308 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70
desde tempos imemoriais, cujos títulos do concessão não se conhecem (na Zambézia, em Cabo Verde, na índia), e por outro há numerosos casos em que a concessão da terra originou o desdobramento dos dois domínios, directo e útil, entrando este último definitivamente no património dos particulares enfiteutas.
Por isso, se se julga necessário fazer na Constituição a especificação dos bens patrimoniais da colónia (forma de dizer também discutível, pois a doutrina unanimemente ensina que as terras vagas das colónias formam antes um domínio público colonial especial, resultante do princípio do domínio eminente), será preferível dar outra redacção ao preceito, dizendo antes: «os terrenos vagos ou que não hajam entrado definitivamente noutro património ou no domínio público».
Nas alíneas b) e c) referem-se «os bens mobiliários ou imobiliários, incluindo fundos ou créditos...». Em primeiro lugar o termo fundos não tem sentido jurídico rigoroso, e em segundo lugar não consta que alguém tivesse alguma vez duvidado da inclusão dos «fundos» e dos «créditos» entoe os bens mobiliários ou imobiliários. A especificação é supérflua.
Por estes motivos a Câmara opina em favor da manutenção do texto actual.
Quanto ao § único, chama-se a atenção para a necessidade de prever a hipótese de os títulos aí referidos serem cedidos ou dados em penhor a departamentos de fomento dos bancos emissores ou a um futuro Banco de Fomento Colonial. Parecia, pois, mais conveniente dizer: «Só ao Tesouro Nacional ou aos estabelecimentos de crédito que o Governo designar...».
O artigo 40.º corresponde ao actual, mas com importantes alterações. No corpo do artigo, em lugar da referência aos artigos 63.º e 66.º da Constituição, diz-se agora «votado pelos seus próprios órgãos nos termos que a lei declarar». Há a observar, antes de mais, que a lei não declara, mas sim dispõe ou preceitua; e a referência aos órgãos da «província ultramarina» parece que implica a votação por mais de uma assembleia local. Por outro lado, tal como se apresenta redigido o artigo, parece conter o compromisso de deixar a última palavra na decisão sobre o orçamento aos órgãos representativos locais, presunção reforçada pelo facto de &e suprimir no § 1.º a referência à necessidade de autorização ou aprovação expressas do Ministro das Colónias para a sua entrada em vigor.
A supressão deste princípio num texto constitucional sobrecarregado de disposições secundárias afigura-se à Câmara Corporativa extremamente grave. A possibilidade de opção dada ao Governo entre a autorização e a aprovação do orçamento na revisão constitucional de 1945 foi, nessa altura, muito estudada e debatida, não apresentou até agora inconvenientes que se conheçam e fornece os meios suficientes para acompanhar a gestão financeira local, dando maior autonomia quando as circunstâncias o permitam e cerceando-a quanto se torne necessário.
Nas mais descentralizadoras bases orgânicas da administração colonial que até hoje tivemos - as de 1920 - logo na segunda se definia que «a metrópole exerce a sua função de superintendência e fiscalização no governo e administração das colónias... verificando e corrigindo no orçamento da colónia o cômputo das receitas e verificando a legalidade das despesas inscritas».
Por isso a Câmara Corporativa opta pela orientação que se encontra no texto actualmente vigente do artigo 40.º do Acto Colonial.
43. O artigo 41.º corresponde ao actual, mas com redacção inteiramente nova, que não modifica os princípios.
O artigo 42.º corresponde ao actual.
O artigo 43.º acrescenta ao texto vigente a indicação do órgão competente para julgar as contas anuais da gestão financeira das colónias. A Câmara não vê inconveniente em que essa função seja confiada ao Tribunal de Contas, visto o Conselho do Império carecer de contadores que possam proceder ao exame dos processos, não podendo os seus vogais, manifestamente, pronunciar-se antes do minucioso estudo que só a funcionários especializados cabe fazer.
O projecto insere neste lugar um artigo - o 43.º-A - tornando obrigatória a constituição em todas as colónias de «fundos de reserva». A excelência do princípio é duvidosa; mais duvidosa ainda a vantagem da sua inclusão na lei constitucional.
Os fundos de reserva nas colónias foram preconizados numa época em que o entesouramento público era bem. visto (vivia-se mo século XIX, sob o signo do ouro e da estabilidade dos valores) e são próximos parentes dos tesouros de guerra. A sua justificação principal encontrava-se no carácter incerto da economia tropical, cuja, débil estrutura, fundada na monocultura das colónias de exploração, as expunha a crises periódicas frequentes. Como as receitas fatalmente caíam nas épocas em que a exportação se não fazia, devia nos períodos de prosperidade entesourar-se parte delas, de modo a estar-se apto a enfrentar vicissitudes futuras.
Mas a mentalidade entretanto mudou. Na realidade, o fundo de reserva pode ser constituído em moeda local, em metais preciosos ou em divisas cambiais. A nossa Carta Orgânica permite também que seja aplicado «em prédios urbanos de boa construção e rendimento».
Se o fundo de reserva é constituído em moeda local, origina uma imobilização progressiva do meio circulante, que pode ter péssimos efeitos económicos pela subtracção ao giro normal de uma economia em desenvolvimento da moeda que lhe é necessária. Por outro lado, em períodos de instabilidade do valor da moeda condena-se por essa forma uma parte importante do património da colónia à depreciação, quando, se tivesse sido oportunamente investida em aplicações reprodutivos, se teria, pelo contrário, valorizado crematística e socialmente. Enfim, o geometrismo na imobilização anual de uma parte dos saldos pode levar ao sacrifício de obras e melhoramentos urgentes, que se traduz em atraso, em mal-estar e em má administração; e como um dia o fundo há-de ser gasto (pois não existe por existir mãe para se gastar...), caso a catástrofe não tenha surgido, acabará por ser aplicado nas mesmas obras que, feitas mais cedo, poderiam ter sido anais oportunas, mais baratas e mais rendosas.
A constituição em metais preciosos, divisas cambiais «a moeda exterior previne certos destes inconvenientes mas origina outros, sobretudo a imobilização de divisas, que, afectadas como actualmente se faz aos fundos cambiais, constituem reservas disponíveis, embora cautelosamente poupadas, susceptíveis de aumentar a confiança no crédito da colónia e de toda a sua economia, isto é, com benefício imediato e constante das próprias actividades privadas. Por outro lado, as divisas correm riscos de câmbio que podem de um momento para o outro importar graves prejuízos patrimoniais.
Estas críticas não respeitam à acumulação de fundos provenientes de saldos ou de outras origens, como reserva de maneio da tesouraria, como até aqui se tem feito, quando oportuno, na maior parte das colónias. A diferença está em que essa acumulação resulta do tino administrativo dos governantes, faz-se, quando as circunstâncias o permitem e indicam, até ao limite razoável, gasta-se segundo convém, sem que constitua uma imobilização legal. Foi com saldos que Moçambique pôde pagar as indemnizações devidas à Companhia de Moçambique e ocorrer, até 1947, às suas despesas extraordi-