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4 DE FEVEREIRO DE 1984

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pode ser má interpretação minha, aqui há uma deficiência dc redacção, porque ao dizê-lo parece que se admitirá que a gravidez apesar de uma violação possa não ser resultado dela. Tenho a impressão de que a ideia não será bem essa, mas antes a de que «haja sérios indícios de violação de que resultou a gravidez».

Para além disso, Sr. Deputado, que eu saiba não foi posto em causa até ao momento o problema que vem tratado no n" 3 do artigo 201." do Código Penal em vigor — mal ou bem está em vigor — e no qual se diz no seu n.° 3 que «no caso do número 1 deste artigo [...]», que é precisamente a violação, «[...] se a vítima, através do seu comportamento ou da sua especial ligação com o agente, tiver contribuído de forma sensível para o facto, será a pena especialmente atenuada». Ora, mantendo-se isso, como conciliar este conceito de violação que agora nos aparece? Gostaria, assim, de saber qual o conceito exacto de violação e se cai ele também no n.° 3 do projecto de lei do PS.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Vamos então abordar este problema de violação, que é muito importante. A atenuante não dirime o crime. Quer dizer, para o crime de violação está o Código em vigor. E a defesa que habitualmente se usa para esse tipo de crime é só esta: pelo seu comportamento exterior a vítima deu causa ao acto de violação. Isto é um dos muitos aspectos cujo autor merecia o camartelo municipal ou cavalo--marinho, porque todos sabemos que isto não é assim e que constitui uma forma de a mulher que é violada se sentir inibida a apresentar queixa por uma coisa pela qual além de ter sido objecto de um enxovalho é, ainda por cima, tratada como se sabe.

De qualquer forma o facto de isso ser uma atenuante do crime de violação — mal quanto a mim, mas é o que está na lei pelo que temos que cumprir— não quer dizer que o crime não exista. Sobretudo não quer dizer que apesar da violação ter sido facilitada, a gravidez tenha sido querida. Portanto isso não me parece objecção.

Em segundo lugar, diz-se «[...] haja sérios indícios de que a gravidez resultou da violação da mulher [...]», porque pode haver gravidez que não resultou da violação da mulher, embora esta tenha sido violada. Esta é a hipótese que se deve configurar em relação à mulher casada, que podendo ter sido violada pode a sua gravidez não ter resultado dessa violação.

£ neste sentido que a proposta do Partido Socialista não se presta a certas críticas, que às vezes tenho ouvido fazer em órgãos de comunicação social, de que a violação implica uma presunção de gravidez. De forma nenhuma. O que a proposta do Partido Socialista diz é que o aborto pode ser feito quando «haja sérios indícios de que a gravidez resultou de violação». E porque é que diz «sérios indícios» e não «haja certeza»? Por um motivo muito simples: a instrução de um processo demora muitas vezes mais do que o nascimento de uma criança. Nessa altura as pessoas acusar-nos-iam de infanticídio. Ê nesse sentido que se nos afigura que a alínea d) do projecto de lei do Partido Socialista está correcta, pelo que a vamos votar tal como está.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aíigura-se-nos que a redacção constante do projecto de lei do PS é muito restritiva e oferece muitas dificuldades.

De resto cláusulas deste tipo têm sido afastadas, por excessivamente restritivas, em legislações que têm encarado e enfrentando o problema que estamos a enfrentar hoje. E têm-no feito pela razão simples de que ao lado do crime de violação, tal qual está tipificado nas diversas legislações e isso varia, há outros crimes sexuais dos quais pode resultar gravidez indesejada e que constitui uma violência intolerável para aquela que foi vítima do crime em questão.

O nosso Código Penal foi alterado e portanto muito das considerações que o Sr. Deputado José Luís Nunes acabou de tecer, e que eram relevantes face ao Código Penal de 1886, estão pura e simplesmente desactualizadas — e digo-o relativamente à maior parte daquelas que teceu sobre o crime de violação. O Código Penal foi redefinido, com quatro alterações fundamentais, pelo artigo 20.° do Código Penal em vigor que define o crime de violação; dedica um preceito específico no artigo 202.° à violação de mulher inconsciente— que na tipificação é uma sub-hipótese com autonomia; prevê também no artigo 205.° outro crime sexual, o «atentado ao pudor com violência», do qual pode resultar obviamente violação; prevê ainda no seu artigo 214.°, e para não citar outros, a prática da inseminação artificial contra a vontade da mulher; o artigo 208.°, no seu n.° 3, prevê até especificamente que as penas previstas nestes casos «serão agravadas de metade dos seus limites mínimo e máximo se dos actos aí descritos resultar gravidez».

Isto é o que a lei penal neste momento prevê em matéria de crimes sexuais cuja gravidade não carece de reforço e por isso nos parece que este normativo ...

O Sr. José Luís Nunes (PS):—O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: — Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS):—O Sr. Deputado vai-me desculpar, mas o que diz a lei no n.° 1 do artigo 201.° do Código Penal é o seguinte: «Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos». Depois no Código Penal vem o artigo 202.° e que é sobre «violação da mulher inconsciente» que está subsumido pelo artigo 201.° Até aqui estamos de acordo, penso eu?!

O Orador: — Estamos, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Depois no artigo 203.° é considerada a «cópula mediante fraude», que também 6 submetido pelo artigo 201.°

O Orador: — Esse já não é!