22-(256)
II SÉRIE-C — NÚMERO 5
de um membro da comissão política nacional do PSD com um diagnóstico sobre o estado da justiça de que, num minuto ou dois, gostaria de reproduzir algumas ideias não
porque concorde com todas elas mas até para fazer o seu contraponto. Faço questão de referi-lo para que não fique
a ideia de que o discurso Catastrofista OU negativista é monopólio da oposição, como frequentes vezes ouvimos
dizer nesta Casa.
Nesse texto do membro da Comissão Política Nacional do PSD diz-se o seguinte: «Os tribunais demoram um tempo infindável a decidir [...] A justiça que os tribunais nos dão, quando chega, vem tarde e geralmente já para pouco serve [...] As pessoas cujos direitos são agredidos começam a sentir a tentação de fazer justiça pelas próprias mãos, é o princípio da justiça pública que está já a ser posto em causa. As pessoas que contactam com os tribunais estão profundamente desagradadas [...] As partes já começam a não acreditar que o recurso aos tribunais sirva para alguma coisa. Os advogados já não sabem justificar a necessidade da sua intervenção e a utilidade da sua profissão. Os juízes estão assoberbados de processos e cansados de passar fins-de-semana e feriados a minutar despachos saneadores e sentenças. De muito má que já era, a situação da justiça tornou-se insustentável. Há conflitualidade dentro do sistema e acabam por opor-se magistrados a advogados, Polícia Judiciária a Ministério Público, Ministério a juízes e todos ao Ministro da Justiça [...] O aparelho da justiça não resistiu [...] O Ministro da Justiça, hoje, só manda nas instalações dos tribunais [...] A pulverização actual de poderes, a sua descoordenação e conflitualidade na prática impedem a definição e implementação de uma política de justiça que permita atacar com eficácia os grandes males que afectam os cidadãos.»
Creio que, nalguns aspectos, o artigo exagera e é injusto para com V. Ex.a e, por causa dele, não gostaria de, neste momento, fazer uma leitura negativa da realidade hoje existente em Portugal. Penso que se justifica um certo compasso de espera para que possamos apurar qual das leituras da realidade — esta é, a meu ver, muito injusta para com V. Ex." — prevalece na área política do Governo.
O meu juízo é distinto sobretudo em relação à afirmação de que o Ministro da Justiça, hoje, só manda nas instalações dos tribunais, porque baseia-se numa avaliação própria desta realidade em virtude de acreditar em V. Ex.a Em 1990, na Assembleia da República, o Sr. Ministro disse peremptoriamente: «Há hoje finalmente a possibilidade de definir e de traçar uma verdadeira política de justiça para Portugal.» Não creio que as condições institucionais se tenham alterado desde então até porque, em 1992, afirmou:
«Está concebida uma política de justiça para Portugal,
lançadas as suas bases e iniciadas as acções que a concretizarão.» Também nessa altura disse tratar-se da «primeira política de justiça que se concebeu para Portugal», o que já é, evidentemente, um juízo um pouco polémico, mas estas afirmações constam do Diário da Assembleia da República, que, para este efeito, fui consultar.
Acredito, portanto, ao contrário do que pensa o membro da Comissão Política Nacional do PSD, que existam condições institucionais plenas para definir uma política de justiça e que V. Ex.a tenha traduzido ao longo destes quatro anos algumas intenções de uma política de justiça traçada.
Mas, passando os olhos por estes quatro anos, parece--me que já não podemos esperar, perante o discurso de V. Ex.a, boas notícias sobre a revolução judiciária que se
avizinha, sobre o Código de Processo Tributário e o contencioso administrativo, ou seja, já não podemos ter o
estado de espirito que seria legítimo nos anos anteriores.
E esse é o grande problema!
Reflectindo um pouco sobre a prestação de contas anual
neste quadriénio, interroguei-me sobre a particularidade do
destino da acção política na área da justiça e devo dizer,
Sr. Ministro, com toda a estima e consideração pessoal que tenho por V. Ex.", que há três pontos conclusivos que me propunha, de seguida, desenvolver.
Em primeiro lugar, para além da morosidade da justiça — aspecto focado anualmente e a que também se refere o cronista —, há sobretudo um aspecto que me parece relevante que é o da morosidade da prestação legislativa nas áreas mais influentes da justiça.
O segundo aspecto tem, em minha opinião, a ver com uma certa variação de opções em domínios relevantes, não em todos, gerando alguma dificuldade de percepção dos destinatários sobre a consistência desses objectivos, logo, alguma desconfiança.
O terceiro ponto que me parece resultar dessa análise diz respeito a uma frustração muito elevada de expectativas de diálogo, bem como de sustentação de um certo número de processos de participação que V. Ex." publicamente alimentou e que depois não se concretizaram.
Estes três aspectos resultaram muito nítidos porque não há dúvida de que, na área da justiça (irei referir-me apenas a esta área e, muito lateralmente, a uma outra), é há vários anos consensual que as disciplinas processuais e as leis orgânicas são fundamentais para introduzir factores de aceleração e de qualidade na resposta da justiça. É, pois, perfeitamente nítido que V. Ex.a não manda apenas nas instalações e que o cronista não tem razão. V. Ex.a detém uma alavanca fundamental no domínio destas reformas e beneficiou do privilégio de uma maioria política pronta a aprovar as propostas que, nesse sentido, propusesse no Parlamento.
Tentando demonstrar as ideias que avancei, em 1990, V. Ex.a falava na perspectiva de um Código de Processo Civi". mãe que seria acompanhado de um Código de Processo Civil facultativo, de aceleração, traçando um conjunto de considerações sobre esta distinção.
No programa do Governo correspondente a esta Legislatura dizia-se que este processo estava em fase de conclusão e, apesar de conhecer as suas peripécias, gostava de contar o filme para podermos dele ajuizar. Em Fevereiro de 1992, V. Ex.° dizia que seriam discutidas as orientações e passar-se-ia depois a uma fase de elaboração técnica, e cito, «sendo previsível que, até ao fim do ano de 1992, possa estar concluído». Em 30 de Outubro de 1992, o Sr. Ministro admitia em sede de Comissão a possibilidade de ser elaborado um diploma intercalar, pelo menos, o Diário da Assembleia da República assim o reza. Depois, em 15 de Dezembro do mesmo ano, aquando do debate, na especialidade, do Orçamento do Estado, portanto, há cerca de um ano, o Sr. Ministro dizia: «Em Janeiro próximo, terão aqui as grandes linhas de uma reforma diferente relativamente ao processo civil, porque o Governo quer sustentar o debate prévio na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.» Previa-se uma discussão até Junho, o que, dois anos antes, também já tinha sido previsto.
Chegámos a Dezembro de 1993 com a situação do Código de Processo Civil, depois destes antecedentes, no ponto em que se encontra e, pelo menos neste caso, pode falar-se de morosidade e de variação de propósitos da prestação legislativa num domínio essencial.