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300 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70

fessor 1, não implicava a necessidade de um voto das câmaras acerca das providências decretadas; a simples entrega do relatório do Governo bastava para cumprir a formalidade constitucional.
E acrescenta:

Resta mesmo saber se uma reforma do artigo 15.º do Acto Adicional de 1832 se deve fazer no sentido de reforçar os direitos da representação nacional ou no sentido de os atenuar. Efectivamente a tendência nos parlamentos estrangeiros não é para estender a sua acção sobre a administração colonial, mas para a restringir, intervindo nela o menos possível e só em casos extraordinários, intimamente ligados com a vida política da Nação. O Parlamento inglês, por exemplo, tem o direito incontestável de fazer leis para as colónias, mas raras vezes usa deste direito, discutindo principalmente em interpelações ao Governo as questões coloniais 2.

Quase pela mesma altura, em 1907, um distinto juiz do ultramar, Albano de Magalhães, consagrava o primeiro volume dos seus Estudos Coloniais à Legislação Colonial, seu Espírito, sua Formação e seus Defeitos, nele defendendo igualmente com larga cópia de argumentos e transcrições de autores estrangeiros a faculdade normal do Ministro das Colónias para legislar para o ultramar, com exclusão do Parlamento.

25. É este movimento doutrinário que explica o sistema consagrado pela Lei n.º 1:005 e que passou para os artigos 67.º-A e 67.º-B da Constituição de 1911: competência normal do Poder Executivo e dos governos coloniais para legislar para as colónias, com a reserva de certas matérias para a competência exclusiva do Parlamento.
O significado da expressão exclusiva competência é assim o da criação de uma zona de matérias reservadas, que não poderia constitucionalmente ser invadida pelo Governo Central ou pelos governos coloniais.
Se fora dessa zona o Parlamento legislasse, as suas leis ficavam sujeitas a ser alteradas ou revogadas por decretos do Ministro das Colónias, pois estes decretos têm o mesmo valor que as leis.
Mas dentro da zona reservada só o Parlamento é competente e os decretos ministeriais que nela toquem são inconstitucionais.
O sistema passou intacto para o Acto Colonial, salvo que as suas linhas mestras ficaram neste mais vincadas ao estabelecer-se um processo especial para o Ministro das Colónias legislar, em caso de urgência extrema, sobre as matérias da competência exclusiva da Assembleia Nacional fora do período das sessões desta: o do § único do artigo 27.º, que confere nesse caso ao Conselho do Império poderes legislativos, visto fazer depender a publicação do diploma governativo do seu voto afirmativo.
A exclusiva competência da Assembleia Nacional, segundo o direito constitucional colonial português, não tem, pois, nada que ver com as disposições da Constituição que dizem o que deve constituir matéria de lei.
A interpretação a dar ao artigo 93.º parece, na verdade, ser esta: a de que enumera matérias que não podem ser reguladas por meio de regulamentos independentes, devendo, portanto, ser objecto de lei ou de decreto-lei, sem embargo de estes diplomas poderem, depois ser desenvolvidos mediante regulamentos complementares 3.
Há quem entenda que não é assim. O facto de o artigo 93.º vir a seguir àquele em que se estabelece o princípio de que «as leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos...» significaria que, quanto às matérias neles referidas, se abria excepção à regra, devendo as leis que as regulassem esgotar todo o regime jurídico e não se limitar às bases gerais, e deixando, portanto, de haver lugar à publicação de regulamentos, mesmo complementares.
Não parece, porém, à Câmara que tal interpretação convenha ao texto. O artigo 92.º é manifestamente restritivo da competência legislativa da Assembleia ao incumbir-lhe apenas a votação das «bases gerais dos regimes jurídicos». Em rigor, os decretos-leis publicadas em casos de urgência e necessidade pública não deveriam ir mais além do que a definição dessas mesmas bases gerais, suprindo a falta da Assembleia.
O legislador constitucional sentiu, porém, que era preciso especificar certos casos em que a matéria exigiria a forma de lei (ou de decreto-lei) por dois motivos:
1.º Porque se tratava de assuntos importantes, mas que poderiam oferecer dúvidas sobre se correspondiam aos «regimes jurídicos» a que se referia o artigo 92.º;
2.º Porque ao cabo de tantos anos de ditaduras, disfarçadas ou ostensivas, os diplomas publicados pelo Governo, no exercício dos poderes extraordinariamente assumidos, tornavam difícil a destrinça entre a matéria legal e a matéria regulamentar (veja-se a conexão estabelecida entre os artigos 70.º e 93.º e o artigo 141.º pelo § único deste).
Assim, um novo serviço público ou um banco têm de ser criados por lei ou decreto-lei que contenha as regras fundamentais da sua organização; mas, uma vez criados, nada impede que em complemento dessas regras fundamentais o Governo publique os regulamentos que reputar convenientes.

26. Resulta daqui que são inteiramente diferentes na sua natureza e nos seus intuitos o artigo 93.º da Constituição e o artigo 27.º do Acto Colonial.
No artigo 27.º do Acto Colonial trata-se de assegurar uma rigorosa distinção de competência dos órgãos. Os decretos do Ministro das Colónias e os diplomas legislativos dos governadores são verdadeiras leis, como as da Assembleia Nacional, e, portanto, era necessário determinar os órgãos adequados para publicar leis sobre cada espécie de matérias. A matéria da competência da Assembleia Nacional é exclusiva desta, sem que o Governo possa substituir-se-lhe publicando decretos-leis, que a Carta Orgânica, antes da reforma de 1945, esclarecia não terem função na legislação do ultramar.
Ora o artigo 93.º da Constituição limita-se a salvaguardar uma hierarquia de formas, especificando matérias que têm de ser objecto de lei ou de decreto-lei, mas que são indiferentemente da competência de qualquer dos órgãos legislativos, Assembleia Nacional ou Governo.
Cabe, porém, perguntar aqui: mas convirá manter o princípio da existência de uma competência exclusiva da Assembleia Nacional? Não será isso prestar homenagem a uma supremacia parlamentar em franco declínio? Haverá motivo para exceptuar tais matérias coloniais da regra da competência comum dos dois órgãos legislativos, admitida na nossa Constituição?
A Câmara Corporativa entende que sim. Considerando atentamente o artigo 27.º do Acto Colonial, com o seu § único, torna-se manifesto que o objectivo do legislador foi o de assegurar a publicidade do debate e da deliberação em certos assuntos de especial melindre para a soberania nacional, ao mesmo tempo que para eles requer o concurso dos votos de pessoas qualifica-

1 Administração colonial, 1906, p. 214.
2 Ob. cit., p. 215.
3 Na nossa escassíssima literatura do Direito Público o assunto tem sido muito pouco tratado. Que conste, sob a responsabilidade do autor e não em lições ou apontamentos colididos por estudantes, só foi versado por Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1.ª ed., p. 444.