1028 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 112
O que ou pretendo agora é justificar-me, por minha vez, do meu silêncio, à falta de elementos de apreciação, que em vinte e quatro horas mal tive tempo de folhear.
Aguardo, pois, que a copiosa documentação que ontem recebi, constituída por mais de duzentas páginas maciças, me forneça matéria de estudo para poder pronunciar-me, o que só farei - ou espero fazer, evidentemente - na próxima sessão legislativa.
Entretanto, Sr. Presidente, não quero deixar de afirmar, neste mesmo lugar donde expedi o meu requerimento, que nunca pus em dúvida a boa fé e as boas intenções dos administradores da Casa de Bragança. Tenho até conhecimento, por informações particulares, aliás comprovadas, de que a administração tem sida exercida pelo actual conselho administrativo de uma forma construtiva e salutar.
Têm-se despendido, é certo, verbas que parecem à simples vista desnecessárias ou exageradas, mas também é verdade que noblesse oblige e mal ficaria ao conselho administrativo se não honrasse as tradições, os imperativos sociais e as exigências de representação da velha casa ducal de Vila Viçosa.
verifica-se, por outro lado, que essa mesma administração tem saldado largamente, mesmo além do exigível, todos os compromissos tomados, restituindo à Casa de Bragança a sua independência económica, a sua prosperidade agrícola e a sua grandeza heráldica.
Sobre as percentagens atribuídas às instituições de beneficência a que me referi, há quem afirme que o testamento de El-Rei D. Manuel não existe ou não tem valor jurídico, levando assim a concluir a priori aquele encargo poderá constituir uma faculdade, mas nunca uma obrigação do conselho administrativo.
E eu respondo que o valor jurídico não pode preterir o valor moral; foi para servir este que aquele se criou e é sempre em seu serviço que actua, nem pode ser outra a doutrina do Estado Novo, baseada nas afirmações que ouvimos formular a cada passo sobre o conceito de justiça.
Será um mito, com efeito, o testamento de El-Rei D. Manuel; mas o que nunca é um mito é a vontade de um morto por qualquer forma expressa. O mais sagrado direito do homem é o direito à vida, sobretudo o direito à vida dos mortos, quando as suas virtudes se alteiam ou os seus sacrifícios se impõem. Além disso, eu não creio que a sua vontade seja inexequível ou inoperante; não creio que as suas determinações, tão insistentemente propagadas, e essas mesmas percentagens, tão precisamente estabelecidas, sejam produto apenas ao uma fantasia de sonâmbulos.
Mas há ainda outra hipótese a considerar: a dificuldade de materializar o pensamento do rei. Nesse caso, se do exame dos factos é uma obrigação que resulta, que se cumpra; se é uma faculdade, que se amplifique.
Seja qual for, portanto, a conclusão a que chegarmos, só uma intenção me move e só uma finalidade me conduz: defender, como pretendi os interesses das instituições de caridade que o Sr. D. Manuel galhardamente incluiu entre os seus primeiros contemplados.
Ninguém poderá acusar-me nem me hei-de arrepender por isso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: antes que termine a sessão legislativa actual, julgo oportunas algumas considerações de ordem política.
Não tenho a honra de pertencer à União Nacional, onde nunca procurei inscrever-me. Ponderei a quem de direito esse facto quando aquele organismo me convidou a apresentar a candidatura de Deputado pelo círculo de Lisboa.
A resposta que recebi, perfeitamente isenta de espírito partidário, inteiramente identificada com a razão patriótica, animou-me não só a aceitar o mandato mas a respeitar mais ainda, se possível é, a orientação superior da política do Estado Novo.
Na minha modestíssima acção parlamentar nunca me foi exigida, ou sequer sugerida, qualquer atitude. Ao contrário do que sucede em tantos agrupamentos, que se dizem democráticos mas impõem aos seus adeptos a mais tirânica disciplina em matéria de opiniões, nada contrariou a expressão, livre do meu pensamento e ninguém me limitou o exercício do mandato.
Falei sempre em meu nome pessoal e sou o único responsável, quer pelas afirmações produzidas, quer pelas reacções consequentes às minhas palavras.
Sr. Presidente: por tais motivos, a União Nacional e os seus dirigentes merecem o agradecimento e a homenagem entusiástica do simples soldado que nada aceitou nem jamais aceitará da política, que nunca exerceu nem virá a exercer cargos políticos ou administrativos e que até à sua eleição para Deputado se limitara a ocasionais intervenções militares.
Ao contrário do que muita gente supõe, sou um burguês pacato, desejoso de fruir pacificamente os últimos anos de vida, incapaz de atitudes irredutíveis, compreensivo e tolerante. Só conheço um inimigo: o ódio. Odeio o ódio, odeio o ódio apaixonadamente, sob todas as suas formas, política, pessoal, científica ou material. Em presença do ódio reajo com a coragem dos tímidos - e passo imediatamente à luta em todos os campos onde o adversário se encontre.
Fora disso não adopto atitudes sistemáticas. Como parlamentar, ora louvo, ora condeno, às vezes no mesmo dia a mesma pessoa e o mesmo serviço. Porquê? Porque a minha consciência está tão aberta à justiça como cerrada ao preconceito e à paixão partidária ou administrativa. Sou tolerante; quer dizer: forte de espírito.
Se tentam vencer-me, reajo; se me convencem, adiro.
Por isso erram muito aqueles que em Portugal ou no estrangeiro me consideram sinónimo de oposição a Governos e mais ainda os que me julgam partidário incondicional de quaisquer chefes políticos.
Venero o que se passa nesta Câmara: em vez de uma oposição sistemática, cega, obcecada e, portanto, injusta, encontro uma oposição flutuante, que ora se desloca num sentido, ora se revela noutro, conforme a natureza dos problemas, e nunca sectária, dirigida pela adversão a pessoas ou contra princípios fundamentais.
Uma das acusações feitas amiúde ao nosso Parlamento é a de que não pode funcionar bem uma Assembleia onde não existe oposição. Nada disto é verdadeiro.
Porquê? Porque a oposição existe e traduz-se na crítica que os eleitos da Nação, em nome dos seus eleitores, aqui livremente exercem. Pode classificar-se de oscilante, por não ser sistemática, de pendular, por não ser facciosa e por variar de sentido, de flutuante, por vogar ao sabor dos acontecimentos, e até de indisciplinada, por não ter comando, mas devemos reconhecer que ela existe, corresponde aos mais altos interesses nacionais, é independente de coacções disciplinares e somente se rege pela consciência de cada Deputado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há grupos indefinidos antecipadamente, mas formam-se os indispensáveis núcleos de opiniões, na ocasião oportuna, conforme os assuntos versados. Num debate pertencemos à oposição; noutro somos governamentais.