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346 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

No coração não se manda; positivamente não se pode mandar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Quem pode levá-lo a amar o que o não atrai e prende? Quem poderá exigir-lhe heróicos sacrifícios se ele não viver apaixonadamente o ideal que os reclama?
O projecto de lei em discussão vem estabelecer as sanções julgadas necessárias para a boa defesa da família contra tudo quanto possa perturbá-la na realização dos altos desígnios que, ao instituí-la, a Providência marcou.
Mas serão essas sanções providência suficiente para garantir a segurança da família e fazê-la viver a vida sã que se impõe?
O abandono da família é, sem dúvida, causa de muitos e desastrosos males que envolvem o lar doméstico; mas não é, positivamente, causa de todos os males. Ele próprio é efeito de outras causas que têm raízes mais fundas na vida do homem.
E, como muito bem disse o nosso ilustre colega Dr. Miguel Bastos, «de nada servirá cominar penas contra certa infracção se se deixarem actuar livremente as causas que a originam».
Ora, se é o coração o grande arquitecto do santuário familiar, importa ir até esse mesmo coração para o formar no melhor conceito da vida e fazê-lo viver com paixão verdadeira todas as virtudes que o devem adornar, elevar e enobrecer.
Quer dizer: há que atender com solicitude viva e indefectível à conveniente preparação dos obreiros da família, formando-lhes cuidadosamente a consciência, a vontade, o carácter, a sensibilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tem-se feito neste sentido o esforço sério que se impõe? Onde as escolas de preparação e formação para o matrimónio?
Onde e como se procura pôr na inteligência e no coração dos futuros esposos o sentido exacto da vida matrimonial, os seus deveres, os seus encargos, a grandeza da sua missão, a nobreza da sua fidelidade, os encantos da sua virtude e os méritos e alegrias da própria imolação?
Sr. Presidente: a sociedade de hoje é acentuadamente caracterizada pelo culto do mais desordenado individualismo.
É o individualismo na ordem das ideias, que se traduz no mais indomável orgulho do espírito ...
É o individualismo na ordem dos sentimentos, que, em nome dos chamados «direitos do homem», ou, melhor, em nome das mais estranhas exigências do egoísmo individualista, se recusa obstinada e altivamente a obedecer ...
É o individualismo na ordem das paixões, que procura gozar a vida o mais e melhor possível, em louca sofreguidão, a toda a velocidade e a todo o preço...
E não se quis ou não se soube evitar que este conceito egoísta da vida humana viesse a ter deplorável repercussão sobre a própria ideia da família, tal como a boa razão a compreende e Deus a instituiu.
Daí a desoladora decadência que assinala a vida familiar de hoje. Daí todo o sudário de desventuras que envolve a vida de grande número de famílias portuguesas que, perdido o rumo da sua alta missão, deixaram de ser o que em outros tempos foram - fonte inexaurível das melhores virtudes.
De quem a responsabilidade de não se ter prevenido o mal? De quem?
Sr. Presidente: eu não vou certamente isentar de culpa aqueles que, por imperativo da sua especial missão, têm o encargo de formar as consciências robustecer as vontades, iluminar os caminhos da vida que importa percorrer e fazer percorrer em espírito de generosa imolação.
Com profunda mágoa e preocupação tenho de reconhecer que a paz - esta paz bendita que, por graça de Deus e dedicado e inteligente esforço do Homem providencialmente constituído guardião da Casa Lusitana, temos usufruído - vem tornando menos vivas e menos vívidas as responsabilidades do apostolado, lançando-nos, talvez, num lamentável comodismo ou exagerada con-, fiança, cujas consequências desastrosas não somos capazes de medir nem na sua profundeza nem na sua extensão. Com humildade temos de dizer, e dizemos realmente, o nosso poenitet me peccati.
E o Estado? Poderá ele sentir-se de consciência tranquila em assunto que tão profundamente interessa à vida da Nação?
Em seu douto parecer diz o ilustre relator que «a família não se basta a si mesma e carece de protecção desvelada por parte do Estado».
De facto é assim. Por isso a Constituição Política da República Portuguesa afirma o dever dessa protecção e amparo; e fá-lo em termos expressivos de esplêndida doutrina.
Volto porém a perguntar: temos nós vivido, como é mister, essa doutrina magnificamente concebida e afirmada?
Têm-se prodigalizado à família, por forma eficiente, a protecção e a defesa de que ela carece?
Vejamos com o criterioso parecer da Câmara Corporativa. Asseguro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara que não vou dramatizar. Procurarei apenas pôr-me e pôr a Câmara e o Governo ante estranhas realidades que a muitos talvez passem despercebidas e que, no entanto, pelas suas graves consequências, carecem de ser cuidadosamente encaradas, sentidas e urgentemente remediadas. Não podia ser outro o meu objectivo.
Como já tive oportunidade de dizer aqui, não é o problema económico o problema máximo da vida humana. Mas é sem dúvida um problema muito grave, que provoca e se entrelaça com outros graves e fundamentais problemas da vida.
Porque assim é na verdade, a Constituição, em seu artigo 14.°, estabelece como medidas indispensáveis de protecção à família, entre outras, a instituição do casal de família e o salário familiar.
São já consoladora realidade estas salutares providências?
Com verdadeiro pesar temos de verificar que, neste capítulo, continuamos a viver de esperanças apenas.
Em vez do desejado e justo salário familiar temos aí o chamado «abono de família», que, como já aqui se afirmou, quase não passa de um auxílio meramente simbólico, dadas as condições em que é atribuído, o quantitativo que o constitui e as estranhas restrições que o envolvem.
Ser-me-á permitido, Sr. Presidente, renovar e acentuar neste momento alguns dos reparos que, aquando da discussão da Lei de Meios, ousei fazer nesta Câmara? Suponho ser oportuno e útil.
Assim:
Um funcionário público casado com uma funcionária, vivendo na mesma localidade, não recebe abono de família senão quando Deus lhes der o quinto filho. Mas se o funcionário, em vez de casado legitimamente com uma funcionária, com ela se unir ilegitimamente, terá direito ao abono de família logo que tenha o primeiro filho!