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27 DE NOVEMBRO DE 1993

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assistir, daqui a um ano, a uma rábula parecida com esta do Centro Cultural de Belém em que os senhores vêm agora dizer que meteram lá dinheiro, quando sempre dissemos que o Estado não tinha outra alternativa senão a de ter de meter lá dinheiro?

Finalmente, o que é que o Governo, através da Secretaria de Estado da Cultura, pensa acerca da estratégia do País no domínio cultural no âmbito das discussões dos acordos do GATT. Tenho vindo a ser alertado sucessivamente para esta questão, mas devo dizer-lhe que fiquei particularmente sensibilizado com o Le Monde Diplomatique do último mês, que traz cinco páginas dedicadas a essa questão, onde se pode ler que o Governo Francês e os intelectuais franceses mostram uma grande preocupação quanto àquilo que temos vindo a denunciar a nível nacional e a que chamamos, sem qualquer problema, a mercantilização da cultura.

Ora, no âmbito dos acordos do GATT, correm-se também seríssimos riscos de domínio por parte do capital multinacional, particularmente americano, dos chamados «bens culturais». Na revista vem uma série de dados muito interessantes sobre isso. Por exemplo, 80% do mercado fílmico europeu é controlado pelos americanos, e isto não é uma questão como quem vende sabonetes ou quem compra automóveis, mas tem a ver com a identidade nacional, se quiser e dando de barato, com uma certa identidade europeia e com uma maneira europeia de ver as coisas.

Assim, pergunto o que é que o Governo, através da Secretaria de Estado da Cultura, tem perspectivado neste domínio. Ou será que, de todo em todo, olha para a nossa cultura como um «parque jurássico» em que o filme, antes de sair, já estava pago através dos gadjets, das camisas, etc, que foram vendidos?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Vou dar a palavra ao Sr. Deputado André Martins, uma vez que vamos fazer como é costume, ou seja, damos a palavra a cada um dos partidos aqui representados.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Obrigado, Sr. Presidente. Registo esta sua atenção.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, não estou a fazer mais do que a minha obrigação.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Secretário de Estado da Cultura, a ideia que tenho, que, penso, é generalizada a todos os portugueses preocupados com as questões do património cultural, é a de que caminhamos um pouco no sentido da degradação crescente do património cultural em Portugal. Se calhar, não é só em Portugal, mas importa falar da situação em que nos encontramos.

Gostaria de falar particularmente do património construído e, em primeiro lugar, para que não restem dúvidas, porque o Sr. Secretário de Estado gosta muito de falar sobre o Centro Cultural de Belém — aliás, foi uma das coisas de que falou logo de manhã cedo, para ver se nos despertava...

Recordo que, numa visita que fizemos ao Centro Cultural de Belém, expus qual era a nossa preocupação, que permanece, e como é que entendemos a construção de um Centro Cultural de Belém do investimento que ali é feito, tendo em conta a situação em que se encontra o património construído no País. Nunca pusemos em causa, e penso que ficou claro, nessa altura, a importância de um

Centro Cultural de Belém. Qualquer país gostaria de ter um, com esta ou com outra designação, mas o que importa é termos a noção da dimensão das coisas. Por isso, gostaria de lhe referir alguns exemplos que reforçam esta nossa preocupação, que tem a ver com a situação em que se encontra o património construído neste país. Recentemente, tive oportunidade de visitar o distrito de Santarém e constatei algumas situações sobre as quais gostaria que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse.

Por exemplo, o Convento de Santa Maria de Almoster e a Igreja da Graça, que são dois monumentos nacionais, situados na cidade de Santarém. Tem-se falado muito desta cidade e penso que era importante avançar com a ideia de a apresentar para uma candidatura a património da Humanidade. Porém, perante a situação em que se encontra o património em Santarém e os monstros que o Governo está a construir dentro do perímetro urbano da cidade, como é o caso da carreira de tiro, qual virá a ser a resposta da UNESCO relativamente a uma candidatura destas?

Em minha opinião, a responsabilidade destas situações não cabe apenas às autarquias, uma vez que a responsabilidade é também do Governo e, por conseguinte, nacional.

Outros exemplos, ainda no distrito de Santarém, são a Casa dos Patudos em Alpiarça e a Casa-Museu da Fotografia de Carlos Relvas.

O caso da Casa dos Patudos em Alpiarça corresponde a uma situação de degradação. Trata-se de um património nacional que, a considerarmos as visitas de turistas estrangeiros que por ali passam, tem grande interesse internacional.

Ora, embora a responsabilidade pela conservação deste património caiba à autarquia, pergunto: o Sr. Secretário de Estado sabe que a autarquia de Alpiarça é a que tem menor verba proveniente do FEF? Considerando a situação deste concelho e a importância deste património, o que é que a Secretaria de Estado da Cultura ou o Governo estão a pensar fazer neste caso concreto?

Com efeito, a continuarem sem fazer nada, estamos em vias de deixar de referir aqui, anualmente, esta situação, porque um dia destes não existe mais este património e, nessa altura, deixaremos de falar dele, pois já não consta do Orçamento do Estado e só, eventualmente, poderemos voltar a referi-lo se não existirem outras situações.

Quanto à Casa-Museu da Fotografia de Carlos Relvas, proveniente da família Relvas, é uma construção única no mundo. Foi construída para servir de estúdio, mas todo o património que lá existe corre o risco de desaparecer e os Portugueses irão perder a oportunidade de o conhecer, se não se fizer nada para obviar à iminente ruína, designadamente do tecto.

São estes exemplos concretos que constrastam, de facto, com a opção do Governo do Professor Cavaco Silva em construir o Centro Cultural de Belém. Repito que não temos nada contra a construção deste Centro, pensamos que qualquer país ou cidade gostaria de o ter, desde que tivesse os objectivos que ele se propõe atingir, mas o que se põe em causa é o que é que, neste país, o Governo está a fazer para não deixar que se perca todo o património histórico, o património da humanidade, em sentido lato. Qual é a proposta do Governo para o recuperar, tendo em conta estes casos concretos que existem num distrito próximo de Lisboa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.