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19 DE ABRIL DE 1978

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legislativa que uma utilização imoderada, irreflectida, não seriamente fundamentada, bem poderia provocar.

Se assim não fosse, então ter-se-ia concedido a todo e qualquer cidadão, ou a determinadas associações, até mesmo aos partidos políticos e organizações sindicais, o direito de suscitar a apreciação e declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas, o que traria para o campo da luta política partidária o que deve ser apenas a defesa da legalidade, o respeito da Constituição, a não transformação de uma análise que deve ser eminentemente jurídica, ainda que dentro de um determinado contexto político, numa querela apaixonada, sem grandeza nem rigor científico, incapaz de avaliar o que deve ser a aplicação do direito constitucional num Estado em transição para o socialismo.

Com efeito, a nossa Constituição declara no seu artigo 1.° que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Por seu turno, o artigo 2.° da nossa lei fundamental define o que é a República Portuguesa como constituindo um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do Poder pelas classes trabalhadoras.

Temos assim que as grandes bases, as traves-mestras, do nosso edifício constitucional assentam nos seguintes princípios fundamentais:

1.1—A Nação é uma República soberana que se baseia na dignidade da pessoa humana e na vontade popular.

1.2 — A República empenha-se na sua transformação numa sociedade sem classes.

2.1 —A República Portuguesa constitui um Estado democrático baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organizações políticas democráticas.

2.2 — Dentro daquelas bases, o Estado democrático tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do Poder pelas classes trabalhadoras.

Daqui se infere, sem dificuldade nem possibilidade de controvérsia, que no estádio presente da nossa evolução social os princípios dominantes são a vontade popular como legitimadora da soberania, tendo esta por limites o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o pluralismo de expressão e organização política democráticas.

Tais princípios dominantes têm o objectivo de assegurar a transição para o socialismo através da criação de condições para se passar da transição à transformação da Nação numa sociedade sem classes na qual o poder democrático será exercido pelas classes trabalhadoras.

Quer isto dizer que nestes aspectos fundamentais a nossa Constituição é programática, na medida em que programa as fases do processo histórico da nossa evolução social até se alcançar a meta, programada, do socialismo.

Logo, nesta fase de evolução Portugal cria as condições de transição, quer dizer, está na fase de transição para essa transformação social que se tem como meta a atingir.

Consequentemente, as disposições da nossa Constituição, não sendo disposições transitórias, são, todavia, de transição, o que implica que o nosso direito constitucional, não sendo necessariamente transitório, é igualmente de transição.

Afirmando-o, não se pretende ser original, mas tão-só acompanhar a corrente constitucionalista moderna, que, tirando as consequências lógicas do princípio da história como processo dialéctico, considera ser necessário construir um direito constitucional que prepare o processo de transição até uma sociedade socialista, o que significa que, por um lado, é necessário apartar-se do totalitarismo fascista que nega garantias e direitos, por outro, articular estas garantias e direitos num sistema cujo formalismo não seja simplesmente um elemento protector dos interesses do Estado burguês, segundo a definição de Enrique Tierno Galvan, ou, como sustenta Stefan Rozmarin, «deve evitar-se o confronto das leis publicadas actualmente com as normas constitucionais que respeitam nex thesi» às etapas mais longínquas da evolução social.

As normas constitucionais deste género estão em vigor hic et nunc, mas não devem influenciar o legislador na sua actividade actual senão na medida em que deve ter em conta as metas fixadas para o futuro. Elas não significam, de nenhum modo, que as relações sociais actuais devam, em nossos dias, ser apreciadas no seu conjunto segundo os critérios que, em virtude da própria Constituição, só serão aplicáveis em etapas ainda afastadas da evolução.

Por outras palavras: tem de entender-se que nos países edificando as bases do socialismo não se pode apreciar o presente segundo os critérios que serão os próprios do socialismo já edificado. Mas pode e deve apreciar-se a acção do legislador no ponto de vista de saber se ela afasta ou não o dever que lhe incumbe de assegurar a evolução no sentido indicado pela Constituição.

Dentro desses critérios, a ideia de classe dominante deve ser, e é, substituída pela de grupo dirigente representativo e que a administração do poder político por este grupo dirigente representativo não tem correlação com a existência de um partido único, antes é causal do pluralismo, já que o grupo dirigente pode ser constituído por partidos que, tendo concepções diferentes do mundo, aceitam o pressuposto geral da crise da ideologia burguesa da classe dominante e admitem, por conseguinte, um sistema constitucional que vai contra a manutenção dos privilégios dessa classe. Concretamente, é perfeitamente admissível um sistema normativo no qual as concepções do mundo — marxistas, cristãs ou simplesmente libertadoras do sistema capitalista — concordam com a ideia da necessidade de uma transformação político--social regida por normas constitucionais de transição. Isto o que se alcança dos ensinamentos de Tierno Galvan e que a evolução social portuguesa pós 25 de Abril inteiramente ilustra e corrobora.

Sendo assim, o direito constitucional prefixa umas tantas etapas da sua própria transformação, admitindo processos impostos pela necessidade dessa transformação e, por conseguinte, com uma legalidade