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3 DE FEVEREIRO DE 1984

2130-(15)

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.a Helena Cidade Moura (MDP/CDE): — Queria agradecer ao Sr. Deputado Correia Afonso as explicações que me deu, mas, de facto, custa-me a aceitá-las pela lógica das coisas.

É evidente que os senhores são juristas, mas têm que se remeter à lógica normal das pessoas que, por azar, não se formaram em Direito.

Ora, de facto, o artigo 14° pertence a um capítulo do Código Penal que se chama «Da lei criminal» e tem um capítulo único que são os princípios gerais.

Tem, portanto, toda a razão o Sr. Deputado quando diz isso.

Mas depois há um primeiro capítulo da parte especial e que se chama «Dos crimes contra a vida». Depois há um segundo capítulo que se designa «Dos crimes contra a vida intra-uterina». Portanto, no próprio Código Penal há diferença entre crimes contra a vida e crimes contra a vida uterina.

Ora, só conheço estas coisas da literatura, mas esta divisão remete-se a uma tradição do Código Penal português, porque no século xix ainda havia o critério da animação retardada, como sabe. E cito colegas seus ilustres, como Pascoal de Melo Freire ou Silva Fernão, que no Tratado de Direito Penal consideram a animação retardada. Portanto, está sempre aqui um princípio: ou a pessoa aceita a animação retardada ou não aceita, mas o que não se pode dizer é que este Código Penal mantém o mesmo espírito em todos os capítulos, porque há um princípio geral, há os crimes contra a vida e há os crimes contra a vida uterina.

A raciocinar na base em que os Srs. Deputados estão a raciocinar, teríamos que perguntar por que é que o Código Penal não remete o aborto paca os crimes contra a vida. É nesta base um pouco obsessiva que continuamos a raciocinar. Há pessoas que têm, realmente, razões fundamentais para não as aceitar, como é o nosso caso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): — Sr.3 Deputada Helena Cidade Moura, efectivamente há aqui uma preocupação obsessiva, mas não é da minha parte.

Neste caso concreto, e a Sr. Deputada desculpe-me que lhe diga, a obsessão é da sua parte.

Eu não falei em crimes contra a vida. Disse apenas que o aborto era ura crime. O crime é um termo que se insere no Código Penal, que abrange esses capítulos todos: há crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a honra. Eu só falei em crime, mas a Sr.a Deputada, dentro daquela ideia de obsessão, que exprimiu muito bem, imediatamente referiu que eu estava a falar em crimes contra a vida.

Não falei em crimes contra a vida. Isso está gravado e V. Ex.a poderá confirmar. Falei apenas em crimes, e, efectivamente, em termos penais, em termos de Código Penal, o aborto é um crime, como há crimes contra a honra, contra a integridade física, etc.

Era só esta explicação que queria dar para completar o que já tinha dito há pouco.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio CunVia.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): — Peço desculpa, Srs. Deputados, de desviar um bocadinho a nossa atenção neste debate, que é, com certeza, importante, mas sou extremamente sensível às palavras e gostava de fazer uma sugestão que, se não for aceite, ficará como um protesto meu em relação à utilização de determinado tipo de palavras.

Muitas vezes ouvem-se aqui as palavras «abortador» e «abortadeira». Gostava que se fizesse uma distinção clara entre aquilo que para mim é um abortador ou uma abortadeira, isto é, alguém que pratica o aborto fora das condições de segurança para a mulher, e outra coisa é o médico ou a médica que pratica uma interrupção lícita de gravidez.

Os termos «abortador» e «abortadeira» têm uma carga terrível do ponto de vista social.

Estou, de certo modo, a defender os meus colegas, que mais tarde praticarão interrupções de gravidez nas condições definidas pela lei, do rótulo de «abortador» ou de «abortadeira». Acho que quando nos referimos ao médico que pratica uma interrupção de gravidez deveremos fazê-lo nestes termos, e não noutros.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):— Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria regressar, muito rapidamente, a esta questão e fazer um esclarecimento sobre o teor da proposta que acabamos de distribuir e que, por lapso, ainda o não tinha sido.

O que acontece é que, na realidade, há só uma intenção, que é contraditada com a expressão conseguida pelo Partido Socialista para traduzir essa intenção.

Compreendo que, na primeira parte do preceito propriamente dito, quando se diz «poderia ter previsto», o Partido Socialista está a apontar, na realidade, para a punição da negligência.

Mas depois faz uma enorme confusão, porque, ao utilizar a expressão «consequência necessária», como foi muito bem salientado pelos Srs. Deputados Fernando Amaral e Correia Afonso e como eu já tentei também explicitar, o que acontece é que se está a utilizar uma expressão que faz parte da definição de dolo específico, tal como consta do artigo 14.°, e esta confusão tem a consequência de ser redutora do sentido do «poderia ter previsto».

«Poderia ter previsto como consequência necessária» introduz uma enorme confusão, que é a de saber se o que se quer é punir apenas o dolo específico ou se, realmente, se quer alargar mais a punição até às hipóteses de negligência.

Nessa perspectiva parece-me que a nossa proposta, tal como está formulada, corresponde melhor à própria intenção do próprio Partido Socialista. A nossa proposta refere-se apenas a poder-se prever como consequência.

Agradecia, portanto, que fosse ponderado o sentido real da proposta do Partido Socialista e a tradução-da nossa intenção, que se encontra no nosso próprio projecto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.