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19 DE JANEIRO DE 1951 295

um problema de ordem política que, nesta hora de crise dos impérios coloniais, pode ser suscitado numa nação que compreende além-mar súbditos de várias raças, confissões e civilizações, algumas das quais (como a industânica e a chinesa) de tradição milenária.

8. Contém ainda a parte final do artigo uma referência ao Padroado do Oriente. O País foi informado não há muito, pelo Sr. Presidente do Conselho, dos problemas que da independência indiana resultaram quanto à manutenção da actual forma e do actual âmbito do Padroado. A Câmara não tem elementos suficientes de informação para ajuizar da oportunidade de se manter, numa redacção nova do artigo 2.º, esta referência.

9. Parece, pois, à Câmara que a nova redacção proposta para o artigo 2.º não é mais feliz, sob o ponto de vista da política colonial, do que a actual: pelo contrário, agrava problemas suscitados por esta e pode criar outros novos.
O actual artigo 2.º contém uma afirmação de princípios, um pouco enfática, manifestamente dispensável e de sentido discutível, como acabou de se mostrar. Mas consta há vinte anos do Acto Colonial, já deu lugar a todas as críticas, a todas as glosas e a todas as reacções que tinha a dar. Por outro lado a sua eliminação poderá criar o risco de fazer crer que Portugal desiste agora de afirmações que até aqui reputara fundamentais. Estes motivos justificariam que na presente revisão se deixasse o artigo intacto.
A não se querer, porem, deixar permanecer uma disposição que em tempos suscitou a má vontade de alguns naturais das colónias, também parecia aceitável, a pretexto de com a integração do Acto Colonial no texto da Constituição se aligeirar e reduzir a extensão daquele, suprimir o artigo pura e simplesmente, juntamente com outros.
A solução adoptada é que não parece bem inspirada: porque tira do actual artigo 2.º o bastante para significar um abandono de posições e põe-lhe novos termos que podem ir agora suscitar novas críticas e novas reacções.
10. A Câmara Corporativa entende que, se o Governo deseja manter o artigo 2.º, modificando-o, deveria a modificação ser tal que não tocasse na sua essência, coimo, por exemplo, na redacção seguinte:

A Nação Portuguesa afirma o seu direito a prosseguir no desempenho da função histórica de colonizar os territórios ultramarinos sob a sua soberania, que importe povoar e valorizar e de civilizar os povos atrasados que neles residam.

ARTIGO 3.º

11.º A nova redacção deste artigo propõe-se alterar a terminologia corrente do direito colonial português pela supressão das expressões domínios ultramarinos, colónias e império colonial.
Em vez delas ressuscitam-se as designações de províncias ultramarinas e de ultramar.
Tal alteração parece justificar-se, no presente momento, sobretudo pela campanha internacional contra a denominação e o estatuto político das colónias.
Na verdade, a corrente nacional em prol da adopção do nome de províncias ultramarinas é já antiga, e, aquando da discussão do primeiro projecto do Acto Colonial, manifestou-se com impressionante força, tendo o primeiro dos votos do Congresso Colonial Nacional de 1930 sido no sentido de se consagrar essa denominação, e não a de colónias, no texto projectado.
Sem embargo de tais opiniões o Governo manteve a terminologia desse projecto.
Todavia, essa tinha sido a boa oportunidade. Após vinte anos de instabilidade governativa e de hesitações legislativas procurava-se consagrar num texto a fórmula de equilíbrio aconselhada pela experiência e que iria servir de base ao desenvolver de uma política firme e coerente.
Sobre o Acto Colonial se definiu a doutrina que tomou corpo numa série de diplomas basilares da administração ultramarina e que informa hoje a mentalidade dos funcionários que servem nos quadros do Império.
As grandes colónias de Angola e de Moçambique foram divididas em províncias; em mil e um pormenores da legislação e da administração, na linguagem comum e nos hábitos, as expressões colónia e império colonial estão radicadas profundamente. Não quer a Câmara entrar aqui na discussão dos pergaminhos históricos da designação de províncias ultramarinas: bastará registar que, segundo fundadas opiniões, não possui tradições anteriores ao século XIX como designação jurídico-administrativa1 e que no século XX a sua adopção tem sido preconizada por motivos puramente sentimentais.

12. Disse-se que a proposta de substituição da designação de colónias se poderia compreender nesta oportunidade pelo desfavor actual que a palavra tem nos meios internacionais.
A França deixou de a usar na sua legislação e o mesmo fez a Holanda, sem embargo do que a Inglaterra e a Bélgica se mantêm fiéis à terminologia tradicional.
Nas organizações internacionais, e nomeadamente na Organização das Nações Unidas, optou-se pela designação de território não autónomos.
Em França as colónias que não passaram a ser departamentos, territórios ou Estados associados ficaram a ser chamadas territórios ultramarinos.
A Holanda inclina-se para a fórmula federativa, unindo sob o reino da Casa de Orange, em pé de igualdade com a antiga metrópole, os dois territórios coloniais que lhe restam após a independência da Indonésia: o Surinam e as Antilhas Neerlandesas.
Mas todas estas modificações terminológicas correspondem ao movimento internacionalmente desejado no sentido de maior autonomia dos territórios ultramarinos, sem o qual não faria sentido.

13. Uma outra atitude poderia, porém, explicar a alteração projectada: em face da desorientação da opinião internacional em matéria de colónias, em face da desintegração dos impérios coloniais, em faço das pressões que certos Estados exercem no sentido de desencadear ou acelerar essa desintegração - importa que Portugal afirme solenemente uma vez mais a doutrina tantas vezes proclamada de que metrópole e colónias formam um só território, uma só Nação, um só Estado, não havendo mais do que circunscrições administrativas de aquém e de além-mar, com a organização adequada à situação geográfica e às condições do meio social de cada uma delas.
Esta parece ser a verdadeira razão que fundamenta a proposta. A Câmara não lhe nega valor, mas apenas tem a fazer-lhe algumas observações.
Admite-se que o princípio, que é sentimentalmente certo, o seja politicamente também.

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1 É claro que uma vez ou outra a designação genérica de províncias aparecia, ato em actos oficiais, mas sem corresponder ao emprego rigoroso de uma designação oficial de unidades administrativas. Morais, no seu Dicionário, definia, em 1813: «Província - Parte de num reino ou estado... O distrito do uma cidade: v. g. província de Lamego, do Porto, etc.». Veja-se Marcelo Caetano, Portugal e o Direito Colonial Internacional, p. 12.