206 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64
Amigo muito querido, como eu interessado em contribuir para a unidade da gente portuguesa, sugeriu-me que apresentasse agora um aditamento à Lei de Meios onde se autorizasse o Governo a inscrever no orçamento as verbas necessárias para execução das reintegrações de amnistiados e melhoria de situação dos inválidos. São inúmeras as cartas que me dirigem relativas a estes dois assuntos. Circulam boatos malévolos que trazem perturbados os ânimos de uns e concorrem para o desânimo e a descrença de outros. Quase seria desnecessário afirmar que, se buscarmos a origem desses rumores, a iremos encontrar em pessoas que continuam desejando a divisão e a intranquilidade interna dos lusitanos.
Baseado em informações de fonte segura, não hesito em desmentir aqueles boatos. Confio em absoluto na acção do Governo. Sei que ela corresponderá inteiramente ao voto da Assembleia Nacional. Não se torna necessário o aditamento pedido, porque o Governo já possui poderes suficientes para despender as verbas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, um curto e despretensioso apontamento sobre a situação da agricultura, da indústria e do comércio perante o erário público.
Todos sabemos que os capitais não abundam no mercado nacional. Todos verificámos, passada a breve e muito artificial euforia da guerra, que numerosas iniciativas oficiais e particulares, de carácter agrícola, industrial e comercial, lutam com dificuldades financeiras para concluir quer as instalações inicialmente projectadas quer as complementares que o tempo, grande mestre, demonstrou serem também indispensáveis a prazo curto.
Surge uma pergunta: como desapareceu o capital circulante das empresas? Que destino levaram as reservas constituídas por estas ou por particulares?
A resposta exacta e prática talvez contribua para evitar erros de orientação futura.
A euforia de capitais durante a guerra deveu-se, em grande parte, à impossibilidade de refazer existências de mercadorias, de conservar devidamente as instalações industriais e de empreender novos investimentos. Foi também consequência do lucro fictício. É lucro fictício vender por 11 o que custou 10, se amanhã tivermos que recomprá-lo por 15 ou 20.
Agricultores, industriais e comerciantes que em 1939 possuíam capitais bastantes para movimento normal, ou que já viviam em escassez de numerário, no dia em que puderam refazer o seu apetrechamento ou a sua provisão de mercadorias e matérias-primas verificaram que se encontravam mais pobres e em maiores dificuldades que anteriormente à guerra.
Sem dúvida houve erros individuais de despesas excessivas. Mas o caso geral, aquele que interessa à vida económica da Nação, é o da imensa maioria das empresas, grandes ou pequenas, pessoais ou colectivas, que se administram com prudência e actividade e não gastam além dos rendimentos normais. O caso geral são os homens que vivem exclusivamente para os seus empreendimentos. Que labutam e mourejam quase sem descanso, que lutam corajosamente contra obstáculos naturais e artificiais, que não abandonam nem podem abandonar o leme da sua casa ou a missão que o seu chefe lhes entregou.
São os que atiram para a voragem das suas iniciativas tudo o que ganham e tudo quanto conseguem por empréstimo. São os que vencem ou são vencidos - mas são os que trabalham para a renovação e o progresso das actividades económicas nacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É o lavrador desfalcado por anos sucessivos de más colheitas que teima em atirar para o pano verde das culturas os derradeiros recursos ou as últimas sementes conseguidas a crédito. Raro acerta um pleno - mas, se chega a ver algum dinheiro, ei-lo a comprar novas máquinas, novas terras, ei-lo a arrotear mais e melhor, sempre lutando, sempre contribuindo para maior abastecimento da comunidade.
São os industriais e comerciantes apaixonados e persistentes, que, mesmo quando pouco podem «poupar», não hesitam em sacrificar o seu nível de vida ao afã de «produzir».
Se tivermos em conta a desvalorização da moeda, verificaremos que, por mais que trabalhemos, e salvo excepções, umas curiosas outras explicáveis, quase todos os saldos de balanço, isto é, as diferenças reais entre activo e passivo, são inferiores ao que eram em 1939.
Por outro lado, parte importante do activo não se torna realizável, porque se encontra imobilizada. Por isso, mesmo em empresas cujas instalações valem fortunas, se analisarmos os capitais disponíveis para o movimento corrente encontraremos que, na maioria dos casos, o seu poder de compra se acha reduzido a menos de metade do que era em 1939.
Entre as excepções curiosas ou explicáveis que assinalei encontram-se entidades que, por recorrerem ao crédito, pagaram os seus débitos com moeda desvalorizada, ou continuam devendo escudos, cujo valor é hoje metade do de há dez anos. Beneficiaram, assim, em prejuízo doutrem. O protótipo desta espécie de empresas encontra-se no Estado, cujos réditos se actualizaram, mas cuja dívida efectiva, hoje, é muito menor que em 1939. As vítimas foram os portadores dos seus títulos.
Noutros tempos, quando os reis quebravam moeda, as populações rugiam de desespero. Hoje, quando o fenómeno se repete, vem diluído por maneira gradual e subtil. Sua Majestade a República recebe mais e paga menos, mas o povo soberano compreende as necessidades do erário e, com medo ao urso, aceita medidas de austeridade socializante.
Todavia, não estaremos, nalguns casos, a sacrificar o futuro aos artifícios do presente? Não andaremos a prejudicar a rapidez de realizações industriais produtivas a fim de conquistar simpatias demagógicas?
Conviria rever a política de preços ou, melhor dizendo, a noção de «preço justo». Não estaremos gastando a promover baixas aquilo que deveríamos «poupar» para melhor «poduzir», para acrescentar rendimentos, melhorar níveis de vida pela única forma segura e permanente, evitar importações, promover exportações e criar matéria colectável?
Onde se consumiram os capitais circulantes? Onde se gastaram as reservas?
Uma parte esgotou-se em compras no estrangeiro, para reapetrechamento e refacção de existências de matérias-primas e mercadorias. Outra parte - a diferença entre o lucro fictício e o lucro que deveria ser real - reverteu em benefício do consumidor, através de artifícios de preços que sacrificam o presente ao futuro.
Artifício de preço, disfarçado sob a fórmula sedutora do chamado «preço justo», eis a regra generalizada da nossa economia de guerra, quero dizer, do nosso intervencionismo nos campos agrícola, industrial e comercial.
Lido diàriamente com cálculos de custo de muitos ramos da actividade económica portuguesa. Sou, há anos, representante oficial dos industriais e comerciantes em duas das mais importantes comissões reguladoras. Não pertenço ao número daqueles que maldizem