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II SÉRIE — NÚMERO 82

Sr.1 Deputada, efectivamente, o Código Penal, na sua contextura, tem uma parte geral e uma parte especial.

A parte geral contém os princípios gerais, os pressupostos de punição —onde está o artigo 14.° que referi —, e tem, por aí fora, toda uma construção acerca dos juízos que terão de ser formulados para determinar ou compreender se há crime, se é punido, medida de punição, medida da isenção ou da exclusão, enfim, todas as regras que condicionam o juízo que vai ser aplicado ao agente do crime.

Depois, na parte especial, e concretamente nos diversos crimes, cujo título, neste caso especial, é «Dos crimes contra as pessoas», aparecem os crimes contra a vida uterina, e isso nem sequer entra no pensamento do PS alterar, porque o seu pensamento é só este: o aborto continua a ser um crime e a punição mantém--se firme e de pé. Simplesmente, de toda essa área criminosa do aborto, o Partido Socialista vai buscar dois, três ou quatro casos que considera social e humanamente justificados e retira-os dessa área criminosa.

Temos que compreender que a mentalidade não é: o aborto não é um crime e vamos agora meter dois ou três casos dentro da área criminosa.

Não! O raciocínio é ao contrário. E note-se que não estou a falar contra ninguém, mas apenas em termos de Código Penal.

Ora bem, o raciocínio é ao contrário. Todo o aborto está na área do crime e vamos agora tirar cá para fora dois, três ou quatro casos — os casos que quiserem — dessa área.

Portanto, a regra é o crime; a exclusão é a excepção. Aliás, nunca foi dito o contrário, e isto era só uma pequena explicação que considerei absolutamente necessária.

Agora, voltando ao ponto importante: julgo que o problema que se tem de definir —e o Sr. Deputado Jorge Lacão abordou-o muito bem — é o que é que se pretende punir. Ê o dolo específico, ou vamos até à negligência?

E, entrando num caso mais concreto — nem todos os presentes são juristas, como, por exemplo, o Sr. Deputado Octávio Cunha, que não tem formação jurídica e se tem preocupado com este aspecto —, po-der-se-á considerar que, se a consequência tem de ser necessária, o facto de a redacção dizer «poderia» faz inserir na previsão legal o abortador ou a abortadeira negligente?

Isto é uma pergunta em termos de facto, mas em termos de teoria o que temos que perguntar é isto: está aqui incluída a negligência ou apenas o dolo específico?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Creio que o ponto que o Sr. Deputado Correia Afonso focou agora é que é o ponto importante.

Do nosso ponto de vista, a questão deve interpretar-se caso a caso em função dessa mesma negligência, ou seja, sempre que, justamente em função do texto do n.° 5, o agente poderia ter previsto mas não previu — este «poderia», na nossa interpretação, tem o sentido de «deveria»—, há uma negligência indesculpável que deve ser punida em termos qualificados. Para

além da punição geral, tem ainda uma forma de punição agravada e que é justamente um terço da pena, como nós propomos.

O Sr. Fernando Amaral (PSD):—Sr. Deputado, dá licença que o interrompa?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Amaral (PSD):—Sr. Deputado Jorge Lacão, não estou de acordo com a sua interpretação, porque assim estaríamos a confundir conceitos que presumo que têm o seu quadro bem delimitado e bem definido no contexto do direito penal.

Estamos a confundir negligência, dolo eventual, dolo específico, dolo directo ou indirecto, e tudo isto tem as suas repercussões nos princípios gerais do direito penal. Portanto, a expressão usada no projecto do PS é a mesma que consta do n.° 2 do artigo 14.° do Código Penal. E não há que fugir daí.

O n ° 2 do artigo 14.° define a expressão «consequência necessária» como dolo específico, dolo directo, e não entra aí a negligência, que é um outro conceito, embora seja uma das formas mais graves da culpa. Só que esta expressão do n.° 5 do artigo 139.° do projecto do PS, ao dizer precisamente com as mesmas palavras o que o artigo 14.° define como dolo directo, não nos deixa outra porta aberta para a negligência ou para o dolo eventual. Só será agravada a punição sempre que haja esta consequência necessária, porque são estes os termos previstos no n.° 2 do artigo 14.° do Código Penal, nos princípios gerais.

Portanto, aqui não cabe nem a negligência nem o dolo eventual, e a negligência, segundo penso, é uma das formas mais graves da culpa. Segundo esta orientação do meu pensamento, seria realmente grave se z negligência não fosse tratada com a correspondência penal, não tanto necessariamente como o dolo específico, de uma das formas ma:s graves da culpa.

Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Ora-ior: — Relativamente à proposta apresentada pelo Sr Deputado Nogueira de Brito, tive oportunidade de realçar há pouco que nos parecia que intervínhamos num conceito extremamente vasto e num terreno extremamente movediço em direito penal ao limitarmo-nos a uma consequência que não fosse necessária em relação a uma determinada acção. Mas, quando aqui se diz «poderia ter previsto», isso quer dizer que, se a consequência necessária se verificou, ou seja, se resultou a morte ou grave lesão e o agente que provocou essa situação não a previu por negligência, quando a poderia ter previsto, esse agente é susceptível de um agravamento da Dena nos termos referidos no n.° 5 do artigo 139.°

O Sr. Fernando Amaral (PSD):—Sr. Deputado, repare que essa expressão é a do n.° 2 do artigo 14.° do Código Penal, e, portanto, não podemos sair daí, até porque há uma reprodução exacta, e os quadros penais não se fazem para se alargarem.

O Sr. Presidente: — Quero pedir aos Srs. Deputados que não estabeleçam diálogo, porque senão nunca mais saímos daqui.

C Sr. Fernando Amaral (PSD): — Tem toda a razão Sr. Presidente. Peço desculpa.