19 DE JANEIRO DE 1951 303
Escusado será sublinhar quanto a Câmara Corporativa teria de se sentir honrada caso lhe fosse confiada a função de, por intermédio de uma das suas secções, substituir o tricentenário Conselho Ultramarino.
Mas a preocupação de prestigiar esta Câmara não pode impedir que se examinem serenamente as vantagens e os inconvenientes que para o interesse nacional poderão advir da solução proposta.
A favor da integração do Conselho na Câmara aduz-se que se evitaria uma duplicação de órgãos de funções análogas, que se reforçaria o princípio da unidade política e administrativa da Nação e que com ela se justificaria mais larga representação na Câmara, até hoje inexplicavelmente ausente, das autarquias locais e dos organismos corporativos de além-mar.
Vejamos se as razões procedem.
A duplicação de órgãos é mais aparente que real. Já acima se notou que o Conselho do Império, além de órgão de consulta em matéria legislativa, é tribunal da inconstitucionalidade dos diplomas locais e precioso auxiliar da administração civil, económica e financeira.
Integrando-o na Câmara Corporativa, de duas uma: ou ficava substituído pela secção do Ultramar, embora ampliando o número de procuradores desta, mas sujeito ao estatuto comum da Câmara, e então desapareceriam funções (jurisdição constitucional e consulta administrativa) que são de primacial importância e de imprescindível existência no Ministério das Colónias; ou a secção do Ultramar da Câmara conservava essas funções do Conselho do Império, constituindo uma especialidade, para não dizer anomalia, dentro do quadro desta Casa parlamentar.
É certo que para justificar que na Câmara Corporativa existisse uma secção com funções muito diferentes das outras se poderia invocar o exemplo da Câmara dos Lordes, onde efectivamente funciona, actuando em nome de toda a Câmara, o supremo tribunal de apelação do Reino Unido, composto pelo Lorde Chancheler, pelos sete lordes da apelação in ordinary, pelos antigos lordes chanceleres e pelos lordes que hajam desempenhado altas funções judiciais.
Mas esse facto explica-se por uma longa tradição, desde a Idade-Média em que a Cúria Régia constituía com o soberano o supremo tribunal do reino, prerrogativa herdada pelo Parlamento que, sucedendo à Cúria, conservou sempre a natureza de High Court.
Á tradição portuguesa, pelo contrário, é no sentido de manter o Conselho Ultramarino como um Conselho de Estado independente das assembleias legislativas.
A segunda razão, do reforço da unidade política, impressiona pouco esta Câmara. A experiência de todos os impérios coloniais mostra que não é a excessiva assimilação nas instituições, com a sua sistemática centralização e unificação de órgãos e de processos que estreita os laços das colónias com as metrópoles. Pelo contrário: se os territórios do ultramar se vêem governados por quem desconhece as particularidades da sua economia e da sua administração, se falta, a eficiência nas medidas e a prontidão nas resoluções, começa a radicar-se a crença de que a lentidão do progresso ou a persistência de certos inales é fruto da dependência dos órgãos longínquos, indiferentes ou até ignorantes, da metrópole.
Se no caso presente a secção do Ultramar decerto procuraria, na medida das suas possibilidades e sem embargo de ser solicitada a intervir no estudo de outras providências submetidas ao exame da Câmara, dar pronta e conveniente satisfação às consultas feitas, nem por isso a tendência para a concentração e unificação deixa de ser perigosa na medida em que possa comprometer a especialidade e a eficiência administrativas.
Resta a terceira razão. Mas seria praticável uma larga representação ultramarina, isto é, dos interesses locais através de procuradores vindos das colónias, na Câmara Corporativa?
Pense-se que a Câmara funciona por secções, convocadas ao sabor das exigências de estudo dos projectos e propostas que lhe são submetidos e que a evolução parece desenhar-se no sentido do seu funcionamento permanente.
Já hoje é chocante que, durante os períodos das sessões legislativas, os procuradores dos distritos insulares sejam forçados a residir em Lisboa, ficando assim importantes câmaras municipais privadas dos seus presidentes durante três ou quatro meses, enquanto estes esperam uma eventual convocação da secção a que pertencem.
Imagine-se a perturbação que proviria dessa ausência anual em relação a procuradores de todas as colónias ou da sua convocação telegráfica a propósito de qualquer projecto sobre o qual devessem ser ouvidos!
O sistema da Carta Orgânica do Império acerca da representação dos interesses locais em órgãos consultivos da administração ultramarina completava os preceitos constitucionais e dava plena satisfação às necessidades das colónias desde que fosse posto em prática como deveria ser.
Os interesses económicos, sociais e culturais nas colónias têm representação nos corpos administrativos, podem tê-la nos Conselhos de Governo e, no plano imperial, seriam ouvidos periodicamente nas conferências económicas imperiais, que} por serem de reunião espaçada, já permitiam sem inconveniente a deslocação de elementos verdadeiramente representativos da opinião local até Lisboa.
Essa era a fórmula prática e útil que a Câmara Corporativa não vê razão para se pôr de parte.
32. Na primeira parte do § 1.º da nova redacção do artigo 27.º propõe-se ainda outra inovação: a de a publicação dos decretos do Ministro do Ultramar poder fazer-se independentemente de consulta ao órgão que for indicado, «nos casos de urgência reconhecida pelo Conselho de Ministros».
Até aqui o juiz da urgência tem sido, em primeiro lugar, o Ministro das Colónias, mas não é o único: na verdade, carecendo o decreto da referenda do Presidente do Conselho (Acto Colonial, artigo 28.º, § 2.º, com referência ao artigo 82.º da Constituição), este, como orientador da política do Governo, é também juiz da oportunidade da medida. E em última instância, o Chefe do Estado, ao promulgar o decreto, pode ainda fazer novo juízo e decidir de acordo com as conclusões a que chegar.
A resolução em Conselho de Ministros não melhora em nada tal sistema.
Acresce ainda que não sendo o Conselho de Ministros um órgão de funcionamento regular e menos ainda de reunião frequente, nos casos de verdadeira urgência haveria que suprir a sua audiência pela resolução do Presidente, como de há muito é praxe suceder em casos análogos.
Nestes termos a Câmara Corporativa é de parecer favorável à manutenção do que se encontra disposto no Acto Colonial.
ARTIGOS 28.º E 28.-A
33. As considerações feitas acerca da nova redacção proposta para o artigo 27.º explicam que não haja agora que emitir voto acerca do novo texto do artigo 28.º. A Câmara opta, portanto, pela conservação do texto vigente, com a supressão do n.º 1.º e algumas modificações de redacção.