192-(64) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 99
De resto, êsse tráfego irá sendo gradualmente suplantado pelo tráfego aéreo, mesmo entre continentes, e a construção de uma estação marítima aérea há-de impor-se em futuro próximo, visto a que existe actualmente em Cabo Ruivo não satisfazer, por não ter docas de abrigo, nem outras necessidades inerentes à movimentação, em larga escala, das comunicações aéreas.
Tudo o que seja aumentar a despesa do pôrto de Lisboa, por encargos a liquidar a longo prazo ou pelo desvio, para cousas de menor necessidade, de receitas que deveriam ser utilizadas em melhoramentos mais úteis, não parece ser de aconselhar.
84. De resto, está ainda longe de conclusão o porto de Lisboa, e é realmente para notar que uma das obras mais interessante e até certo ponto mais rendosa, que cedo ou tarde terá de ser executada, não tivesse merecido ainda a devida atenção.
Falando-se tanto, ultimamente, em planos de urbanização da capital, no estudo dos quais se gastaram elevadas somas, parece que deveria ser tomado em conta, em primeiro lugar, o centro de Lisboa, o coração da cidade, não só na parte relativa a higiene, pavimentação, trânsito e arranjo artístico, como no que diz respeito à actividade dos serviços públicos.
Foi previsto há muitos anos o alinhamento do molhe da Rocha com o Terreiro do Paço. As obras a fazer constituem o complemento da l.ª secção do pôrto, e compreendem o alargamento da doca de Santos, um cais acostável com fundos que podem atingir cerca de 11 metros até ao Terreiro do Paço, aterros para terraplenos, além das dragagens essenciais a obras deste vulto. O complemento da l.ª secção do porto visa a dois objectivos principais: o primeiro, que é importante, sob o ponto de vista de tráfego, tem por fim dotar o porto com uma larga doca onde possam abrigar-se os barcos durante os temporais no rio ; e do segundo resultarão cerca de 100:000 metros quadrados de terrenos, que poderão ser utilizados para construções, além de permitirem fácil acesso entre a Avenida da índia e a Baixa.
As primeiras estimativas para condições de preço, anteriores à guerra, montavam a pouco mais de 40:000 contos. Actualmente podem computar-se os trabalhos de custo em cerca de 80:000.
Por diversas vezes se tem insistido nestes pareceres sobre a necessidade de se realizarem, de preferência, obras com carácter reprodutivo - obras que tragam com a sua conclusão rendimentos que as amortizem em curto ou largo prazo de tempo, ou que, por virtude da sua essência, valorizem em quantias elevadas os locais em que são feitas.
O complemento da l.ª secção do porto de Lisboa é das que pela simples execução produzem valores idênticos ao custo. O primeiro grande valor real é o dos terrenos conquistados ao Tejo. O anteprojecto, j á aprovado pelas entidades técnicas, prevê a formação de terraplenos no total de 98:000 metros quadrados, que podem ser utilizados em cais, avenidas, talhões para edifícios, armazéns, etc. Abstraindo por agora do seu uso, e tendo apenas em consideração os terrenos no melhor sítio de Lisboa, pelo menos onde deve ser mais alto o custo por unidade de superfície, não é exagero calcular que, uma vez completado o projecto, o seu valor se eleve a cerca de 80:000 contos ou mais.
Isto significa que a área conquistada ao Tejo paga percentagem importante da obra. Não é, porém, apenas na aquisição pura e simples de terrenos que reside o seu interesse.
É conhecida a insuficiência da instalação dos serviços públicos. Muitos há que habitam casas alugadas, com impróprias condições de alojamento. O trabalho é naturalmente defeituoso e a fiscalização precária. Outros vêm sendo instalados em edifícios adquiridos pelo Estado, muitos construídos há centenas de anos. Dentro deles se fazem obras de adaptação extremamente dispendiosas e o que delas resulta não pode satisfazer, nem satisfaz, às condições modernas de instalação de serviços públicos. Quem conhece a dificuldade de adaptação de velhos edifícios a fins completamente alheios àqueles para que foram construídos reconhece logo o erro de tais adaptações. Muitas vezes valeria mais demoli-los, aproveitando apenas os terrenos, e construir de novo. Se se examinassem as contas públicas de longo período e se se verificassem cuidadosamente as somas gastas nas obras abalizadas em edifícios desta natureza, em anos e anos seguidos, reconhecer-se-ia logo a inadaptabilidade e inconveniência do sistema.
Ora nos terrenos conquistados para complemento da l.ª secção há área de sobra para a gradual execução do plano de instalações que já foi preconizado nestes pareceres. Dentro de vinte ou trinta anos seria possível modificar profundamente as condições de trabalho de muitos departamentos do Estado, além de se ter dotado Lisboa com uma fachada para o rio que rivalizaria com a de outras capitais. Na Assemblea Nacional se insistiu já, quando foi discutida a lei de finanças para o ano do 19371, sobre o estranho fenómeno do desvio da cidade para norte, para longe do rio, e parece ter sido ouvido pela Câmara Municipal o apelo então feito, visto ter sido indiciada a urbanização de parle dia costa da Ajuda e terrenos de Belém. Mas o que então se disse aplica-se também ao próprio rio, ao aproveitamento de suas possibilidades. Quando estas permitem conquistas que só traduzem materialmente em capital de vulto, o problema tem de ser encarado seriamente.
85. Tudo isto vem a propósito das receitas e despesas do porto de Lisboa e da necessidade de não se fazerem nele obras que possam vir a prejudicar o complemento de planos antigos, quási integralmente executados, com o dispêndio de somas que poderiam ser melhor aplicadas, e neste caso está a construção de duas estações marítimas.
Quando, na própria Assemblea. Nacional, foi preconizada a ligação por túnel da Avenida da Liberdade com o Cais do Sodré 1, não se esqueceu que esta obra era acessória, da que acaba de ser alvitrada. Os trabalhos do complemento da l .ª secção poderiam utilizar os entulhos desmontados no túnel, o que tornaria mais económico o custo de uma e outra obra.
Quais os encargos do complemento da 1.ª secção do porto? A anuidade correspondente ao capital caberá dentro das possibilidades actuais das receitas?
Viu-se atrás que a dívida do porto sobe hoje a 69:886 contos. Se se incluir o que em 1940 deve ser pago pelo resto das obras da 3.ª secção (Santa Apolónia - Poço do Bispo), o débito poderá apresentar-se assim:
Contos
Empréstimos de 6:000 e 3:100 contos...... 8:588
Obras da 3.ª secção...................... 70:000
Complemento da l.ª secção................ 80:000
Total.......... 158:588
Nos diversos encargos, além dos juros e amortização dos empréstimos, que montam actualmente a,8:588 contos, está incluída a verba de 1:500 contos para juros do capital despendido na 3.ª secção. Logo que terminem
1 Ver Diário das Sessões de 11 de Dezembro de 1936.