22 DE ABRIL DE 1952 821
O Orador:-Eu creio que não será oportuno daqui a oito ou nove meses trabalhar sobre um diploma do emergência publicado agora, já possivelmente tarde.
O Sr. Carlos Moreira: - Mas é sempre tempo de emendar e corrigir.
O Orador:-Competirá então ao Governo decretar, no intervalo dos trabalhos parlamentares, as providências aconselhadas pelas circunstâncias de ocasião.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: quando há dias fiz algumas considerações sobre o decreto-lei que criou o Fundo de Fomento e Povoamento, limitei-me a pôr em foco certas, das suas facetas mais importantes e a produzir, pequenas observações a um discurso proferido minutos antes e cujos argumentos não tinham conseguido convencer-me.
Porém, como o referido diploma provocou reacções várias, fora e dentro desta Casa, entendi de minha obrigação aproveitar este ensejo, a fim de contribuir para o esclarecimento do problema em discussão, prometendo anotar alguns pontos, de boa fé e isenção.
Sr. Presidente: a leitura desse discurso parece indicar que o seu autor teve, entre outros objectivos, o de demonstrar a inexistência actual de sobrevalorização da copra e do cacau de S. Tomé e Príncipe assunto de que novamente se ocupou na primeira sessão deste debate e ressaltar os efeitos prováveis da providência legislativa, que considera contraproducente ou fomentadora da produção em territórios estrangeiros vizinhos, motivo por que o Decreto-Lei n.º 38:704 «não resiste à mais ligeira análise económica e em si mesmo contém o germe da própria destruição».
Sobre o incompreensível receio de ser tributada uma maior valia que não existe já se pronunciaram vários membros da Assembleia. De facto, a cotação média de cada produto em 1949 ano base para o cálculo da sobrevalorização nunca poderá ser estabelecida arbitrariamente pelo Ministério do Ultramar, mas apenas após á audição dos serviços competentes deste departamento do Estado, e tendo em conta, sobretudo, as informações vindas da província interessada, fornecidas por apropriado organismo, de que hão-de fazer parte, lógica e naturalmente, representantes da agricultura, da indústria mineira, do comércio exportador e das juntas do exportação das mercadorias consideradas.
Ninguém poderá pensar que o cálculo do preço médio em 1949 alicerçado sobre as cotações normais do produto nas bolsas ou nas praças de Londres e Nova Iorque ou em outra praça acreditada e onde habitualmente se venda apreciável quantidade desse género não deva ser corrigido para efeitos fiscais, de harmonia, por exemplo em Angola, com os aumentos de direitos fiscais, resultantes da aplicação da última reforma tributária, ou com qualquer anormal exagero eventual da cotação, e para todo o ultramar observando os preceitos do artigo l.º do Decreto-Lei n.º 38:659, segundo os quais ficaram em depósito 30 por cento dos produtos a exportar. É igualmente sensato supor que com a execução dos ditames fiscais do Decreto-Lei n.º 38:704 se atenuará a incidência das taxas a que ora estão sujeitas as mercadorias de exportação, e, em obediência aos nobres princípios de solidariedade económica nacional, decerto haverá tratamento especial para os produtos destinados à metrópole ou a qualquer outra nossa província ultramarina, nomeadamente quando se trate de géneros tabelados.
Também é intuitivo que, se o diploma em apreciação pode sujeitar ao regime de contribuição para o Fundo de Fomento e Povoamento todos os produtos cuja sobrevalorização aconselhe tal procedimento, analogamente pode e há-de libertá-los desse ónus fiscal quando se verifique, por meio de estudo económico objectivo, uma sensível redução de maior valia, provocada pela descida das cotações nos mercados internacionais, ou desapareça com a subida das despesas da produção ou das de outra índole.
De resto, os interesses privados ainda ficam mais protegidos com o recurso das resoluções do Conselho Técnico Aduaneiro, previsto pelo § único do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 38:704.
Mas, na realidade, terá havido sobrevalorização do cacau e da copra de S. Tomé e Príncipe e dos restantes produtos de Angola e de Moçambique menciona-los no decreto-lei em apreciação? Consultemos as estatísticas da exportação de cada uma das três províncias, para não cairmos no campo das abstracções dos economistas teóricos e sonhadores e satisfazer os desejos daqueles que, não obstante o seu amor ao sentido prático das realidades, incompreensivelmente odeiam as médias e as curvas ou gráficos estatísticos, métodos simples mas rigorosos usados pela matemática ciência, aliás, da qual se mostram, às vezes, tu o fiéis admiradores.
Confesso-me incapaz de entender como uma empresa, grande ou pequena, possa trabalhar em boas condições económicas menosprezando esses elementos relativos aos encargos da produção e aos rendimentos - aquilo que um grande matemático e génio da nossa terra designou por a ementa de sopa, vaca e arroz D.
O Sr. Botelho Moniz: - Para que eu não aceite aqui, da boca de V. Ex.ª, um atestado de mau administrador de empresas, devo dizer-lhe que, quando aprendi estatística - e eu também aprendi estatística -, a primeira coisa que me ensinaram foi a não acreditar cegamente nos números respectivos. Torna-se indispensável conhecer-lhes a formação e saber interpretá-los.
Quer dizer: todas aquelas pessoas que só quiserem considerar os números, pondo de parte tudo quanto na realidade os acompanha, caem no mais crasso dos erros. É o caso de se citar grande aumento de valor-escudos de exportação de Angola em relação a pequeno aumento do quantitativo em toneladas dessa exportação. Ignoram-se assim as modificações sensíveis que houve na qualidade das mercadorias vendidas ao estrangeiro.
Ignoram-se as diferenças de preço entre produtos totalmente diversos. Não podemos comparar exportação de diamantes com exportação de resíduos de pirite.
Nesta história das tonelagens V. Ex.ª errou por não considerar com realismo a noção de valor e trabalhar com médias não ponderadas.
O Sr. Carlos Mantero: - Está V. Ex.ª estabelecendo muito bem a diferença que existe entre o economista teórico e o prático, de um lado, e o economista amador, do outro.
O Orador:-Ao Sr. Deputado Botelho Moniz responderei que se equivocou pensando que o considero mau administrador de empresas; pelo contrário, tenho muito boa impressão das suas qualidades administrativas. Seja como for, não só de pão vive o homem para quem deve existir muito mais do que o conhecimento das realidades económicas.
Quanto às ideias expostas sobre o merecimento da estatística, nada tenho a acrescentar, porque elas figuram, na introdução de todos os livros da especialidade, mesmos nos modestos manuais.