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II SÉRIE — NÚMERO 83

O Sr. Presidente: — Faz favor, Sr." Deputada.

A Sr.B Zita Seabra (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficámos verdadeiramente espantados com as propostas do CDS. Eu diria mesmo que, depois de as ter, corremos o risco — se discutirmos mais uns dias— de a Assembleia da República aprovar uma lei de legalização ou despenalização do aborto por unanimidade.

Depois de tudo o que foi dito em plenário, de todos os argumentos inacreditáveis que ouvimos ao CDS durante horas, dias a fio, este aparece aqui com uma proposta em que visa exactamente a despenalização do aborto nalguns casos mais graves — alguns dos quais nós próprios tínhamos longamente apresentado —, que vão contra toda a teoria expendida pelo CDS em plenário, ultrapassando mesmo todas as intervenções do PSD nesta matéria.

A nossa bancada ainda não parou de estar espantada! Neste momento temos muita pena que a imprensa não esteja presente, mas penso que esta Comissão deverá imediatamente divulgar à opinião pública que afinal o CDS mudou de posição e entrou numa atitude razoável, compreendendo devidamente o drama da situação.

Gostaria de referir que não sei mesmo se, depois destas propostas, os deputados do CDS não correm o risco de serem severamente criticados pela próxima nota do Episcopado, mas tenho bem a impressão que sim!

No último debate público em que participei sobre esta matéria e em que esteve presente um representante da Igreja, o Sr. Bispo de Aveiro, ele condenou expressa e vigorosamente estas 3 propostas que o CDS acaba de apresentar agora. Enfim, poderemos depois discutir isso lá fora, com mais interesse.

Analisando mais de perto as propostas, dentro do espírito da despenalização dos casos mais graves, acho que as referidas propostas são, em grande medida, aceitáveis, embora contenham alguns aspectos graves, ou seja: no texto apresentado pelo Partido Socialista diz-se expressamente que o aborto é despenalizado em determinadas condições, efectuado em estabelecimentos de saúde; nas propostas do CDS diz-se que, nas mesmas condições, será despenalizado quando for — e cito o artigo 141.°, alínea a)— «o aborto praticado por médico». Isto é, o CDS não legaliza no sentido de não admitir expressamente que seja feito em estabelecimento de saúde, mas se um médico— em condições desconhecidas —praticar um aborto a uma mulher em que «constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave ...». Pergunto ao CDS se realmente é feito em estabelecimentos de saúde ou fora deles?

Se se trata de pura e simples despenalização, certamente que o CDS não está a admitir — porque se trata de não haver pena para o aborto praticado nestas condições — que será feito na rede clandestina hoje existente. Mas se o médico demonstrar que se trata de salvar a saúde física da mulher já não incorre em qualquer pena. Esta proposta do CDS vai mais longe do que a proposta do Partido Socialista.

 proposta do Partido Socialista limita os casos de despenalização àqueles que foram feitos em estabelecimentos de saúde e todos os restantes estão, pois, perante a alçada das penas que há pouco discutimos e votámos. O CDS diz, por seu lado, que se uma mu-

lher, para um aborto terapêutico ou resultante de violação, procurar o médico — tem que ser um médico e não uma parteira— numa clínica qualquer daquelas que existem aos montes, esse aborto está despenalizado. Vem abrir a porta à despenalização de todo e qualquer aborto que se realize por aí em qualquer tipo de clínica, excepto nos serviços de saúde — que não estão aqui previstos expressamente—, limitando-os aos três casos em que os admite.

Importa também dizer que o CDS vai ao ponto de não admitir só o aborto terapêutico —creio que já em todo o Mundo se admite que quando estão em causa duas vidas ... a questão da vida é muito complexa—, mas vai ao ponto de despenalizar o aborto por razões de ordem eugénica.

Estas propostas são, em nosso entender, muito mais latas do que as do PS, porque o projecto de lei do PS restringe a despenalização aos casos de aborto praticado em serviço de saúde, dentro das condições referidas na proposta de alteração do CDS — terapêutico, eugénico e resultante de violação.

Ora, como é sabido que a lei não tem eficácia no sentido de impedir a prática do aborto, o CDS vem despenalizar todo o aborto que é praticado pelo país. Porém, se ele for detectado e cair na alçada da justiça, a mulher e o médico têm que demonstrar que estão nume dessas três condições, correndo o risco de, não o fazendo, sofrer as penas que votámos ontem.

lá o projecto de lei do PS é muito mais restritivo, porque para que qualquer destas três condições que aqui estão (e podemos discuti-las mais tarde) possa operar a mulher deve dirigir-se a um serviço de saúde, e não a um qualquer médico.

O CDS vai até ao ponto de, na sua segunda proposta, admitir o aborto de ordem eugénica.

Não sei onde vai parar toda a teoria expendida, por exemplo, pelo Sr. Deputado Barbosa, o qual lamentava as «coitadinhas» das crianças deficientes que também têm direito à vida. Afinal, o CDS vem fazer uma mudança de 180 graus, razão pela qual prevejo que iremos sair daqui com um texto legal que irá merecer o consenso (possivelmente, só com os votos contra da ASDI, que mantém as suas posições).

O Sr. Presidente: — Seremos todos excumungados! Risos.

A Sr.° Zita Seabra (PCP): — Em relação às diversas alíneas do projecto de lei temos uma proposta de aditamento de uma nova alínea referente ao aborto por razões de ordem económica, a qual irá ser apresentada na devida altura.

Apenas gostava de dizer mais o seguinte: creio que a grande divergência que nos afasta das propostas do CDS reside no facto de, neste caso, a saúde da mulher ficar muito mais em perigo. Posição semelhante só vi ser defendida pelos grupos feministas franceses mais extremos que queriam a despenalização total, não querendo que ficasse consignado na lei a obrigatoriedade de praticar o aborto num qualquer serviço de saúde, mas sim que pudesse ser praticado por qualquer médico.

Fico muito espantada, portanto, ao ver o CDS assumir essa mesma posição e admitir que nestes casos o aborto é completamente livre e despenalizado.