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298 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70

tias gerais, consigna a matéria Das garantias especiais para os indígenas africanos. Pelo que se deduz das notas explicativas enviadas com o projecto, o Governo teme que o emprego da palavra indígena, ainda mesmo com o qualificativo restritivo de africano, possa ferir a susceptibilidade dos naturais de algumas colónias.
Ora no direito colonial português está perfeitamente assente o que se entende por indígena. É na revisão a que em 1945 se procedeu na Carta Orgânica dispôs-se no artigo 246.º, § único, que «no Estado da índia e nas colónias de Macau e Cabo Verde as respectivas populações não estão sujeitas nem à classificação de indígenas com ao regime de indigenato na sua acepção legal».
Pretende-se agora declarar também Timor isenta desse regime. Sem dúvida que os malaios timorenses possuem nível cultural mais elevado do que a maioria das populações negras de África; mas daí até se poder afirmar que estão em condições de ser tratados como cidadãos portugueses, prescindindo das garantias espaciais que a lei estabelece para defesa e protecção dos indígenas, vai ainda uma grande distância.
Um missionário, o P.e Abílio Fernandes, resume a religiosidade e as superstições timorenses em duas palavras: temor e orgias, e considera os indígenas de uma psicologia quase primitiva e pueril 1.
Jacinto Magro descreve o timorense como «uma criança irresoluta»2.
Teófilo Duarte refere-se em 1926 «ao estado de atraso social em que o timorense se encontra» 3 e diz que «a densidade de população é insignificante... o seu estado de civilização é o mais rudimentar possível»4.
O declarar os timorenses cidadãos, e, portanto, não indígenas, não só os privaria da protecção legal e administrativa estabelecida para acautelar a debilidade dos não civilizados contra os perigos da utilização desprevenida do direito e da técnica das sociedades evoluídas, mas envolveria consequências importantes para a organização e até para a divisão administrativa da colónia, pois onde não há indígenas deixa de haver lugar a circunscrições e, portanto, deixam de existir administradores de circunscrição com os poderes e funções prescritos na Reforma Administrativa Ultramarina (cf. especialmente os artigos 8.º e 46.º).
Entende a Câmara que se não deve temer o emprego do termo indígena: qualifica uma realidade evidente, que exige uma disciplina jurídica, sem a qual graves inconvenientes se produziriam na vida e na evolução das populações atrasadas das colónias.
Não temos de pedir desculpa da existência dessas populações, que se encontram por toda a África tropical, na Ásia e na Oceânia, nem devemos vendar os olhos à protecção necessária e dignificante que lhes queremos conceder.
Por isso a epígrafe do capítulo III poderá ser «Das garantias especiais para os indígenas».

ARTIGO 15.º

20. A nova redacção do artigo ]5.º ressente-se do espírito, notado no número anterior, de julgar quase vergonhoso confessar a existência, de indígenas, procurando-se justificar a inserção destas disposições especiais com a invocação do artigo 6.º da Constituição, em que o Estado assume a incumbência de zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas.
A Câmara considera desnecessária tal invocação e entende que o estatuto especial dos indígenas é uma consequência do estado primitivo de certas populações que temos a missão de educar para a civilização, e não uma medida de política social para alento de classes economicamente débeis.
Entende também que a actual redacção do artigo é inteiramente satisfatória, salvas as alterações exigidas pela nomenclatura agora adoptada e com o aditamento de um parágrafo onde se especifiquem os territórios em que é aplicável o estatuto do indigenato, a fim de ficar constitucionalmente consignada, a exclusão daqueles em que já se sabe que suscita melindre a possibilidade de confusão dos seus habitantes com os indígenas.

ARTIGOS 16.º A 21.º

21. A Câmara Corporativa nada tem a observar à redacção dada aos artigos 16.º a 21.º, que é, salvo ligeiríssimas alterações, a que actualmente têm no Acto Colonial.

ARTIGO 26.º

22. O artigo reproduz, com ligeira alteração de terminologia, o texto actual. Se não fora o inconveniente de suprimir disposições que constam do Acto Colonial vigente, a Câmara proporia a eliminação do § único, pois a unidade política de cada colónia não está hoje posta em dúvida, não há tendências para a organização federativa, encontra-se posta de parte por todas as pessoas de senso a cisão das colónias em mais de um governo-geral, e os termos em que se encontra redigido o artigo do projecto criam dificuldades relativamente aos governos subalternos das colónias de governo-geral.
A redacção proposta pela Câmara é a seguinte:

Cada território ultramarino será organizado com a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios, sem prejuízo do disposto no artigo 47.º
§ único. Cada território terá uma capital, onde residirá o governo a que caiba assegurar a respectiva unidade política e administrativa.

ARTIGO 26.º-A

23. O artigo 25.º do Acto Colonial diz que «as colónias regem-se por leis especiais, nos termos deste título». (3 projecto substitui-o pelo artigo 26.º-A, que, além de indicar desde logo os órgãos legislativos, restringe os termos da formulação do princípio da especialidade da legislação colonial, dispondo que «as províncias ultramarinas reger-se-ão por via de regra por legislação...».
Na concepção até hoje aceite as leis vigentes no território colonial eram sempre especiais, mesmo quando dimanadas dos órgãos legislativos metropolitanos.
Entendia-se que estes órgãos agiam como órgãos especiais para o ultramar (como nos casos em que a Assembleia Nacional exercia a sua competência exclusiva) ou assumiam a competência legislativa especial por deles fazerem parte o Presidente do Conselho e o Ministro das Colónias, o primeiro dos quais é o orientador superior da política do Governo e o segundo o legislador qualificado para o ultramar.
Para afirmar que o Governo, ao legislar, englobara a competência especial do Ministro das Colónias e que este interviera na sua qualidade de legislador ultramarino é que se exige a menção autografa do Ministro de que o decreto-lei ou o decreto simples deve ser publicado no Boletim Oficial das colónias onde haja de executar-se.
Quando o Ministro das Colónias não intervém num diploma metropolitano ou intervém na simples quali-

1 Cit. Em M. Correia, Timor Português, pp. 130 e 131.
2 Idem, idem, p. 132.
3 Timor, antecâmara do inferno?, p. 355.
4 Ob. cit., p. 381.