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II SÉRIE - NÚMERO 35

a pena relativamente indeterminada, tal como está pensada nos quadros do projecto, não constitui uma forma normal de punição do delinquente: muito pelo contrário, trata-se de uma reacção criminal com destinatários bem definidos, e estes são aqueles delinquentes cuja perigosidade está ligada ou é indiciada pela reiteração criminosa em crimes dolosos de certa gravidade (artigos 84.° e 85.°) ou pela prática de crimes contra o património, a vadiagem ou a mendicidade, quando conexionada com uma vida ociosa e parasitária (artigo 87.°) ou, finalmente, pelo abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes (artigo 91.°). É para esses delinquentes —relativamente aos quais se reconhece a maior probabilidade de uma reincidência criminosa grave e cuja perigosidade não pode prevenir-se com o recurso a outras medidas penais—, e só para esses, que o projecto prevê a aplicação, condicionada aliás à verificação de pressupostos aí cuidadosamente definidos, de uma pena relativamente indeterminada.

A segunda observação a fazer é a de que, sem ignorar o efeito útil de protecção da sociedade que um internamento mais longo sempre contém, importa insistir sobre o espírito marcadamente reeducativo e regenerador que o sistema punitivo do projecto oferece nesta matéria-: a pena indeterminada deve orientar-se «no sentido de corrigir as disposições que levaram o agente ao crime, nomeadamente no de este aperfeiçoar ou fazer a aprendizagem de um ofício que lhe permita uma vida estável» ou «no sentido de eliminar o alcoolismo do agente ou combater a sua tendência para abusar de bebidas alcoólicas» — esse o interesse fundamental das normas dos artigos 88.° e 90.° e, com elas, o repúdio expresso de uma compreensão do internamento que o confundisse com um expediente meramente segurativo ou de custódia do delinquente perigoso.

Acrescente-se, por último, que, embora integrado no número das medidas penais do projecto, o carácter essencialmente unitário do internamento dá espaço suficiente para outras compreensões dogmáticas— e nisto haverá também que reconhecer outra vantagem do sistema proposto.

15 — 0 conjunto de medidas punitivas de que até agora falámos não é ainda, todavia, suficiente para a completa protecção e defesa dos bens jurídico-criminais, objectivo imediato do direito criminal.

A declaração de inimputabilidade exclui a culpa do agente e, portanto, a possibilidade de se lhe aplicar uma pena. Mas pode suceder que o agente de um crime, declarado inimputável, revele um grau de perigosidade tal que a sociedade tenha de defender-se, prevenindo o risco da prática futura de factos criminosos. Ainda aqui, porém, a ideia da utilidade e da necessidade não pode justificar sempre a defesa da sociedade, nem autorizar a utilização de quaisquer espécies de medidas, como, por exemplo, a destruição ou a segregação, pura e simples, do delinquente.

E isto porque, por um lado, toda a legitimidade da defesa, para além da sua necessidade, afere-se pela sua proporcionalidade; daí que se não possa compreender uma segregação ilimitada de um inimputável só porque revela o perigo de, no futuro, vir a praticar crimes de pequena gravidade. Por outro

lado, o pensamento social protectivo projectar-se-á aqui num outro aspecto importante: é que o inimputável continua a ser um homem em particular estado de necessidade, a que importa dar auxílio e protecção. E a melhor defesa da sociedade realiza-se justamente com o tratamento e a cura, até onde for possível, desses delinquentes.

Só que sucede ainda que certos inimputáveis, sendo perigosos, são também incuráveis, caso em que então terá de intervir a pura ideia de segurança. Simplesmente, importa saber se a segregação, que a segurança nestes casos exige, poderá ser perpétua ou deverá antes cessar, para além de certos limites, ainda que a sociedade tenha de sofrer o risco de novos crimes. E a resposta há-de estar condicionada por uma ponderação de interesses entre a importância dos valores que o inimputável em liberdade pode violar e a gravidade da sua definitiva segregação da vida social.

Tem-se, aliás, em geral, a ideia de que as medidas de segurança têm de supor necessariamente a privação de liberdade. É, porém, evidente, que se for possível uma cura ou garantir a necessária segurança da sociedade através de medidas de segurança não detentivas, tudo aconselhará a que assim mesmo se faça. Daí, também, a possibilidade da suspensão do internamente (artigo 102.°), ou da sua cessação provisória (artigos 97.° e 98.°) ou ainda a obrigatoriedade da sua revisão periódica (artigo 96.°).

7®sj2e da proposta de lei

No uso da faculdade conferida pelo n.° 1 do artigo 170.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

CÓDIGO PENAL

LIVRO I Parte geral

TITULO I Da lei criminal

Capítulo único

Principios gerais

ARTIGO 1.º

(Principio da legalidade)

í — Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.

2 — A medida de segurança só é aplicável a estados de perigosidade cujos pressupostos constem de lei anterior ao seu preenchimento.

3 — Não é permitido o recurso de analogia quer para qualificar a facto como crime, quer para definir um estado de perigosidade, quer ainda para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.