as suas tão faladas e elegantes pastorais. Aquelas pradeiras sem fim que se convertem em ondas de leite...".
Mas, Sr. Presidente, impressiona ao mesmo tempo ter de verificar em muitos casos o número relativamente avultado de plantas inúteis e, mais ainda, o número daquelas que são prejudiciais, o que traduz o mau governo a que estão submetidas muitas dessas pastagens, como judiciosamente acentua o referido engenheiro agrónomo. Se bem que nalgumas ilhas se tenha progredido, a verdade é que muito há a fazer ainda para obter a melhoria das pastagens açorianas. A experiência tem demonstrado que na maioria dos casos se pode alcançar facilmente o dobro do antigo rendimento, além de se verificar que o leite melhora sensivelmente, quer na quantidade quer na qualidade.
Por outro lado, a escassez de forragens e a falta de abrigos para o gado determinam em algumas ilhas, no período invornoso, avultados prejuízos materiais, pela mortandade e pela má preparação das vacas que devem produzir leite nos começos da primavera. E o mais interessante é que estes inconvenientes se poderiam facilmente evitar pela construção de simples abrigos de montanha e pelo estabelecimento em terras baixas de prados temporários. Ficavam assim resguardados os animais do rigor do inverno e tinha-se o recurso à ensilagem, únicas formas de garantir a saúde e a vida dos gados explorados.
Sr. Presidente: nas considerações que até agora tenho feito deixei transparecer os pontos fracos da indústria dos lacticínios açorianos e os perigos que presentemente a ameaçam.
Esses pontos dizem respeito à qualidade dos produtos, ao atraso das explorações pecuárias e à má orientação comercial.
O Sr. Teotónio Pires: - Está legalmente feita a federação das cooperativas no distrito de Angra do Heroísmo, por despacho de Janeiro do corrente ano.
O Orador: - A indústria açoriana, pulverizada e desunida, por falta de orientação de recursos e de ensinamentos não tem podido nem sabido cumprir a sua missão. O campo está, pois, felizmente livre e aberto à lavoura para meter ombros aos empreendimentos que se impõem. Mas os problemas da produção e da industrialização do leite são actualmente de tal ordem que os agricultores, isolados ou teoricamente agremiados, não podem, por falta de preparação e de meios, lançar-se num caminho de inovações, cujos processos desconhecem em absoluto.
Os produtores açorianos devem associar-se de modo efectivo para poderem aperfeiçoar e intensificar as suas explorações agrícolas e pecuárias e, ao mesmo tempo, tomar a iniciativa de industrializar o seu próprio leite, reorganizando e modernizando a indústria sob o ponto de vista fabril e comercial, defendendo-se assim legitimamente dos intermediários, única forma de obterem a máxima valorização da sua matéria-prima.
Mas, sendo esta uma condição necessária, não a considero ainda suficiente. A resolução integral do problema dos lacticínios açorianos depende de uma acção conjunta do Estado e dos interessados.
Ao Estado caberá:
a) Fomentar, orientar e proteger a organização corporativa e cooperativa da lavoura;
b) Proporcionar o necessário crédito a todos os elementos que concorrem para a produção, de modo a permitir a intensificação e o aperfeiçoamento das explorações agro-pecuárias e a industrialização do leite;
c) A instituição dum centro profissional onde se ensinem os métodos modernos para o fabrico do queijo, da manteiga e dos subprodutos, ou criando o ensino móvel, espalhando-o pelas ilhas directamente interessadas;
d) A instituição dum estabelecimento de investigações leiteiras que contribua para a remodelação de muitos dos actuais processos do trabalho agrícola, pecuário e fabril;
e) A criação de certificados de origem e genuinidade dos produtos para garantia da indústria;
f) A regulamentação dos serviços de navegação de cabotagem nacional de maneira a proporcionar em boas condições o transporte dos lacticínios açorianos.
Por seu turno, à lavoura competiria:
a) Associar-se de modo a ficar rodeada de elementos tais que lhe facilitassem, nas melhores condições técnicas e económicas, o exercício das suas actividades agrícolas, pecuárias, industriais e comerciais;
b) Meter ombros à empresa de rivalizar com a indústria similar continental ou estrangeira, quer em queijos, quer em manteiga, quer em quaisquer outros produtos lácteos exigidos pelo consumo nacional.
Estou certo de que só a associação poderá resolver todos os problemas relacionados com esta importante indústria agrícola, talvez a que mais concorre para a abastança de grande parte do arquipélago.
Não apenas o incremento e o aperfeiçoamento de cooperativas isoladas e dispersas, mas a sua federação - como aliás se encontra já oficialmente previsto - para maiores facilidades de acção, incluindo a concentração