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19 DE ABRIL DE 1978

590-(31)

A este ofício respondeu o Provedor, em 28 de Janeiro, nos seguintes termos:

Apresso-me a responder ao ofício de V. Ex.ª n.° 269/76, processo n.° 212/76, datado de 26 do corrente.

0 Provedor de Justiça, no ofício n.° 3182, de 2 de Dezembro último, foi bem claro ao fazer saber a V. Ex.ª que o facto de existir no seu Serviço um «estudo» sobre a constitucionalidade da Lei n.° 8/75 não significava que o processo pendente no Tribunal em que V. Ex.ª é juiz auditor se mantivesse sem andamento, uma vez que o preceituado no artigo 282.° da Constituição, quanto à fiscalização judicial da constitucionalidade, define uma movimentação própria e independente.

Quis-se, assim, por forma que não pudesse pensar-se envolver intervenção do Provedor na função jurisdicional de V. Ex.ª, mostrar que não é legalmente possível suspender o andamento de um processo com base no facto de o Provedor de Justiça ter, nessa data, em apreciação no seu Serviço a questão da constitucionalidade daquela lei.

De resto, e entretanto, sobre essa arguição de inconstitucionalidade pronunciou-se pela negativa o Supremo Tribunal Militar, o que certamente é do conhecimento de V. Ex.ª

Se, apesar disso, V. Ex.ª entendia que a lei era inconstitucional, teria de agir de acordo com o artigo 282.° citado, recusando-se a aplicar a lei, mas, salvo o devido respeito, o que não pode é escudar-se na existência de um estudo no Provedor de Justiça para paralisar a marcha normal do processo.

Tão-pouco tem V. Ex.ª, porque a solução ao seu dispor era a constante do citado artigo 282.°, possibilidade de se dirigir ao Provedor de Justiça a solicitar que este use da prerrogativa que lhe confere o artigo 281.°, n.° 1, da Constituição, fugindo assim a lançar mão do seu poder de juiz.

Por último, devo esclarecer V. Ex.ª de que o Provedor de Justiça não tem de lhe dar satisfação ou notícia do comportamento que vai seguir, nem V. Ex.ª se pode servir da existência de um assunto em apreciação neste Serviço para se eximir a tomar a posição que, como juiz, lhe caberá em seu entendimento tomar, na certeza, mais a mais, de que a inconstitucionalidade neste caso, quando muito, seria duvidosa, e o Provedor só usará a prerrogativa que a Constituição lhe confere quando seja sua segura convicção de que está em presença de um caso líquido de inconstitucionalidade.

Com base no parecer do adjunto do Provedor, decidiu o Provedor não solicitar o pedido de apreciação de inconstitucionalidade.

É esse parecer e o despacho que sobre ele recaiu o que a seguir se transcreve:

1 — Não me parece que sejam convincentes os argumentos no sentido da inconstitucionalidade da Lei n.° 8/75.

2 — Não colhe, por um lado, dizer-se que é possível que uma norma da Constituição (neste caso o artigo 309.°) seja inconstitucional.

Essa asserção é, desde logo, inadmissível do ponto de vista da pura lógica formal.

As disposições de um mesmo diploma terão de interpretar-se por forma que se conciliem.

No caso presente, trata-se do confronto entre uma norma geral —a do artigo 29.°— e uma norma especial — a do artigo 309.°

No seu âmbito de aplicação prevalece, segundo os princípios comuns, a regra especial

3 — Este raciocínio não é, porém, meramente de lógica formal — implica também um juízo valorativo.

Basta ler a discussão do artigo 309.° na Assembleia Constituinte para se depreender que a expressa intenção dos intervenientes dos vários partidos foi a de que aos abrangidos pela Lei n.° 8/75 não se aplicasse o princípio geral nidia poena sine lege, consagrada no artigo 29.°

4 — E creio perfeitamente admissível tal posição.

O princípio nulla poena sine lege é próprio e adequado a uma sociedade estabilizada, assente em estrutura constitucional devidamente aprovada e democrática.

Não é forçoso que se aplique quando, de um movimento revolucionário ou similar, se transita de um sistema político-jurídico para outro.

Então, não é de rejeitar que a «nova sociedade» resolva criminalmente as actuações anteriores ofensivas dos seus princípios — até porque tais actuações, por definição, decerto não seriam (como não eram) puníveis à face da legislação do regime deposto.

5 — Nem convence dizer-se que a Lei n.° 8/75 já seria ofensiva da Lei Constitucional n.° 3/74, que manteve em vigor parte da Constituição Política de 1933, da qual constava o princípio nulla poena sine lege.

É que essa aplicabilidade foi pela mesma Lei Constitucional n.° 3/74 afastada em tudo o que a Constituição Política de 1933 se revelasse em desacordo com o Programa do Movimento das Forças Armadas; ora esse seria decerto o caso da apreciação da existência e actuação da ex--PIDE/DGS.

6 — Note-se que, em rigor, não creio que seja exacto dizer-se que a Lei n.° 8/75 se tornou lei constitucional.

Tal lei continuou a ser lei ordinária: «Mantém--se em vigor a Lei n.° 8/75 [...]»

O que o legislador constitucional pretendeu foi, indo para além da regra geral do artigo 293.° — que manteve a legislação ordinária à Constituição Política, desde que não contraditória com ela—, deixar expresso, por não suscitar dúvidas, que a Lei n.° 8/75 era, pela própria Constituição Política, considerada compatível com os seus princípios.

E tal força lhe deu que não permitiu que essa lei ordinária fosse livremente revogável ou alterável, mas apenas nos restritos termos dos n.º 2 e 3 desse mesmo artigo 309.°