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20 DE MARÇO DE 1947 1035

a tomar tendentes ao equilíbrio de todos os interesses em cansa.
A indústria dos lacticínios ocupa, como V. Ex.ªs sabem, um lugar de verdadeiro destaque no campo da economia rural dos Açores. Nalgumas ilhas que compõem o arquipélago - em S. Jorge, nas Flores, por exemplo, talvez mesmo na Terceira- poder-se-á dizer, sem exagero, que esta indústria, conjugada com a pecuária, constitui a fonte principal da sua riqueza e assegura portanto o bem-estar das respectivas populações. Nas restantes - no Faial, no Pico, em Santa Maria, no Corvo e até em S. Miguel, onde a indústria tem tomado ultimamente grande desenvolvimento - as actividades ligadas ao leite pesam sobremaneira na balança das respectivas exportações. Só a ilha Graciosa, pela exiguidade da sua extensão e ainda mais pelo pequeno relevo do seu solo, pela reduzida massa pecuária de que dispõe, faz excepção às demais.
No capítulo dos lacticínios, os Açores lutaram sempre com um certo número de factores desfavoráveis: a excessiva pulverização do exercício da indústria; a falta de capitais fabris e os deficientes conhecimentos profissionais entre a maioria dos fabricantes e dos seus colaboradores.
No período que decorreu entre as duas conflagrações mundiais a situação da indústria agravou-se sucessivamente, de tal modo que, se não fora, a partir de 1940, a falta de concorrência, permitindo que os produtos se passassem a vender em razão da escassez e não da qualidade, ter-se-ia chegado nesta altura ao seu quase completo aniquilamento.
Mas este período anormal tende a desaparecer, e é preciso preparar quanto antes a indústria em moldes novos, de maneira a poder resistir às dificuldades que nitidamente se avizinham.
O problema tomou mesmo recentemente aspectos que reputo graves.
Nestes últimos dias tenho recebido vários telegramas, entre eles um, bem expressivo, da Cooperativa de Lacticínios de Lourais, de S. Jorge, pedindo a minha interferência junto das instâncias superiores e dando-me conta do estado de espírito que reina entre as populações daquela ilha, devido às estranhas actividades e às tendências monopolizadoras de determinada firma que detém já a parte mais importante da produção de lacticínios do continente e das ilhas adjacentes.
Estes telegramas traduzem com fidelidade o que por outras vias tem chegado ao meu conhecimento. Só em S. Jorge - onde aliás as fábricas, pela pequena extensão da ilha, são em número reduzido - a referida firma já adquiriu dois alvarás em Santo Amaro, dois em Santo António, um na Ribeira da Areia, três no Norte Pequeno, três nos Biscoitos da Calheta e dois na Ribeira Seca, ou seja nada menos de treze alvarás no curto espaço duns meses! E ora com promessas, ora com pressões de vária ordem, procura rapidamente ficar com toda a indústria na mão.
Numa terra em que predomina a pequena propriedade e na qual todos os que fornecem leite são os próprios donos das vacas que o produzem, não é difícil adivinhar as consequências: o aviltamento, a breve prazo, do preço dele, a bem dizer única fonte de suficiência, de vida, da população de freguesias inteiras, praticamente de toda a ilha.
É tempo, portanto, de acudir à indústria dos lacticínios dos Açores, pondo à sua disposição os meios necessários para contrabalançar as circunstâncias desfavoráveis que a ilaqueiam e todos os recursos que lhe permitam entrar definitivamente no caminho da prosperidade, de antemão assegurado pela excelência do meio onde exerce a sua acção.
Sr. Presidente: mais ou menos em toda a parte, a indústria dos lacticínios tem passado por uma verdadeira transformação. No tocante aos métodos de trabalho, à
técnica empregada hoje em dia, pode bem dizer-se que uma tal evolução foi radical.
O empirismo ou desapareceu ou não tem razão de subsistir. O factor sorte, os segredos tão peculiares das oficinas leiteiras, sobretudo das queijarias, tudo isso deixou de ser um valor que se transmitia de pais a filhos, de famílias para famílias. Regras e preceitos científicos de mérito comprovado reinam presentemente em absoluto.
Regularizaram-se os fabricos, alcançou-se a possibilidade de' obter produtos de qualidade uniforme, sãos, fáceis de conservar e de bom aspecto comercial. Hoje, em matéria de produção de lacticínios, pode-se caminhar sem hesitações, com perfeita segurança.
O que encontramos de aproveitável na actual indústria açoriana? Duma maneira quase geral apenas a habilidade manual, o esforço individual elevado ao auge e o amor da profissão, que muitas vezes resiste a laborações nada remuneradoras.
Em boa verdade, se o pequeno fabrico oferece lacunas, são elas perdoáveis, porque umas são filhas da tradição, dos hábitos inveterados, da falta de instrução profissional e dos minguados recursos de que dispõe. Mus já outro tanto não sucede com os representantes da média ou grande indústria. Estes, salvo raríssimas excepções, muito recentes, pouco têm caminhado de há trinta ou quarenta anos para cá. Para a maior parte o progresso reside no emprego de desnatadeiras centrífugas; o resto não conta ou conta pouco. A técnica racional ainda lhes é desconhecida. Ajunte-se a isto o apego aos processos empíricos, que é a norma corrente, e reconhecer-se-á quanto o acaso compartilha destas explorações.
A par da extracção dos produtos principais - a manteiga e o queijo -, há que pensar no aproveitamento e melhor valorização dos produtos secundários, em especial o leite desnatado e o almece. Da resolução deste problema deverá resultar naturalmente a diminuição do custo inicial dos mencionados produtos manufacturados ou o maior valor do leite industrial.
As embalagens, os meios de transporte, eis outras tantas lacunas nas organizações leiteiras açorianas.
As embalagens, que em alto grau contribuem para a segurança na expedição dos produtos e depois para os impor aos olhos do comprador, conservam ainda um estado primitivo, tal e qual se fazia nos tempos da falta de concorrência.
Não é possível esconder que as latas de manteiga chegam aos mercados arrombadas umas vezes, machucadas em outras ocasiões. Que os queijos quase sempre perdem a sua flor, racham ou fendem, são atacados pelos ratos, sofrendo outras tantas depreciações de valor.
Por outro lado, a maneira como ainda hoje são feitos os transportes destes produtos, em porões quentes, que determinam, mormente nos queijos, segundas fermentações, que frequentes vezes concorrem para deformar as respectivas massas, são uma causa a mais para a sua desvalorização.
E quanto à colocação dos produtos no mercado consumidor? A organização comercial da indústria açoriana é tudo quanto há de mais caótico o mais obra do acaso.
Os produtos são por via de regra dirigidos aos comissários ou consignatários, muitas vezes desconhecidos dos fabricantes. Frequentemente, estes dividem por duas e três casas a mesma marca; algumas vezes sacam com a mercadoria a importância provável da respectiva liquidação. Assim, por suas próprias mãos, são os produtores que estabelecem a concorrência e a baixa dos preços; e ainda fomentam essa mesma baixa forçando o seu representante a efectuar vendas, a fim de com o produto das liquidações poderem honrar os saques que recebem.