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294 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70

entende que não convém alterar os preceitos vigentes apenas para aperfeiçoar a sua sistematização, ou tornar mais claras tendências que já se encontrem suficientemente definidas e asseguradas no texto vigente.

3. A Câmara chama muito particularmente a atenção para os perigos de uma assimilação prematura dos territórios ultramarinos à metrópole.
As suas condições naturais são e permanecerão diferentes; diferentes, e muito, são também na maior parte deles as condições sociais e económicas.
Desta diferença, que salta aos olhos do mais desprevenido observador, resulta a necessidade da especialização do Governo, da administração e das leis.
A assimilação tem de ser lenta, acompanhando a civilização dos nativos e o desenvolvimento dos núcleos de povoamento europeu.
E, sendo assim, também não é possível sujeitar todos os territórios a um regime uniforme, antes se devendo prover diferenças, por vezes consideráveis, de estatuto orgânico entre uns e outros, consoante a extensão, a população e o adiantamento de cada qual.

4. É por estas razões, sumariamente expostas, que a Câmara Corporativa se inclinaria para uma revisão o mais possível restrita, de modo a deixar subsistir do Acto, Colonial o máximo de preceitos doutrinários e orgânicos, ainda que com a nomenclatura substituída.

II

Exame na especialidade

ARTIGO 2.º

5. O artigo 2.º do Acto Colonial contém uma afirmação puramente doutrinária que tem sido objecto de frequentes críticas desde que em 1930 o Governo publicou na imprensa o primeiro projecto para apreciação pública.
Em certos meios da opinião indiana foi esse artigo
considerado até um dos mais graves defeitos do texto constitucional.
O projecto agora apresentado altera a sua redacção. Vejamos se para melhor.
Mantém-se a afirmação de que é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar ...
Com razão se tem censurado a lógica desta frase. A expressão essência orgânica significa rigorosamente "estar no próprio ser dos órgãos", "o ser aos órgãos" ou, quando mais, "o ser que resulta da existência e disposição de certos órgãos.
Quer dizer-se com ela que a Nação Portuguesa, como organismo tem necessariamente (sem o que deixará de ser)a função de colonizar?
Mas isso seria negar que a Nação haja existido antes da expansão colonizadora e afirmar que fatalmente deixará da existir no dia que tenha cumprido a função de colonizar, inclusivamente por se acharem colonizados os territórios ultramarinos.
Mesmo que estes territórios fiquem para sempre integrados na Nação Portuguesa, é admissível a hipótese e um dia se poder considerar passada a fase da colonização (como acontece na Madeira e nos Açores). Justamente as susceptibilidades indianas nasceram de se poder tirar do texto a ilação de que a Índia Portuguesa está condenada a ser, per omnia secula, um território a colonizar.
Ora na própria oração se afirma que se trata do exercício de uma função histórica e tudo o que é histórico é temporal. Quis-se porventura dizer que é uma função herdada do passado; mas teve princípio em certo momento desse passado e não pode repugnar-nos a ideia de que há-de ter fim.
Repete-se que este fim pode não ser a separação e sim a total integração, como aconteceu com as ilhas adjacentes.

6. Em vez da "função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos", diz-se agora: "função histórica de colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania".
Também a nova fórmula não parece feliz. Nem todas as parcelas do actual Império Colonial Português se podem dizer com propriedade "terras dos descobrimentos": haja em vista Macau.
Por outro lado os descobrimentos respeitaram a mares, costas e ilhas: os vastos territórios do interior do continente africano, hoje sob a soberania portuguesa, não são rigorosamente "terras dos descobrimentos".
A inclusão desta expressão logo no início de tão solene texto constitucional dá a impressão de que na segunda metade do século xx Portugal continua a invocar, como único título jurídico da sua soberania no ultramar, os descobrimentos.
Sem dúvida que o descobrimento é, um dos títulos portugueses e porventura o mais glorioso: mas não podem deixar-se na sombra os outros, consagrados pelo direito internacional moderno, nomeadamente a ocupação, a posse e o reconhecimento em tratados e convenções internacionais.

7. No actual texto acrescenta-se à função histórica de colonizar a de "civilizar as populações indígenas que neles se compreendam; agora propõe-se que se substitua esta frase por outra: "e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da civilização cristã".
Civilizar as populações indígenas" era frase de sentido perfeitamente definido dentro do sistema do direito colonial português. Os dois termos colonizar e civilizar, em que se fazia consistir a "função histórica de Portugal", harmonizavam-se perfeitamente e estavam de acordo com as concepções internacionais mais correntes sobre a missão colonizadora: valorizar os territórios mediante o envio de gente industriada nas técnicas Europeias e valorizar as populações nativas que vivessem ainda em estado primitivo, educando-as segundo as concepções morais aos povos mais adiantados.
A frase agora proposta para a substituir não tem a mesma nitidez em si própria nem se harmoniza tão bem no conjunto do artigo.
Em vez de "populações indígenas que, neles se compreendam (o que se restringia às colónias de indigenato), fala-se agora em "populações ali existentes"; mas estas são formadas por colonos europeus, por assimilados cristãos, por outros assimilados não cristãos (hindus, maometanos, parses ... ) e por indígenas. Quanto aos civilizadas, não vem a propósito fixar-se constitucionalmente a função de lhes comunicar o que já possuem; quanto aos que não têm a civilização cristã, mas não são indígenas, muito embora se trate da difusão dos benefícios de um certo tipo de civilização, e não dos princípios de uma religião, podem julgar-se atingidos nas garantias, até aqui asseguradas, de liberdade de crença e de respeito dos seus usos e costumes.
Se na Índia o actual artigo 2.º suscitou reparos, pense-se que repercussões políticas poderá a nova redacção ter nas comunidades não cristãs que formam também a grande maioria da população de Macau e importantes minorias em Moçambique e na Guiné.
A Câmara não quer dizer com estas observações que não esteja segura de superioridade e dos benefícios da civilização cristã: apenas deseja chamar a atenção para